Opinião

O controle de jornada de trabalho dos propagandistas farmacêuticos

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24 de julho de 2021, 15h16

Um tema bastante atual é a possibilidade — ou não — do controle de jornada laboral dos propagandistas farmacêuticos, em razão da utilização de ferramentas de trabalho disponibilizadas pelo empregador, tais como notebooktablet, celulares e automóveis, os quais, em tese, permitiriam a localização do empregado em tempo real.

Embora a questão seja controversa perante os Tribunais Regionais do Trabalho do país, o fato é que o propagandista farmacêutico realiza as suas tarefas de forma externa [1], já que a sua função está totalmente relacionada às visitas aos profissionais da saúde para divulgação — e propaganda — dos produtos médicos, o que significa dizer que esses empregados sequer têm a obrigatoriedade de comparecer ao escritório da empregadora antes ou após do início das visitas.

Em uma análise mais profunda, a questão que se assevera sobre o tema é a seguinte: é possível a condenação do empregador ao pagamento de horas extras e reflexos para os propagandistas farmacêuticos, mesmo que a empresa não controle a jornada de trabalho pelas ferramentas de trabalho disponibilizados aos empregados?

A divergência está no fato de que alguns Tribunais Regionais do Trabalho têm entendido que a mera possibilidade de controle de jornada de trabalho, seja por meio da localização do celular, seja por meio de localizador instalado em automóveis, já seria o suficiente para permitir a condenação da empregadora ao pagamento da jornada extraordinária de trabalho.

Por outro lado, outros tribunais entendem que o pagamento de horas extras e reflexos não é compatível com a jornada de trabalho nitidamente externa exercida pelo propagandista farmacêutico.

Ora, do ponto de vista jurídico, parece incoerente o reconhecimento de jornada extraordinária de trabalho apenas pelo fato da possibilidade de controle de jornada pelos meios de ferramentas de trabalho disponibilizadas pelo empregador.

Isso porque seria impossível, por exemplo, a retirada do localizador de um celular, dado que se trata de tecnologia embutida no aparelho. Da mesma forma, seria ilógico reconhecer a jornada extraordinária de trabalho apenas pela possibilidade de localização pelo notebook e tablet, pois, ainda que o empregador quisesse, seria impossível a aquisição de aparelhos sem tais recursos. Trata-se, portanto, do avanço da tecnologia propriamente dita, e não da vontade do empregador em controlar a jornada de trabalho dos empregados.

Assim, se o empregador não controla a jornada de trabalho por meio das ferramentas disponibilizadas, tem-se que, em atenção ao princípio da primazia da realidade, seria impossível a sua condenação ao pagamento de horas extras e reflexos, primeiro, porque tais ferramentas não servem para tal finalidade; segundo, porque o próprio empregado tem autonomia para redefinir as senhas e desativar a localização compartilhada, sem que haja qualquer interferência do empregador.

Para além disso, os propagandistas farmacêuticos têm plena liberdade para determinar o seu itinerário, horário de visitação, bem como escolher qual médico (ou cliente) pretendem visitar em determinado dia, o que, atualmente, costuma ser feita através de aparelhos tecnológicos para ajudar o próprio propagandista a alocar da melhor forma o seu tempo, com o único objetivo de maior eficiência nas atividades desenvolvidas.

Nesse contexto, a reforma trabalhista inovou ao trazer o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado [2], de forma a reforçar o papel da negociação coletiva ou individual como instrumento de diálogo e, ainda, visando a trazer uma maior segurança jurídica para as partes.

Mesmo assim, embora algumas convenções coletivas de trabalho já prevejam o trabalho externo do propagandista farmacêutico, o tema continua sendo bastante discutido em ações judiciais, sendo que caberá ao empregador [3] não só a demonstração de que as atividades desempenhadas pelo empregado propagandista são incompatíveis com o controle de jornada de trabalho, por serem externas, mas também que não controla, de qualquer forma ou por qualquer meio, os horários de trabalho do empregado.

Nesses casos, a prova testemunhal é meio fundamental para demonstrar a dinâmica do trabalho desenvolvido pelo propagandista farmacêutico, especialmente quanto às diretrizes repassadas pelo empregador e sobre qual era a dinâmica do quotidiano do empregado.

Para que a prova judicial seja fortalecida nesse sentido, recomenda-se que as empresas farmacêuticas elaborem diretrizes e políticas internas para que não haja a obrigatoriedade do envio, pelo empregado, do itinerário ou roteiro preestabelecido para a visitação, além da recomendação para que os feedbacks das visitações sejam feitos ao final do dia e não de forma concomitante e que não haja a utilização de GPS nos automóveis disponibilizados como ferramenta de trabalho.

Por fim, aconselha-se a adoção de um trabalho educativo e treinamentos, com o objetivo de conscientizar os empregados que a jornada externa é compatível com os aparelhos utilizados pelos propagandistas farmacêuticos, já que tais aparelhos nada mais são do que ferramentas de trabalho, não sendo, portanto, meio hábil para qualquer fiscalização de horário de trabalho.

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