Opinião

A "tese do século" ainda não terminou

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1 de junho de 2021, 15h08

A aguardadíssima conclusão pelo STF do julgamento que definitivamente reconheceu o direito à exclusão do ICMS — destacado nas notas fiscais de venda  das bases de cálculo das contribuições incidentes sobre a receita bruta, apesar de ser uma excelente notícia aos contribuintes, principalmente para aqueles não alcançados pela modulação temporal dos efeitos a partir de 15/3/2017, de forma alguma encerra este contencioso, já que certamente a União passará a se utilizar de todos os expedientes à sua disposição para minimizar o prejuízo orçamentário que lhe foi  imposto.

Certamente o primeiro óbice será intentado pela Receita Federal nas auditorias dos créditos aproveitados pelos contribuintes por meio de declarações de compensação, principalmente para períodos de apuração anteriores ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), em que ainda há a necessidade de produção de provas físicas (notas e livros) da materialidade do crédito. Além das não homologações, tem-se ainda o risco da multa isolada de 50%, cuja constitucionalidade ainda aguarda desfecho de análise por meio de repercussão geral (Tema 736).

Um segundo contencioso deve se materializar quanto ao momento de tributação pelo IRPJ/CSLL do indébito recuperado nas ações judiciais. Diferentemente do entendimento externado há anos pela RFB de tributação no momento do trânsito em julgado, os contribuintes elegeram marcos distintos para tal reconhecimento, principalmente para a parcela do crédito que ultrapassava a metodologia de cálculo determinada pela Solução de Consulta 13/2018, em face da incerteza que ainda pairava sobre este valor.

Sobre este tema há inclusive discussões em curso no judiciário que buscam obter marcos temporais específicos para tal reconhecimento — homologação do pedido de habilitação, efetivação de cada compensação, e até mesmo a tributação do crédito apenas quando da homologação expressa ou tácita das compensações realizadas.

Outro ponto controverso decorrente da "tese do século" refere-se à possibilidade ou não de aplicação do quanto decidido pelo STF aos valores de ICMS-ST incorridos nas aquisições pelos contribuintes substituídos, bem como do ICMS Difal destacado nos termos do Convênio ICMS 93/2015, recentemente julgado inconstitucional com efeitos prospectivos (ADI 5.469). 

Para estas rubricas de ICMS, há tanto empresas que ordinariamente as consideram como passíveis de exclusão da base de cálculo das contribuições, compondo o crédito a ser compensado ou desonerando suas apurações, como existem as que optaram por buscar o expresso reconhecimento de tal dedução perante o Poder Judiciário.

Existem ainda como debates conexos a orbitar a discussão principal dirimida no STF, como o aventado estorno dos créditos de PIS/Cofins incidentes sobre o ICMS destacados pelos fornecedores nas notas de compra, bem como lides ancilares, tal como a tributação dos juros Selic decorrentes do indébito judicial, já afetada para julgamento em repercussão geral (Tema 962).

Por conta da inércia do STF para o julgamento dos embargos de declaração do RE 574.706 e o enorme número de processos transitados em julgado desde a sessão de 15/3/2017, inúmeros contribuintes que resolveram aguardar a decisão final do tribunal constitucional para dar prosseguimento ao aproveitamento dos créditos em limite superior a metodologia até então aceita pela RFB agora se deparam com o risco de prescrição de parte do ativo constituído, haja vista a dificuldade de sua absorção no prazo de cinco anos contados do trânsito em julgado.

Visando evitar este dantesco cenário, que pode gerar um verdadeiro "ganhar mas não levar", as empresas tem proposto medidas judiciais, pleiteando desde o reconhecimento de que a prescrição quinquenal para aproveitamento do crédito se interrompe definitivamente com o envio da primeira declaração de compensação, até o direito a maximização de seu aproveitamento por meio de compensações com débitos de contribuições previdenciárias, considerando que a origem do crédito judicial se dá com o trânsito em julgado posterior ao advento do e-social, descaracterizando a limitação temporal trazida pela Lei 13.670/2018.

Como se pode constatar, a novela da "tese do século" pode até ter sido dirimida em seu principal aspecto, mas sem sombra de dúvidas ainda gera e gerará muitos desdobramentos e embates a serem travados entre contribuintes e a administração fazendária federal, no contencioso administrativo e judicial. Não obstante haja motivos para festejo, sem sombra de dúvida ainda há um caminho longo e árduo a ser percorrido até que todos os contornos relacionados a esta discussão sejam devidamente ajustados e delimitados.

Em suma, a vitória obtida foi histórica e incontestável, mas as empresas ainda não podem se dar ao luxo de baixar a guarda, devendo ficar atentas aos pontos aqui apresentados, na medida que lhes sejam aplicáveis.

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