Opinião

O Fórum Jurídico de Lisboa: momento de reflexão e planejamento lusófono

Autor

  • Atalá Correia

    é professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) doutor em Direito Civil pela USP (Universidade de São Paulo) e juiz de direito no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

1 de novembro de 2021, 11h12

Nos próximos dias 15, 16 e 17 de novembro, será realizado o Fórum Jurídico de Lisboa, que, em sua 9ª edição, tem como mote principal os "Sistemas Políticos" e a "Gestão de Crises". Trata-se de iniciativa do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O pluralismo marca o evento. Ao longo dos anos, o trabalho frutificou graças ao engajamento de incontáveis atores, notadamente professores, políticos e estudantes, sempre dos mais diversos matizes. Do entrechoque de posições diversas, surgem soluções e avanços.

O evento nasceu em 2013 e seu escopo vai muito além da reflexão acadêmica. Trata-se, inicialmente, de reconhecer que raízes históricas e culturais nos ligam indelevelmente à comunidade lusófona e isso exige que estejamos comprometidos com o futuro comum. Dessa forma, é necessário que haja momentos em que possamos distanciarmo-nos da roda-viva da rotina cotidiana, para que, em uma pausa, possamos avaliar o que se passou e, então, traçar planos para enfrentar os desafios vindouros. Ao encerrar os debates em 2017, o professor e presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, além de afirmar que "é inquestionável a existência de um direito de matriz lusófona", declarou que "este encontro traduz a comunhão entre Portugal e Brasil".

Não é simples sintetizar todo o conteúdo do amplo debate veiculado pelo Fórum, mas podemos destacar três eixos principais: governabilidade, direitos fundamentais e desafios tecnológicos.

Para exemplificar o que se passou no campo da governabilidade, vale lembrar que, em 2014, o Fórum contou com palestra do Prof. Jorge Miranda, convidando-nos a pensar sobre "o futuro do constitucionalismo na Europa e no Brasil". Em 2017, diante do palpável fenômeno do distanciamento entre eleitores e eleitos, o painel de abertura permitiu ouvir as visões dos coordenadores científicos do evento, os professores Carlos Blanco de Morais e Gilmar Mendes, que trataram da “Crise da Democracia Representativa e Governance do Sistema Político”, tema que, até hoje, permanece em pauta. Em momento subsequente, o mesmo problema foi apresentado sob a pergunta: “o Presidencialismo de Coalização é Reformável?” e, então, ouvimos o profícuo debate entre o professor lusitano Jorge Reis Novais e dois congressistas brasileiros, Antonio Anastasia e Arlindo Chinaglia.

O diálogo prosseguiu e, em 2020, quando o Fórum cuidou da "Democracia, sistemas de governo e governabilidade", os participantes puderam ouvir as instigantes reflexões de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sobre as "disfunções nos sistemas de governo na atualidade". Nesta oportunidade, o Professor da Universidade de São Paulo reconstituiu o histórico do presidencialismo brasileiro, evidenciando como a cooperação entre executivo e legislativo foi possível no passado. Além disso, destacou como, diante da grande fragmentação partidária, "a obtenção da maioria para aprovação de qualquer medida pressupõe uma negociação penosa e evidentemente dificulta a governabilidade".

O curioso é que a vida pública presenteia o congresso. As discussões sempre são realizadas contra um pano de fundo fático que clama por respostas daqueles presentes na Universidade Clássica de Lisboa. Este ano, sabe-se que o governo português não conseguiu maioria para a aprovação de seu orçamento e, conforme as regras do parlamentarismo ali vigente, está-se diante da possibilidade de dissolução da Assembleia da República (art. 133, “e”, e 172, da CRP). Certamente, este será o foco da discussão no V Painel deste IX Fórum. No dia 16 de novembro, a partir das 10h45min (horário de Lisboa), o Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, moderará o diálogo sobre “modelos de semipresidencialismo comparado”, contando com aportes de Guillaume Tusseau, do Sciences Po de Paris, José Levi Mello do Amaral Júnior, da Universidade de São Paulo, Silvia Bagni, da Universidade de Bolonha, e Pedro Sánches, da Universidade de Lisboa. O "presidencialismo de coalização e semipresidencialismo" também será objeto de análise, no dia 17 de novembro, às 9h (de Lisboa) por Gilberto Kassab, Michel Temer, Gilmar Mendes, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Carlos Blanco de Morais.

Um aspecto que jamais faltou nesses debates foi a questão da exclusão social, que de perto diz respeito aos direitos fundamentais. Em 2017, viu-se interessantíssimo painel sobre "o Sistema de saúde pública", o que foi abordado, também, em anos subsequentes. Entretanto, foi em 2018 que os problemas sociais foram alçados a mote central do encontro. Os diversos palestrantes refletiram sobre a "Reforma do Estado Social no contexto da Globalização". Com uma defesa enfática dos acordos multilaterais, Roberto Azevêdo, que então era o diretor geral da OMC, afirmou que “o sistema de comércio internacional — representado pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC) — tem sido uma história de sucesso. Esse sistema estimulou uma maior cooperação entre as nações durante 70 anos, promovendo enormes avanços econômicos em todo o mundo. Ele contribuiu para a criação de emprego e prosperidade, ajudando a tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza”.

Como é evidente diante da pandemia que assolou o mundo, a gestão da crise humanitária e as restrições aos direitos fundamentais estão no centro das preocupações do Fórum em 2021. Pode-se esperar que, ao abrir o evento, o Presidente do Senado Federal brasileiro, Rodrigo Pacheco, venha a endereçar este tema. De todo o modo, os painéis seguintes nos proporcionarão uma visão comparada dos impactos da crise sanitária sobre os direitos fundamentais, da responsabilidade do Estado diante de medidas de exceção, das limitações orçamentárias, da recuperação econômica e das relações laborais. O impacto da pandemia no acesso à Justiça e o papel que as soluções extrajudiciais podem desempenhar nesse cenário serão as preocupações do XI Painel (17/11, às 15h de Lisboa), com debate entre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, Antonio Carlos Ferreira e Luis Felipe Salomão (este que também é coordenador científico do Fórum), bem como do Ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, e de José Marinho Paulo Junior e Pedro Lomba.

Em 2017, o Fórum mostrou sua vocação para a reflexão própria do nosso tempo, em que a tecnologia nos impulsiona a transformações antes impensáveis, e apresentou debate sobre "Governance das Zonas Metropolitanas e Mobilidade Urbana". Um ano após, cuidou-se do problema das "mudanças tecnológicas e os seus impactos econômico-sociais e jurídicos". Na ocasião, houve profícua reflexão sobre "Inteligência artificial e solução de conflitos", com palestras de Luiz Rodrigues Wambier, Juliana Loss e José Leovigildo Coelho, Alexandre Zavaglia Coelho, entre outros.

Neste ano de 2021, o Fórum dedicará especial espaço para tratar da "liberdade de expressão na esfera pública digitalizada", quando terão voz Ricardo Campos, Ricardo Vilas Bôas Cueva, Laura Schertel Mendes, Clara Iglesias Keller e Domingos Farinho.

Para celebrar o “novo-normal”, o Fórum de 2021 voltará a ter encontros presenciais na Universidade Clássica de Lisboa, sem deixar de transmitir os debates de forma online. Os interessados podem se inscrever aqui. Os detalhes da programação deste ano podem ser vistos aqui. As diversas palestras anteriores permanecem gravadas e podem ser acessadas na Plataforma YouTube (aqui).

Outra novidade: nas vésperas do Fórum Jurídico, também em Lisboa (na Academia de Ciências) ocorrerá outro evento, como resultado do trabalho de associação formada por grupo de brasileiros e portugueses. O pontapé inicial do Fórum de Integração Brasil e Europa (FIBE) conterá uma série de diálogos que vão muito além da jurídica, notadamente sobre nova economia e sociedade. O evento ocorrerá nos dias 12 e 13 de novembro. Os detalhes podem ser vistos aqui.

Autores

  • é professor do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo e juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. É co-responsável pela coordenação acadêmica do IX Fórum de Lisboa.

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