Opinião

Considerações sobre o Direito Penal Empresarial

Autor

  • Alneir Fernando S. Maia

    é advogado sócio do Escritório Andrada Sociedade de Advogados mestre em Direito pela UFMG professor da Universidade Fumec professor de Direito Penal da ESA-OAB/MG e membro efetivo da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/MG.

23 de julho de 2021, 6h36

Tem-se dito que atualmente o Direito Penal está se desmembrando em vários "sub-ramos", diante da constante necessidade de se adequar às demandas que surgem das mais variadas formas (e complexidade) das relações jurídicas.

Com as relações jurídicas empresariais não é diferente em relação ao surgimento de mudanças e necessidades. A intensificação dos enlaces empresarias (e, consequentemente, também em razão de alguns problemas decorrentes do alargamento dessas relações) tem imposto ao Direito Penal o encargo de tentar minimizar vícios e solucionar problemas nessa seara (até mesmo de maneira preventiva, já que o Direito Penal Empresarial, com viés bastante econômico, deve ser visto e entendido com essa função).

Mas, afinal, o que é propriamente o Direito Penal Empresarial?

De maneira sucinta, o Direito Penal Empresarial é aquele que visa a coibir infrações cometidas no ambiente corporativo (ou condutas que são praticadas no ambiente corporativo). Portanto, não se trata de um "ramo" ou "sub-ramo" do Direito Penal, mas, sim, de um espaço de criminalidade diferenciado, no qual as formas de solução de questões penais tradicionais não resolvem de forma adequada os problemas.

Em última e simples análise, no âmbito do que se convencionou chamar de Direito Penal Empresarial, inserem-se os crimes praticados no exercício da atividade empresarial. Sua previsão vai desde o Código Penal, como estelionato, contrabando, descaminho, até inúmeras leis especiais que tipificam os crimes de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, contra as relações de consumo, contra o sistema financeiro nacional, falimentares, entre outros.

Dessa forma, o Direito Penal tem se ajustado, sob o ponto de vista de delitos empresariais, para tentar dar resposta aos traumas empresariais surgidos, isso sob o ponto de vista tanto do Direito material quanto do Direito processual.

Entretanto, deve ser sopesado o fato de que nem toda atividade empresarial a que se atribui uma conduta criminosa deve ser vista como delito, pois a questão pode (e em muitos casos deve) ser resolvida no âmbito administrativo, haja vista o fato de que o Direito Penal deve ser a ultima ratio quando da apuração e punição de condutas.

Para melhor entendimento do assunto proposto, os crimes mais comuns na seara criminal empresarial são os delitos tributários (com a ressalva de que em muitos casos dessa natureza a criminalização de certas condutas se dá muito mais com intuito de arrecadação tributária propriamente, pois muitas vezes as vias extra penais de exação não funcionam); crimes ambientais (até porque nessa modalidade criminosa temos a possibilidade de punição da pessoa jurídica sob o aspecto penal); crimes contra a organização do trabalho; crimes contra o sistema financeiro nacional; crimes de corrupção; delitos contra a Administração Pública (por exemplo nos casos de licitação); crimes falimentares; crimes contra a propriedade industrial e intelectual etc.

Deve ser ponderado que em muitos casos, na aba dos delitos acima pontuados, ocorrem investigações por lavagem de capitais, organização criminosa, fraudes em geral, entre outros crimes.

Um ponto que deve ser destacado em relação aos delitos empresariais é o fato de que a sua divulgação atrai sobremaneira a atenção e a cobrança da mídia, o que tem direcionado os holofotes da população e das autoridades para os crimes cometidos no âmbito empresarial.

Inobstante tal constatação, para a verificação das condutas sugeridas como criminosas pela mídia deve ser feito um trabalho persecutório racional, técnico, isento e sem que a persecução penal ocorra apenas para justificar a cobrança por parte de veículos de mídia ou sirva como palanque para autoridades que pretendam apenas evidência no cenário público.

Deve, também, ser contida a ânsia condenatória/punitiva que surge em alguns casos socialmente expostos. O Direito Penal não pode servir como instrumento de vingança social contra a pessoa apenas pelo fato de ela ser empresário. A punição deve ocorrer na exata medida da conduta e da culpabilidade do agente, respeitados todos os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos.

Dessa forma, o direito de informação, de liberdade de imprensa, deve ser conjugado com os mais basilares preceitos constitucionais, até mesmo para se evitar condenações públicas (sociais) e não judiciais (como deve ser). Não se pode condenar inocentes sem que haja realmente provas concretas acerca da conduta criminosa imputada.

Nessa esteira, para tentar minimizar a incidência do âmbito penal sobre certas condutas empresariais exercidas se pode adotar políticas de integridade, pois elas são executadas em âmbito empresarial justamente para tentar conter/prevenir e investigar internamente práticas contrárias ao sistema jurídico/legal/regimental.

Ocorre que deve ser observado que as políticas de compliance não podem (e nem devem) ser usadas pelas empresas apenas para direcionar responsabilidade para aquele responsável (diretor de compliance) pelo controle das políticas de integridade, que poderia ser usado como um escudo para tentar isentar de responsabilidade outros atores da gestão empresarial.

Se bem feitos e adequados, os programas de compliance podem ser utilizados, inclusive, em um futuro próximo, como meio de defesa do empresário.

No âmbito do Direito Penal Empresarial os mecanismos negociais de resolução de questões penais também podem ser usados, como, por exemplo, os acordos de leniência, os acordos de não persecução penal, a delação/colaboração premiada etc., mas com as cautelas e estudos que tais institutos pressupõem.

O Direito Penal e a defesa criminal não devem ser apenas combativos. Muitas vezes economicamente vale mais a pena resolver a questão sob o ponto de vista negocial do que efetivamente se levar uma demanda judicial criminal até o seu desfecho.

Merece atenção uma observação. Os órgãos de persecução penal devem estar abertos para a solução negocial de conflitos penais, pois muitas vezes as autoridades imbuídas dessas atribuições não estão afetas a acordos, mas, sim, imposições, fato que inviabiliza a negociação.

Portanto, sob o ponto de vista da criminologia, a existência de uma corporação com más condutas afeta não só a sua própria saúde empresarial como também influencia os aprendizados de condutas delitivas pelos membros que compõem aquela atividade, empregados, terceirizados, outros empresários do ramo etc. Dessa forma, devemos pensar o Direito Penal Empresarial como uma forma preventiva de questões complexas penais, mas sem exageros e excessos.

Para fins de encerramento, deve ser ponderado que para que haja uma correta aplicação de normas penais empresariais a empresa deve ser vista sob a ótica de sua função social, e para se iniciar uma persecução penal em desfavor de uma empresa e um empresário isso deve ser sopesado, sob pena de encerramento (ou abalo) de uma atividade econômica-empresarial que gera benefícios tanto para a sociedade como para o Fisco.

A tipicidade no âmbito empresarial é muita mais complexa e se exige muito cuidado na sua adequação. Portanto, a investigação desses crimes deve ser muito mais sofisticada do que a investigação de um crime dito comum (até porque a própria estrutura empresarial é mais complexa).

Em razão de tudo que foi exposto, o que se recomenda e se impõe é a cautela no estudo e na aplicação do chamado Direito Penal Empresarial.

Autores

  • é advogado sócio do Escritório Andrada Sociedade de Advogados, mestre em Direito pela UFMG, professor da Universidade Fumec, professor de Direito Penal da Escola Superior de Advocacia da OAB-MG e membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB-MG.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!