Imobiliária e proprietário de flat devem indenizar transexual por danos morais
2 de julho de 2021, 12h33
Por vislumbrar violação a direitos de personalidade, a 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma imobiliária e do proprietário de um flat ao pagamento de indenização por danos morais a uma mulher transexual que teve o contrato de locação cancelado logo após se instalar no imóvel.
A reparação foi mantida em R$ 10 mil. A autora firmou contrato de locação do flat com intermediação da imobiliária. Porém, um dia após ter se mudado, recebeu a notícia de que o proprietário não assinaria mais o contrato e que o dinheiro pago em depósito seria devolvido. Assim, foi obrigada a se retirar do flat.
Consta dos autos que o fato teria sido motivado por preconceito em relação à identidade de gênero da autora. A relatora do recurso, desembargadora Rosangela Telles, afirmou que a prova "torna clarividente os motivos preconceituosos" que levaram os réus a romper as negociações com a autora, configurando o dano moral.
"Em áudio disponibilizado, referido litisconsorte afirma expressamente que 'da última vez havia falado que não queria alugar para travesti', porque estaria 'dando problema no prédio'. Afirma, inclusive, que já havia pedido para a imobiliária que 'travestis' não tivessem acesso ao imóvel, razão pela qual estava muito 'chateado' com a situação", disse.
Além disso, a magistrada destacou que houve abalo a direitos de personalidade, pois a autora, vinda de outro estado, teve sua expectativa de residir na capital paulista frustrada em razão de preconceito. Segundo Telles, tal conduta não pode ser admitida em um Estado Democrático de Direito.
"É claramente perceptível que, ao impedir a concretização do contrato de locação, o proprietário acabou por reafirmar estigmas sociais de modo pérfido, cerceando um sujeito de direitos de sua livre esfera negocial e o privando de acesso a imóvel que seria destinado à sua moradia temporária", completou.
Direitos dos transexuais
Em seu voto, a desembargadora também afirmou que a sociedade não pode "fechar os olhos" para os direitos das pessoas transexuais, um "assunto de notória importância" em sua visão.
"A própria ciência da psicologia vem reconhecendo os dramas de identidade que envolvem a transexualidade, buscando tratá-la de forma cada vez mais inclusiva, afastando a carga negativa de patologia ou de transtorno outrora incidente sobre a peculiaridade comportamental. Vale dizer: há um verdadeiro processo de despatologização sobre o fenômeno", disse.
Danos materiais
A turma julgadora apenas negou o pedido de indenização por danos morais. A autora buscava que a imobiliária e o proprietário do flat pagassem pelo período em que ela permaneceu em um hotel após a rescisão do contrato de aluguel.
Para a magistrada, não é caso de impor tal condenação aos réus, "até mesmo porque, independentemente de onde se alocasse, teria que arcar com as despesas de sua hospedagem (fosse no flat do corréu, fosse em outro local)". A decisão foi unânime.
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1033092-79.2019.8.26.0100
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