Suprema Corte dos EUA

Presidente chama colegas da Suprema Corte de "colunistas de aconselhamento"

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10 de março de 2021, 9h47

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu nesta terça-feira (8/3) que um estudante pode continuar processando sua faculdade, mesmo depois que a ação foi declarada prejudicada (moot) e extinta nas cortes inferiores, porque o motivo da disputa foi resolvido, para cobrar uma indenização simbólica de US$ 1. O objetivo do autor da ação é obrigar a justiça a julgar o mérito da questão e criar um precedente que terá de ser respeitado por todas as faculdades e universidades do país.

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O presidente da Suprema Corte dos EUA

A decisão foi tomada por 8 a 1. O único voto dissidente foi o que chamou a atenção da imprensa e da comunidade jurídica. Nesse voto, o presidente da Suprema Corte, John Roberts, chamou os demais ministros da corte de "colunistas de aconselhamento". E os acusou de expandir radicalmente a jurisdição da corte.

A ação, com um nome que não poderia ser mais americano (Uzuegbunam v. Preczewski), segundo o National Review, envolve uma disputa sobre "liberdade de expressão religiosa". O estudante Chike Uzuegbunam foi impedido de fazer pregações cristãs-evangélicas e distribuir folhetos religiosos no campus da Georgia Gwinnett College.

Depois que o estudante moveu a ação, alegando violação da Primeira Emenda da Constituição, a faculdade mudou a política que restringiu a liberdade de expressão do estudante, liberou a pregação religiosa no campus e pagou os honorários dos advogados do estudante. Com isso, encerrou a disputa, na prática, o que levou os tribunais de primeiro e segundo grau a declarar a ação prejudicada e a extingui-la.

Quando a organização Alliance Defending Freedom, que representa o estudante, levou a disputa à Suprema Corte, com o argumento de que a questão da indenização não estava resolvida, a faculdade alegou que a indenização simbólica (nominal damages) só se aplica para reparar danos em andamento ou ameaça de danos, mas não a danos passados.

A Suprema Corte discordou. No voto da maioria, o ministro Clarence Thomas escreveu que a indenização simbólica estava disponível na common law em circunstâncias similares. Em consequência "nós concluímos que o pedido de indenização simbólica satisfaz o critério de tutela jurisdicional (redressability) de legitimidade, em que a queixa do demandante se baseia na violação completa de um direito legal".

"A indenização simbólica não é um prêmio de consolação. Apesar de serem pequenas, as indenizações simbólicas são certamente concretas. Uma pessoa que ganha uma indenização simbólica recebe uma tutela jurisdicional sobre os méritos de sua alegação", escreveu o ministro.

Pareceres consultivos
O ministro Roberts argumentou que há "alguns problemas" com esses argumentos. O primeiro é o de que "as restrições questionadas não mais existem". Além disso, o estudante "não alegou danos reais". Nesse caso, "a ação fica prejudicada, porque não há mais qualquer questão jurídica pendente".

"Se indenizações simbólicas, não importa quão triviais, podem manter vivo um caso nas cortes, depois que todas as disputas significativas foram resolvidas — e quando, como neste caso, a concessão de indenização simbólica não muda o status ou a condição do estudante — tudo o que mudou é que a concessão representa uma declaração judicial de que o estudante estava certo, escreveu Roberts.

"Isso torna os tribunais em algo que os constituintes especialmente rejeitaram: um organismo que produz pareceres consultivos. Ao que parece, essa corte não vê problemas em tornar os juízes em colunistas de aconselhamento."

Para Roberts, a common law da Inglaterra é, de muitas maneiras, irreconciliável com o papel destinado ao Judiciário na Constituição dos EUA. A common law derivou da realeza e permitia pareceres consultivos. "Mas isso foi rejeitado na Constituição dos EUA que separou o Executivo do Judiciário e limitou a função das cortes a decidir casos e controvérsias reais."

"A decisão de hoje provoca uma grande expansão do papel judicial. Até agora, declaramos que os tribunais federais podem julgar a legalidade de políticas e ações apenas como incidente necessário para resolver disputas reais. De agora em diante, o Judiciário será obrigado a cumprir essa função sempre que o autor da ação pedir um dólar [de indenização]."

Em voto separado que se alinhou com a maioria, o ministro Brett Kavanaugh advertiu que "os réus podem evitar um contencioso prolongado e decisões judiciais simplesmente pagando a indenização simbólica pedida, de acordo com leis federais que obrigam os demandantes a entrar em acordo, quando os réus oferecem tudo que o demandante pediu em prestação jurisdicional".

John Roberts escreveu que essa é uma "advertência bem-vinda", que pode poupar os tribunais federais de emitir muitas "resmas" de pareceres consultivos. No entanto, é preciso lembrar que "mais de dois séculos de consenso servem como lembrete de que os tribunais federais não podem dar respostas simplesmente porque alguém pergunta".

Esclarecimento
O National Review esclarece a situação para os leitores leigos: "Os tribunais não existem para emitir pronunciamentos no abstrato sobre o que é constitucionalmente certo ou errado. Os tribunais federais são restritos a decidir casos ou controvérsias, nos quais uma pessoa, entidade ou grupo sofreu um dano em particular que pode ser remediado pelo Judiciário".

"A legitimidade para processar é comumente descrita como tendo três elementos: 1) dano (injury), rastreabilidade (traceability) e tutela judicial ou reparação judicial (redressability). Dano significa que o demandante sofreu um dano concreto e comprovado. Rastreamento significa que o dano sofrido pelo demandante provocado por ato(s) do réu. Tutela judicial significa que remédio pretendido pelo demandante (ex: dinheiro, decisão judicial impondo obrigação de fazer ou não fazer ou sentença declaratória) está dentro do poder da corte de assegurar."

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