Em um acidente com vários veículos, o causador direto do dano não tem o dever de indenizar quando acerta um veículo impelido por ato ilícito de um terceiro, a fim de evitar um evento lesivo ainda mais grave.

Dmitry Kalinovsky
Essa foi a conclusão alcançada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná de afastar a obrigação de indenizar no caso de um acidente envolvendo três carros, no qual um deles acertou outro após ilegalidade praticada por um terceiro veículo.
Aplicou-se ao caso a teoria do corpo neutro, que rompe o nexo de causalidade quando há um terceiro responsável pela causa jurídica do dano, eximindo o sujeito meramente causador físico do mesmo.
A decisão foi por maioria de votos. Venceu o voto divergente do ministro Raul Araújo, seguido por Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira. Ficou vencido o relator, ministro Luís Felipe Salomão. Não participou do julgamento o ministro Marco Buzzi, em licença médica.
O acidente aconteceu em 2011, na BR-116, em Santa Catarina. O condutor de um Polo se deparou com um Peugeot que estava na contramão para tentar ultrapassagem e, para evitar colisão frontal, fez manobra brusca para desviar. Os carros bateram lateralmente, o que fez o Polo rodar pela estrada e atingir um Vectra.
O dono do Vectra processou o condutor do Polo pelos danos. Para o voto divergente vencedor do ministro Raul Araújo, as instâncias ordinárias resolveram o caso em harmonia com a correta aplicação da teoria do corpo neutro. Portanto, não há o dever de indenizar do condutor do Polo, pois o dano ao Vectra foi causado por conta da ação do Peugeot.

Lucas Pricken
Tentou tirar o carro de lado
Para a divergência vencedora, embora o condutor do Polo tenha feito manobra brusca para evitar a colisão frontal inicial, não foi essa atitude que gerou o acidente, mas sim o choque lateral com o veículo que trafegava na contramão.
O contorno fático do acórdão recorrido informa que o Polo rodou sem controle pela estrada — portanto, como um corpo neutro — até acertar o Vectra. Ficou vencido o relator, ministro Luís Felipe Salomão. “Quando ele desvia para evitar acidente, eu penso que ele é o causador direto do dano”, defendeu.
Para ele, o Polo agiu de maneira deliberada ao desviar do carro na contramão, e foi isso que levou ao choque lateral com o Peugeot, posteriormente, ao acidente com o Vectra. “A manobra evasiva é incompatível com alegação da ausência de vontade. Caberia a prova de que ele não atuou como mero instrumento do ato ilícito de terceiro”, disse.
O voto vencido reconheceu que o acidente foi causado, em suma, pelo fato de um veículo estar irregularmente trafegando na contramão. Logo, o condutor do Polo teria dever de indenizar o dono do Vectra, ressalvado o direito de regresso – quando poderia cobrar do condutor do Peugeut os prejuízos com a condenação, em outra ação.
REsp 1.796.300
Comentários de leitores
4 comentários
Teoria confusa para o caso concreto.
Luiz.Fernando (Advogado Autônomo - Consumidor)
Essa teoria seria muito bem aplicada no caso de um veículo, abalroar outro, faz este se deslocar (por sua neutralidade pela força física da pancada) e atingir o da frente...
Como o condutor que serviu de propulsão para atingir outro, mas por força gerada pelo causador, aquele estaria isento de qualquer responsabilidade civil, vez que não causou o dano.
Mas, esta de alguém, no controle da situação, atingir bens de terceiro, não havendo aqui qualquer nexo de causalidade, é uma teoria confusa.
Até outro dia se indenizava, para então entrar com a regressiva.
O Direito brasileiro é digno de estudo. Vide caso recente do TJSP, onde, preso com 40kg de droga em flagrante, foi condenado por tráfico privilegiado.
Ninguém tem acesso a tanta quantidade de droga sem um mínimo de estrutura. Enfim, quero ver essas teses acima tornarem-se remansosas...
No controle? Ora, ele não estava no controle
João Afonso Corrêa (Advogado Autônomo)
Após bater no carro que vinha na contra-mão ele perdeu o controle. Ademais, a teoria do corpo neutro é um desdobramento, uma especificidade, do fato de terceiro.
Quanto aos 40 kg, bastaria ler que o TJ-SP reconheceu o réu primário como "mula do tráfico" para fins de redução da pena.
Precedente dificil
Marcelo-Advogado (Advogado Autônomo - Consumidor)
Fico com o voto vencido do ministro Salomão. Precedente perigoso, vez que poderá ser aplicado, por exemplo, caso uma pessoa embriagada desvie de cachorro que escapou de uma casa e atravessou a rua, vindo a colidir com muro, portão, outro carro, etc! O rompimento do nexo causal, puro se simples em razão da aplicabilidade da teoria, pode desencadear graves riscos à vítima do dano. E, para se chegar a essa conclusão, o STJ estaria afrontando suas súmulas, pois não pode rever a questão de fato de um processo dissociada do próprio direito invocado.
Mas embriaguez ao volante não é crime de perigo abstrato?
Weslei Estudante (Estagiário - Criminal)
Dr., desculpe-me, mas o exemplo de embriaguez ao volante seria crime (art. 306 do CTB), e de perigo abstrato, acredito que repercutiria no âmbito cível (art. 63 e ss. do CPP c/c art. 935 do CC).
Portanto, acredito que a teoria do corpo neutro não se aplicaria no caso de embriaguez.
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