Luto no Direito

Morre o desembargador Antônio Carlos Malheiros, do TJ-SP

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17 de março de 2021, 8h46

O desembargador Antônio Carlos Malheiros, um dos mais respeitados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), morreu na madrugada desta quarta-feira (17/3), de câncer. Ele estava internado no último mês, e passou por sessões de quimioterapia. 

Arquidiocese de SP
O presidente do TJ, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, decretou luto oficial por três dias no Judiciário do Estado de São Paulo, assim como a PUC-SP.

O corpo será cremado às 17h, no Crematório da Vila Alpina. O tribunal informa que as mensagens de condolências podem ser encaminhadas para a família pelo e-mail [email protected].

Malheiros, que foi pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias da PUC-SP, era também o segundo desembargador mais antigo do Órgão Especial do TJ-SP.

Formado pela Faculdade de Direito da USP, Malheiros abriu um escritório de advocacia em sociedade com alguns colegas, logo após se graduar. Depois, entrou no judiciário paulista, virando desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo pelo quinto constitucional. Na carreira acadêmica, era professor em direito na própria PUC-SP e na Faculdade Rio Branco, na Lapa.

A desembargadora aposentada Kenarik Boujikian ficou abalada. "Hoje é um dia  muito triste. Judiciário e humanidade perdem com o falecimento do desembargador Antônio Carlos Malheiros. Um juiz humano, extremamente humano. Um ser luminoso que deixou a marca da solidariedade, generosidade e compaixão por todos os lugares pelos quais passou. Em cada processo e em cada pedaço do chão da vida."

"O desembargador Malheiros deixará muitas saudades em toda comunidade. Defensor histórico dos direitos da infância e adolescência no Brasil, sempre foi incansável nas lutas sociais. Um exemplo", acrescentou Carlos José Santos da Silva, o Cajé.

Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente Associação De Direito de Família e Sucessões, destacou seu legado. "Estará sempre presente na memória de todos que conheceram o desembargador Antonio Carlos Malheiros seu nobre exercício das funções jurisdicionais, às quais agregou atividades de grande valor acadêmico e institucional, na PUC/SP e como Conselheiro Científico da ADFAS."

"Malheiros era a mais eloquente expressão da bondade e da generosidade. Ajudou associações de travestis quando a AIDS matava a rodo, Doutor da Alegria, animava crianças internadas em hospitais da periferia. Deixa um legado de amor ao próximo. Ajudou perseguidos pela ditadura. Era o homem do diálogo com todos no TJ-SP. Ele parte num momento de muita intolerância, mas seu legado, os valores que ele sempre cultuou, hão de iluminar os caminhos de muitas gerações. Descansa em paz amigo!", disse o advogado Alberto Toron.

O defensor público-geral do estado de São Paulo, Florisvaldo Fiorentino Júnior, também manifestou, em nota "profunda consternação e pesar pelo falecimento".

"Malheiros sempre demonstrou ser um parceiro da Defensoria Pública: apoiador da causa da criação da instituição nos anos 2000, magistrado sensível aos direitos da população carente e figura presente em diversos projetos e eventos da instituição, notadamente nas áreas de direitos humanos e de infância e juventude. São muitas e muitos profissionais da Defensoria Pública que guardam na memória uma referência sua. Também professor universitário na área de direitos humanos, a Defensoria Pública é hoje formada por muitos de seus ex-alunos e ex-alunas. Para além uma formação acadêmica, suas aulas e palestras traziam reflexão e sensibilidade a temas urgentes de nossa sociedade. As mais diversas homenagens que já surgem no dia de hoje são a prova do legado inspirador que o Professor e Desembargador Malheiros nos deixa. Nossos sentimentos a seus familiares, amigos e colegas.

Antonio Ruiz Filho, advogado criminalista, também enalteceu a humanidade do magistrado. "Antônio Carlos Malheiros foi notável advogado. Atuou como conselheiro e diretor da AASP. No exercício da judicatura, destacou-se pela sensibilidade e espírito público. Sua preocupação e cuidado com o próximo, caráter, humanidade, sempre foram marcas da sua passagem pela vida."

"Muita dor nesse momento de perda de um grande humanista, magistrado justo e competente e coração generoso. Descanse em paz Antônio Carlos Malheiros. Deus e os anjos o acolhem nesse momento para fortalecer a paz e o respeito no Paraíso", manifestou-se o diretor do Procon-SP, Fernando Capez.

Eli Alves da Silva ressaltou o humanismo de Malheiros. "Lamentável e irreparável perda. Tive oportunidade de convívio com ele em  vários momentos importantes, inclusive, quando de sua inclusão na lista sêxtupla da OAB-SP pelo quinto constitucional reservado à advocacia. Foi um magistrado que honrou a advocacia. Exerceu a judicatura com imparcialidade, equilíbrio e humanismo, com muita dedicação às causas das crianças, adolescentes e ao direito de família. Que Deus o receba de braços abertos e conforte seus familiares e amigos."

Para Luciano Santoro, advogado criminalista, "o desembargador Antônio Carlos Malheiros era o reflexo do magistrado íntegro, competente, gentil e, acima de tudo, humano, que entendia que atrás de cada pasta de processo há uma família que dele depende. Professor não apenas de direito, mas de vida, fará muita falta a todos que tiveram o privilégio de dispor de sua amizade".

Juliana Fincatti Santoro, sócia de Luciano, também acrescentou suas homenagens. "Meu querido Professor Malheiros, vá em paz. Advogado brilhante, militante incansável dos direitos humanos, professor generoso, magistrado ímpar e solidário. Um coração infinito. Exemplo de amor e de altruísmo, me acolheu como sua afilhada duas vezes, me guiou e me acompanhou em passos essenciais da minha caminhada. A saudade será enorme, mas maior ainda é o legado dos seus exemplos e lições."

"Um desembargador que sempre atendeu com muita cordialidade advogados e defensores. Era incansável na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Com certeza, seus ensinamentos ficarão para as futuras gerações de advogados", lamentou o advogado João Vinícius Manssur.

A ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina se pronunciou pelo Twitter: "Com tristeza, recebi a notícia da partida do meu grande amigo e companheiro de luta, Antonio Carlos Malheiros. Foi um incansável defensor dos direitos humanos e parceiro nas lutas sociais, nos inspirando sempre. Que Deus dê aos familiares o consolo nesse momento de perda e dor."

"O Desembargador Antonio Carlos Malheiros. Um homem vocacionado à Justiça, na sua dimensão mais ampla. Um ser comprometido de corpo e de alma com as questões sociais. O trabalho dele com moradores de rua e dependentes era emocionante. Ingressou no TJ pelo 5º Constitucional e jamais deixou de ser ligado à OAB, onde proferia palestras constantemente. Fomos colegas no Conselho Universitário da PUC", foi a homenagem de Marcos da Costa, ex-presidente da OAB-SP.

Pelo Facebook, o advogado e professor Rafael Valim também lamentou o falecimento. "Perdi um grande companheiro. Uma das pessoas mais notáveis que conheci e que foi fundamental em minha vida. Antônio Carlos Malheiros deixa um imenso legado de solidariedade e o Brasil perde uma de suas reservas morais. Logo nos reencontraremos, Malheirão. Descanse em paz."

TJ-SP
O advogado Marcelo Feller compartilhou com a ConJur uma carta que escreveu ao magistrado em 2016, contando como o conheceu. Feller narra que advogou pelo interesse de 48 centros acadêmicos de diversas faculdades de São Paulo, pedindo, em habeas corpus coletivo, a proibição da prisão para averiguação de manifestantes em 2013. "Ficamos vencidos. Eu, você, e as 48 faculdades. A ordem foi denegada, por unanimidade menos um. Você ficou unanimemente vencido, mas foi um vencedor. Ali, naquele ambiente hostil ao pedido defensivo, foi inteiro."

"Em um tribunal em que não raro advogados são desrespeitados, e partes muitas vezes sofrem da insensibilidade de atores forenses, você transborda paixão, amor e respeito. Não apenas com advogados, mas com todos aqueles que têm o privilégio de ter, ainda que apenas por alguns instantes, a sua companhia", disse Feller na ocasião.

"Muito triste a morte do Dr. Malheiros!", lamentou o criminalista Miguel Pereira Neto. "Ser Humano de primeira grandeza! Jurista e Desembargador de enorme conhecimento e consciência ao lecionar e fazer Justiça. Amigo, bom de papo com qualquer pessoa, sem distinção. Também era Conselheiro do IASP. Conheci-o igualmente por seu trabalho social, pessoal e pelo TJ, desde muito tempo, na época eu presidia o Conselho de Administração da ONG Cidade Escola Aprendiz. Encontramo-nos em alguns eventos, mas o que mais me marcou e nos fez conhecer melhor foi na inauguração de ala no hospital para crianças com câncer e na ala de infectologia do Emilio Ribas, acho que em 2002. E lá estava ele. Como o 'Totó' era a manifestação mais pura da Alma, da cura, do alento, da alegria. Humilde e Nobre, criador de causas, condições e ações, que permanecem como significativa obra e reverberam como enorme exemplo. Descanse em Paz, Mestre da Alegria, do Saber, do Ensinar, do Curar e da mais justa e garantista aplicação da Justiça."

A Academia Paulista de Direito também homenageou o desembargador em seu site, clique aqui para ler. Por sua vez, a Apamagis também reuniu homenagens e despedidas de seus associados (clique aqui), além de reproduzir um texto do desembargador Sidney Romano (aqui).

O jornalista Lucas Tavares destacou que "o desembargador Malheiros, acredito que por ter vindo de fora da magistratura, tinha uma postura em que defendia uma atuação dos juízes sob o prisma da empatia. Lembro de uma frase, numa conferência que tratava sobre o excesso de internações de jovens infratores (muitas vezes por atos infracionais leves), que o resume bem. Ele disse que os juízes deveriam entender e levar em conta o gosto da "lágrima salgada" destes jovens e seus familiares antes de tomar suas decisões".

Renato de Mello Almada, especialista em Direito de Família, sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, também se manifestou. "Triste notícia no dia de hoje. Morreu o eminente desembargador Antonio Carlos Malheiros. Egresso da classe da advocacia, tornou-se um dos mais respeitados magistrados da corte bandeirante. Além de seu saber jurídico, fidalguia no trato diário com todos a seu redor, sempre se destacou por seu comprometimento humanitário. Meus sentimentos aos familiares e toda comunidade jurídica."

Francisco Antonio Fragata Júnior, presidente do Conselho de Administração do Fragata e Antunes Advogados, disse: "Dia triste. Não bastasse a crise sanitária que assola o país, o Brasil perde uma pessoa com um senso humanitário a poucos comparado. Perde a comunidade jurídica; perde a sociedade. Descanse em paz, meu primo e amigo."

Para José Roberto Cortez, sócio fundador do Cortez Advogados, "a memória do desembargador Malheiros permanecerá, para todo o sempre, indelével no TJ-SP. Honrou a toga e a magistratura. Fará falta".

A PUC de São Paulo se manifestou por meio da reitoria. "Profundamente consternados, comunicamos o falecimento do Professor Antonio Carlos Malheiros, Pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias, ocorrido nesta madrugada de 17/03/2021. O momento é de enorme tristeza e tão logo tenhamos outras informações comunicaremos. Em nome da PUC-SP, manifestamos nossos sentimentos e solidariedade aos seus familiares e aos seus tantos amigos. É muito sofrido para nós esse momento, mas ter convivido, trabalhado e desfrutado do privilégio da amizade da grande figura humana, profissional e docente que foi e segue sendo o Professor Antonio Carlos Malheiros é o que nos consola."

"O Poder Judiciário Brasileiro perde um grande jurista, humanista, que abrilhantou a Corte de Justiça de nosso Estado, deixando um exemplo para todos", afirmou Daniel Bialski, advogado criminalista do Bialski Advogados

"Lamentamos profundamente a morte do Desembargador Antonio Carlos Malheiros, advogado e magistrado admirável e justo. Perdemos um homem incrível, um amigo solidário. Aos familiares e amigos as nossas sinceras condolências", foi a nota do Rubens Naves Santos Jr. Advogados.

A OAB de São Paulo também divulgou uma nota de pesar. ""A vida dedicada ao bom Direito e à Justiça, por uma sociedade solidária, se refletia tanto nas suas decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo, como na sala de aula da PUC e da Faculdade Rio Branco. Originário da advocacia, o Desembargador Malheiros era conhecido como um inspirador por suas atividades voluntárias, mesmo com o intenso trabalho dedicado ao tribunal e à academia, ele encontrava tempo para fazer algo mais pelas pessoas no voluntarismo, o que inclusive lhe rendeu a comenda Medalha Anchieta e Diploma de Gratidão da Cidade São Paulo. Nesse tempo de tantas perdas de vidas e sonhos, a partida do Desembargador Malheiros cala fundo em todas e todos que o conheceram e que foram influenciados por ele. Vá em Paz, Mestre."

Por fim, a Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo), informou que Malheiros foi conselheiro e diretor cultural da entidade até 1994, quando precisou renunciar ao mandato em razão da nomeação para o cargo de Juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil. "Exerceu com maestria, dentre tantas outras atividades, a advocacia, a judicatura e o magistério, sempre cordial e atento às ponderações de seus colegas e interlocutores.
Ficarão vivos, na memória de todos, seus profícuos trabalhos sociais e na área de direitos humanos." 

TJ-SP
Um juiz humano
Malheiros era reconhecido por seus diversos trabalhos voluntários, especialmente como um dos contadores de histórias da Associação Viva e Deixe Viver, que ele ajudou a fundar em 1997 e da qual foi diretor.

Em 2016, recebeu a Medalha Anchieta e Diploma de Gratidão da Cidade São Paulo, a mais alta honraria oferecida pela Câmara Municipal às pessoas que prestaram serviços à comunidade paulistana.

"Malheiros é professor da solidariedade, um campeão das olimpíadas da fraternidade. Não é um simples desembargador, é um homem com dom de julgar, ajudar e é referência a todos nós. Você é um exemplo a seguir. Que Deus lhe dê em dobro, em triplo, o que faz à Magistratura e a todas as pessoas", disse o então presidente do TJ, Paulo Dimas, na ocasião.

Em discurso emocionado, Antonio Carlos Malheiros dividiu a homenagem recebida com cada uma das pessoas que contribuíram para sua experiência de vida. "Divido meu prêmio com todos eles, com destaque para aquele menino de 15 anos, da Praça da República, que hoje é professor na Getúlio Vargas. E, se desse honroso prêmio, alguma parte sobrou, guardo no meu coração."

Em entrevista ao "Guia Daqui – Perdizes e Pompeia", ele contou essa história em detalhes, sobre um rapaz viciado em drogas a quem ajudou. "Consegui que ele se internasse em uma clínica de desintoxicação várias vezes. Até o contratei para trabalhar no escritório de advocacia, apesar da resistência de meus colegas. O rapaz se comportou bem e não me deu trabalho, mas teve recaídas e cheguei a pensar em abandoná-lo. Mas como era ‘meu filho’, não desisti dele. Hoje, o rapaz é professor da FGV e criou uma ONG para ajudar jovens."

Uma reportagem do Estadão em 2010 destacou seu trabalho voluntário. Ao repórter, Malheiros contou que, quando começou a ler histórias para as crianças nos hospitais, foi advertido pelas enfermeiras. Disseram que ele lia Peter Pan "como se pronunciasse votos num julgamento". "Terminei a primeira história, olhei para a criança e vi cara de choro. Pensei: "não vai dar certo"", afirmou.

"Mas as crianças se estouraram de rir quando, sem querer, chutei a mesa e derrubei uma montanha de bacias de metal. Foi assim, desajeitado, que percebi que era preciso naturalidade. Com as crianças, aprendemos a simplificar."

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