Opinião

O presidente da República pode bloquear seus seguidores nas redes sociais?

Autores

  • Daniel Falcão

    é controlador geral do município e encarregado pela proteção de dados da Prefeitura de São Paulo advogado cientista social professor do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) doutor mestre e graduado pela Faculdade de Direito da USP pós-graduado em Marketing Político e propaganda Eleitoral pela ECA/USP e graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP.

  • Tiago Augustini de Lima

    é graduando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) bolsista de Iniciação Científica (PUB-USP)membro do Grupo de Direito Eleitoral da FDRP-USP.

21 de março de 2021, 13h10

Em meio aos problemas sanitários envolvendo o agravamento da crise da Covid-19 no país, é inevitável o surgimento de críticas quanto ao planejamento e administração da pandemia, tanto quanto aos meios de execução das medidas para conter o avanço nefasto da doença e evitar mais mortes.

Essas críticas direcionadas, principalmente, ao presidente da República e a seus ministros — e também aos filhos do presidente são realizadas, sobretudo, em seus perfis oficiais nas redes sociais.

Isso porque o presidente Jair Bolsonaro, admirador confesso do ex-presidente dos Estados Unidos da América (EUA) Donald Trump, também utiliza as redes sociais como forma de dar publicidade aos atos públicos, medidas administrativas que o Executivo tomou ou tem a intenção de realizar e também suas lives, que contam com a opinião pessoal do presidente sobre assuntos políticos e morais.

Essa forma política de contato do chefe de Estado e Governo com seus apoiadores não teve início com Donald Trump, o ex-presidente dos EUA apenas tornou esse tipo de comunicação sua principal forma de contato e de opinião. A campanha eleitoral de Barack Obama, em 2008, é considerada a virada do marketing político, pois foi nesse pleito a introdução massiva das mídias sociais em campanha eleitoral [1].

Contudo, foi o republicano Donald Trump quem delineou a atuação política nas mídias sociais, sobretudo no Twitter, mesclando atuações como chefe de Governo e de Estado com suas opiniões pessoais.

Assim, além de apoiadores, os opositores também criticavam o ex-presidente e recebiam como resposta o bloqueio de perfil. Por isso, em maio de 2018, a juíza de Nova York Naomi Buchwald declarou ilegal o bloqueio de seguidores que criticavam o então presidente Donald Trump. A fundamentação da juíza foi que os perfis de agentes públicos, como, por exemplo, de um presidente são fóruns públicos de debate.

A defesa de Trump apelou da decisão e, em julho de 2019, a Corte Federal de Apelação decidiu que é ilegal, pois fere a Primeira Emenda [2] e, tratando-se de assuntos de governo e de Estado, ele não pode impedir que cidadãos leiam suas publicações ou participem de discussões no perfil do presidente, ou seja, a primeira emenda proíbe o poder público de atacar o direito à liberdade de expressão [3].

No caso de Jair Bolsonaro, há dois casos em análise no Supremo Tribunal Federal. O primeiro se trata de impetração, pelo advogado Leonardo Medeiros Magalhães, do Mandado de Segurança 37.132, que versa sobre o bloqueio do perfil do impetrante pelo presidente após comentário crítico a uma foto do presidente em sua conta oficial no Instagram, quando do pedido de demissão de Sérgio Moro, em 2020.

Nesse caso, em voto, o ministro Marco Aurélio, relator do mandado de segurança, declarou que as publicações do presidente Bolsonaro "não se limitam a temas de índole pessoal, íntima ou particular. Dizem respeito a assuntos relevantes para toda a coletividade, utilizado o perfil como meio de comunicação de atos oficiais do chefe do Poder Executivo".

O ministro Marco Aurélio ainda ressalta que, se o presidente da República utiliza aquela rede social como forma de dar publicidade a atos vinculados à função de chefe do Poder Executivo, não cabe ao presidente o papel de "censor", pois a manifestação com esse tipo de conteúdo, ainda que em rede social, configura "ato administrativo praticado no exercício do poder público". O MS 37.132, espera julgamento em plenário após o pedido de destaque pelo ministro Kassio Nunes Marques.

O segundo caso pautado na Suprema Corte é o Mandado de Segurança 36.666, impetrado pelo jornalista Willian de Lucca em novembro de 2020, de relatoria da ministra Cármen Lúcia. Nesse caso, o bloqueio ao perfil do jornalista pelo presidente dera-se na rede social Twitter.

Nesse mandado de segurança, a ministra elencou que as manifestações de perfil na rede social do presidente da República que versem sobre divulgação e justificações sobre questões públicas e estatais revestem-se de oficialidade e responsabilidade. Essa argumentação, portanto, impede que o presidente da República bloqueie perfil de qualquer usuário, pois suas manifestações extrapolam a esfera pessoal.

Dessa maneira, tanto no caso norte americano quanto em ambos os mandamus em face as ações do presidente Bolsonaro nas redes sociais as argumentações são parecidas: atos que ofendem a liberdade de expressão e oficialidade e a responsabilidade quanto à publicização de atos públicos, mesmo em esfera de rede social particular.  Deve-se levar em consideração que no processo constitucional americano a hermenêutica jurídica do conceito de liberdade de expressão possui efeitos mais abrangentes do que os aplicados no Brasil.

A proibição do acesso dos cidadãos ao perfil do presidente da República é cerceamento à liberdade de expressão, isso porque em nossa Carta Magna há a proteção a pensamento, expressão e informação, contida no artigo 5°, IV e também XIV, que garante a liberdade de informação. Já o artigo 220, caput, dispõe sobre a proteção a manifestação de opinião, e o §2º desse mesmo artigo dispõe que é "vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística", por isso o ministro Marco Aurélio argumenta que não cabe ao presidente avocar o papel de "censor" de mídias sociais.

De outro turno, o presidente afirmou que, no caso do Mandado de Segurança 37.132, o advogado impetrante está apenas bloqueado para realizar comentários em seu perfil e não há proibição quanto às visualizações de conteúdo. Entretanto, há ofensa à liberdade de se expressar, pois, analisando o conceito de liberdade de expressão em sentido amplo, apenas haveria real proibição se houvesse manifestação de discurso de ódio.

Nessa senda, Ronald Dworkin esclarece que a medida da liberdade é aquela que mais está próxima de situações de igualdade [4], o que acarreta ganhos à democracia. Para o filósofo norte americano, a independência dos indivíduos, mesmo que estes não pensem igualmente, é condição legítima da política.

Quanto à liberdade de expressão na internet, o Brasil possui o Marco Civil da Internet (M.C.I., Lei nº 12.965/2014), a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei 13.709/2018).

O Marco Civil da Internet, em seu artigo 3º, estabelece que a liberdade de expressão, de pensamento e comunicação tem fundamento principiológico, sendo regulada, portanto, pela Constituição Federal. A Lei de Acesso à Informação, em seu artigo 32º, inciso II, estabelece que a autoridade pública praticará ato ilícito se ocultar em todo ou em parte informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública. Por fim, a LGPD, em seu artigo 2º, estabelece que a proteção de dados tem como fundamento a liberdade de expressão, de comunicação, de informação e de opinião.

Assim, o entendimento quanto à liberdade de expressão precisa estar amparado à hermenêutica constitucional desse instituto. A Constituição de 1988, portanto, pauta a liberdade de expressão como um direito fundamental de proteção à dignidade, à informar e a ser informado, mas também o de se manter em silêncio. Por isso a Carta Magna resguarda esse instituto para que se estabeleçam debates que almejam a busca pela verdade de forma desinibida e legal.

Assim, é por tais argumentos que Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco ensinam que "não é o Estado que deve estabelecer quais as opiniões que merecem ser tidas como válidas e aceitáveis, essa tarefa cabe, antes, ao público a que essas manifestações se dirigem" [5]

Já a característica da oficialidade e responsabilidade que estão sob o manto da autoridade pública recai sob a questão dos princípios específicos do processo administrativo. A oficialidade e a responsabilidade, sobretudo, têm como fundamento o interesse público.

Assim sendo, Celso Bandeira de Mello ensina que o interesse público [6], de maneira geral, caracteriza-se pelo interesse da coletividade em prevalência ao direito do particular. Dessa maneira, quanto aos atos administrativos do presidente em rede social, se eles contiverem informações e/ou publicações sobre o Estado brasileiro, é dever do perfil do presidente garantir a informação aos cidadãos, tanto aqueles que o seguem ou apenas aqueles que visitam o perfil para buscar a verdade ou informação.

Cumpre ressaltar que o interesse público ou a supremacia do interesse público não é o instituto que reveste todo e qualquer ato da administração, isso porque podem acarretar arbitrariedades ofensivas à democracia e aos preceitos e garantias fundamentais, portanto, visa-se a diferenciar o que é interesse público do que é interesse do Estado e, ainda, o que é interesse da autoridade pública. Essa diferenciação é importante, pois a Constituição Federal de 1988 possui natureza contramajoritária, ou seja, o interesse público não é o interesse da maioria, mas deve ser aquele que se atenta também às minorias.

O tema é de grande valia, pois há a necessidade de se ampliar o conceito de liberdade de expressão no Brasil. A ADPF 130/DF confeccionou acórdão explicitando que "a liberdade de expressão integra, necessariamente, o conceito de democracia política, porquanto significa uma plataforma de acesso ao pensamento e à livre circulação de ideias". Esse é o conceito de liberdade de expressão lecionado por Ronald Dworkin aplicado ao texto da Constituição norte-americana, que, como já dito alhures, é extremamente amplo.

As formas de atuação dos agentes políticos diante das redes sociais estão alterando a forma e a concepção do Direito, por isso é papel dos juristas e de toda comunidade jurídica rever certos conceitos com total urbanidade, seriedade e presteza.

 

Referências bibliográficas
CARR, David. Obama's social networking was the real revolution. The New York Times. 09 de out. de 2008. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2008/11/09/technology/09iht-carr.1.17652000.html>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.

Primeira Emenda da Constituição Dos Estados Unidos da América: “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.” Disponível em: <https://constitution.congress.gov/browse/essay/amdt1_1_1/#:~:text=First%20Amendment%3A,for%20a%20redress%20of%20grievances.>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.

MARIMOW, Ann E. President Trump cannot block his critics on Twitter, federal appeals court rules. In. The Washington Post, 9/07/2019. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/local/legal-issues/president-trump-cannot-block-his-critics-on-twitter-federal-appeals-court-rules/2019/07/09/d07a5558-8230-11e9-95a9-e2c830afe24f_story.html?noredirect=on>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.

DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade: A leitura moral da Constituição Norte Americana. 2ª ed. São Paulo. Martins Fontes, 2019.

MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo. Saraiva, 2018.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994.

 


[1] CARR, David. Obama's social networking was the real revolution. The New York Times. 09 de out. de 2008. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2008/11/09/technology/09iht-carr.1.17652000.html>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.

[2] Primeira Emenda da Constituição Dos Estados Unidos da América: “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.” Disponível em: <https://constitution.congress.gov/browse/essay/amdt1_1_1/#:~:text=First%20Amendment%3A,for%20a%20redress%20of%20grievances.>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.

[3] MARIMOW, Ann E. President Trump cannot block his critics on Twitter, federal appeals court rules. In. The Washington Post, 9/07/2019. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/local/legal-issues/president-trump-cannot-block-his-critics-on-twitter-federal-appeals-court-rules/2019/07/09/d07a5558-8230-11e9-95a9-e2c830afe24f_story.html?noredirect=on>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.

[4] DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade: A leitura moral da Constituição Norte Americana. 2ª ed. São Paulo. Martins Fontes, 2019.

[5] MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo. Saraiva, 2018.

[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994.

Autores

  • é advogado e cientista Social. Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP); pós-graduado em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela USP.

  • é graduando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET), bolsista de Iniciação Científica (PUB-USP),membro do Grupo de Direito Eleitoral da FDRP-USP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!