Sangria desatada

Chineses protestam contra lei que cria prazo de 30 dias para divórcio

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2 de março de 2021, 8h47

Nos últimos três meses de 2020, foram registrados mais de um milhão de divórcios na China, segundo dados do Ministério da Assuntos Civis do país, só agora divulgados pelo jornal The New York Times. A razão para essa corrida ao cartório foi uma nova lei instituída pelo governo chinês com o objetivo de conter o enorme número de dissoluções de casamentos, principalmente dos divórcios por impulso.

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A China teve mais de um milhão de divórcios nos últimos três meses de 2020

A lei estabeleceu uma espécie de carência para divórcios. Depois do primeiro pedido, o casal deve esperar 30 dias para confirmar que quer se divorciar — e, então, marcar data e horário para comparecer ao "birô de assuntos civis", um cartório da China encarregado de casamentos e divórcios. Isso pode demorar de um a 30 dias.

"Alguns casais brigam de manhã e se divorciam à tarde", disse ao jornal chinês Legal Daily o especialista da área Long Jun, que ajudou a escrever a nova regra no Código Civil da China. "Para reduzir esse fenômeno, o código civil foi modificado. Era preciso resolver o problema de uma maneira sistemática".

De fato, o registro de divórcio consensual na China, tal como o do casamento, é um processo extrajudicial simples. Toma mais ou menos meia hora, segundo o Shenzhen Government Online.

Mas os chineses não querem esperar mais de 30 dias para dissolver um casamento que "já está rompido", disse ao jornal a engenheira Emma Shi, que conseguiu se divorciar nos últimos minutos de 2020. "Esse período de espera de 30 dias deveria ser aplicado antes do casamento, não no divórcio".

O propósito do governo chinês foi o de criar um período de esfriamento de cabeças (cooling off period) para deixar a raiva passar, refletir, examinar as consequências, discutir questões financeiras e a guarda dos filhos. Supostamente, isso pode resultar em reconciliação.

Mas a hashtag #OpposeCoolingOffPeriod# gerou mais de 81 mil comentários no Weibo, a plataforma de mídia social mais popular da China, contra a regra dos 30 dias de resfriamento. As pessoas acham que o governo está interferindo demais na vida pessoal dos cidadãos.

A preocupação do governo chinês, na verdade, é reverter uma "crise demográfica" que está prejudicando o crescimento econômico do país. E com o que o governo considera uma fonte de instabilidade social.

Mas o período de esfriamento de cabeças pode gerar um problema quando apenas uma pessoa muda de ideia. Nesse ponto, o divórcio não será mais consensual. E a pessoa que insiste no divórcio terá de recorrer à vida judicial, com todas as suas implicações e dificuldades.

Uma das dificuldades diz respeito à mulher do lar, que não trabalha e não tem renda para pagar um advogado. Outra diz respeito à mulher que sofre violência doméstica. Mesmo nesse caso, a mulher prefere se divorciar a mover ação contra o marido agressivo. Então, ela terá mesmo de enfrentar mais 30 dias de sofrimento.

Em comparação com os dados do governo da China, que dão conta de mais de um milhão de divórcios nos últimos três meses de 2020, no Brasil ocorreram 43.859 divórcios extrajudiciais no segundo semestre de 2020, segundo levantamento do Colégio Notarial do Brasil (CNB), entidade que reúne os cartórios de notas do país. Segundo o IBGE, são cancelados 140 mil casamentos por ano no país.

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