Opinião

A efetividade de direitos da pessoa com deficiência: problemas em cargos públicos

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  • Mayara Aguiar Kikuchi

    é advogada formada pela PUC-SP atua com direito público consultivo e contencioso. É pós-graduanda em processo civil e assistente acadêmica em Direito Administrativo na PUC-SP.

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  • Thiago Fabri Berni

    é advogado formado pela PUC/SP atua com direito público consultivo e contencioso pós-graduando em direito tributário pelo Ibet associado ao IBDT e assistente acadêmico em Direito Administrativo na PUC-SP.

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18 de março de 2021, 7h13

A luta e a conquista de direitos pelas pessoas com deficiências são longínquas e têm abarcado a necessidade de inclusão, igualdade de oportunidades, acessibilidade e vedação à discriminação em áreas como educação, trabalho e locomoção.

No Brasil, muito embora a Constituição Federal tenha como objetivo, desde 1988, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, ausente de quaisquer formas de discriminação, e mais ainda tenha se alcançado em 2015 por meio do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), os direitos conquistados ainda carecem de efetividade.

Exemplo disso é a previsão constitucional de que devem ser reservados percentuais de cargos e empregos públicos para portadores de deficiência (artigo 37, VII, CF), que conta com farta disposição legal [1] sobre os percentuais mínimos e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal [2] sobre ordem de classificação, convocação e nomeação. Ainda assim, pessoas com deficiência que participam e têm sucesso em concursos públicos enfrentam dificuldades de acessibilidade e inclusão no exercício das funções que conquistam.

Explica-se: para além dos detalhes e entraves existentes durante a inscrição e prova do concurso (prova da deficiência, necessidade frequente de interposição de recurso, pedido de local acessível e apto para a realização da prova), são diversos os cargos públicos que exigem que a pessoa com deficiência se locomova até o local de trabalho e lá tenha de exercer sua função contando com estrutura acessível e inclusiva, aspecto relevantíssimo que não tem sido considerado pela Administração Pública ou mesmo por entidades de classe.

É o caso da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Município de São Paulo no concurso público de acesso para provimento de cargos de coordenador pedagógico pelo Edital nº 04/2019. Nele, as pessoas com deficiência que foram aprovadas na lista específica de portadores de deficiência e na lista de ampla concorrência foram excluídas da lista específica [3], o que influi na ordem de classificação na lista única.

A pessoa com deficiência que tenha obtido boa pontuação no concurso e tenha ficado, por exemplo, em segundo lugar na lista específica e em 200º na lista de ampla concorrência ficaria em 21º lugar na lista geral, observando-se o percentual mínimo para pessoas com deficiência previsto pela legislação. Se, no entanto, fosse excluída da lista específica por ter sido aprovada também pela lista de ampla concorrência, sua colocação ficaria muito posterior ao 200º lugar.

Essa forma de contabilização na prática provoca uma irregularidade, levando em conta que a colocação na lista geral do concurso influi diretamente na escolha das escolas e que estas devem ser de alcance acessível para as pessoas com deficiência e contar internamente com estrutura adequada e inclusiva para exercício do cargo, o que não é a realidade da maioria das escolas do Brasil e do município de São Paulo [4].

Assim, cria-se um real e fundado receio de que vagas — seja em escolas, como é o caso do exemplo aqui utilizado, seja em outros locais de exercício de cargos públicos — que possuem estrutura dotada de acessibilidade e inclusão já tenham se esvaído, com escolha indiscriminada de pessoas que tenham ou não deficiência, deixando poucas opções, muitas vezes extremamente distantes e com difícil locomoção, sem o qual os direitos da pessoa com deficiência deixam de ser respeitados e plenamente efetivados.

 


[1] Tal como a Lei nº 8.213/91, o Decreto nº 3.298/99 e o Decreto nº 9.508/18.

[2] Mandados de segurança nos 31.715-DF, rel. Ministra Rosa Weber, decisão monocrática, julgado em 1.9.14 e 26.310-DF, rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 20.9.07.

[3] É a previsão dos artigos 13 e 14 do Decreto Municipal nº 57.557/2016, alterado pelo Decreto nº 57.986/2017 que, quando aplicados à situação exposta, estão em claro desacordo com o sistema jurídico brasileiro.

[4] O censo escolar do INEP de 2018 indica que apenas 31% das escolas de educação básica do Brasil possuem dependências acessíveis aos portadores de deficiência, inexistindo no Município de São Paulo informações ou divulgação das escolas que detêm referida acessibilidade. A cidade de São Paulo obteve, ainda, média 6,93 (abaixo da nota mínima 8) no estudo e Campanha de Calçadas do Brasil, realizado pela Mobilize em 2019, o que indica que as barreiras influem o caminho, o acesso e a permanência de portadores de deficiência nas escolas. 

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