Trabalho contemporâneo

Impugnação à liquidação por cálculos, recurso e revogação de artigo da CLT

Autor

26 de janeiro de 2021, 8h00

Até o advento da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) havia dois procedimentos diferentes para a liquidação trabalhista, cuja escolha ficava a critério do juiz: com ou sem manifestação das partes na fase de liquidação.

O procedimento majoritariamente utilizado na prática era o considerado mais célere e efetivo, justamente por não permitir qualquer tipo de controvérsia sobre cálculos antes de iniciada a execução, utilizando-se o antigo art. 879, §2º da CLT que apenas facultava a abertura de prazo às partes.

Funcionava basicamente assim: as partes eram intimadas para apresentação dos cálculos, o juiz determinava que o servidor da Vara na função de calculista analisasse os cálculos trazidos, seja para adotar o que entendia por correto, seja para o próprio servidor elaborar os cálculos de ofício e pronto, passava-se para a homologação e automaticamente determinava-se a citação para início da fase de execução, só podendo haver impugnação pelas partes após a garantia do juízo, o devedor pelos embargos à execução (embargos à penhora) e o credor pela impugnação aos cálculos de liquidação, nos termos do art. 884, §3º da CLT.

Os juízes que adotavam o procedimento alternativo, com abertura de prazo para manifestação das partes (10 dias sucessivos), criavam a possibilidade de estabelecimento de controvérsia sobre os cálculos antes de iniciar a execução, o que levaria a duas situações distintas: a primeira quando ninguém apresentava impugnação, acarretando a preclusão sobre o tema conforme estava expresso na norma; a segunda, quando a impugnação era apresentada, o que determinava a elaboração de uma decisão judicial resolvendo a controvérsia.

Proferida a decisão, considerada como sentença da fase de liquidação, a jurisprudência majoritária entendia ser cabível a apresentação de recurso, o agravo de petição, já que a fase de liquidação trabalhista, por escolha do legislador, ficou geograficamente alocada dentro da fase executiva, muito embora saibamos que a liquidação, a rigor, complementa a fase de conhecimento.  Esta escolha do legislador afeta apenas o procedimento recursal, já que as decisões proferidas dentro da execução lato sensu são impugnáveis pelo agravo de petição (art. 897, a da CLT), não modificando a natureza da liquidação.

Demonstra-se o entendimento até então pacificado pela Súmula 266 do TST, que é expressa em aceitar o agravo de petição em liquidação de sentença, assim como o recurso de revista, desde que haja demonstração inequívoca de violência direta à Constituição Federal para este último.

Por outro lado, a Súmula 399 também do TST, cuja redação é anterior ao advento do novo CPC, igualmente reconhecia a natureza de sentença para a decisão homologatória dos cálculos, ao admitir a ação rescisória em época que nosso ordenamento jurídico não a aceitava para decisões interlocutórias, mas apenas para sentenças, fixando como pressuposto apenas o fato do juiz haver resolvido controvérsia para proferir sua decisão.

Resta claro, portanto, que, segundo o entendimento pacificado pelo TST, antes da Reforma Trabalhista, o procedimento de liquidação adotado pelo juiz poderia alterar a natureza jurídica da decisão homologatória de cálculos: sentença quando houvesse controvérsia a ser dirimida pelo juiz (mesmo quando a impugnação era de apenas uma das partes); decisão interlocutória quando não se permitia qualquer solução de controvérsia antes de iniciada a execução.

Ainda, igualmente pacificado o cabimento de agravo de petição da sentença de liquidação, o que levaria à óbvia impossibilidade de rediscussão dos cálculos após iniciada a execução, em sede de embargos ou impugnação do credor, pois o acórdão a ser proferido pelo TRT estaria coberto pelo manto da coisa julgada, não podendo ser contrariado por posterior decisão de juiz de primeiro grau.

Logo, ao permitir o estabelecimento de controvérsia na fase de liquidação, o juiz impedia que houvesse nova possibilidade de impugnação aos cálculos após a iniciada a execução.  Em outras palavras: quem não impugnou perdeu a oportunidade; quem impugnou necessitaria recorrer via agravo de petição que levaria, ao final, à coisa julgada sobre os cálculos.

Muito bem, com a Reforma Trabalhista o legislador acabou com a possibilidade do juiz adotar dois procedimentos diferentes em liquidação, fixando um único caminho, o segundo, ou seja, o que estabelece a controvérsia sobre os cálculos na fase de liquidação, antes de iniciada a execução.

Basta ver a atual redação do art. 879, §2º da CLT, onde claramente se fixa a obrigatoriedade de abertura de prazo para impugnação dos cálculos pelas partes (prazo comum de 8 dias), sob pena de preclusão.

A consequência prática desta escolha do legislador é simples: precisamos adotar a jurisprudência já fixada pelo TST, inclusive por força dos arts. 926 a 928 do CPC, que tratam dos precedentes judiciais, cuja aplicação ao Processo do Trabalho é pacífica, nos termos da IN 39/2016 também do TST.

E o que isso significa na prática?  Que o art. 884, §3º da CLT somente é aplicável aos processos que tiveram sua liquidação de sentença antes da Reforma Trabalhista, quando o juiz realizou a liquidação sem abrir possibilidade de controvérsia; após a Reforma, como o estabelecimento da controvérsia é obrigatório, todas as decisões judiciais homologatórias de cálculos possuem natureza de sentença e, portanto, devem ser atacadas pelo agravo de petição, gerando assim o trânsito em julgado sobre a matéria de cálculos, não sendo possível reabrir qualquer discussão sobre cálculos em embargos à execução ou impugnação do credor, sob pena de lesão à coisa julgada, à exceção de fato superveniente, como por exemplo equívoco em futura atualização dos cálculos.

A rigor, portanto, para os processos cuja fase de liquidação se deu após 11 de novembro de 2017, data em que a Reforma Trabalhista entrou em vigor, deve-se considerar como tacitamente revogado o art. 884, §3º da CLT, que tratava da forma de impugnação aos cálculos, pois a lei posterior tratou do mesmo instituto de forma diferente, havendo clara incompatibilidade entre as normas.  Como bem sabemos, nos termos do art. 2º, §1º da LINDB, “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Admitir-se o contrário, como vem ocorrendo em nosso cotidiano, seria criar uma ou algumas situações inusitadas no Processo do Trabalho, pois estaríamos aceitando uma dupla impugnação perante o mesmo juízo para só então termos o acesso ao recurso ou, ao menos, teríamos criado uma manifestação “protesto” dentro da liquidação, vale dizer, impugna-se apenas para não haver preclusão ou, ainda, o juiz da fase de liquidação poderia ignorar a manifestação das partes e homologar os cálculos sem resolver a controvérsia, já que tudo teria que ser novamente discutido em sede de embargos ou impugnação do credor após a garantia do juízo.

Quaisquer das conclusões, por óbvio, apresentam total desconexão com a razoabilidade e o princípio da efetividade.  Primeiro, porque não se pode conceber duas oportunidades para que o juiz decida sobre a mesma matéria, podendo inclusive mudar seu entendimento.  Sim, da forma como hoje a questão vem sendo conduzida, nada impede que o juiz decida a impugnação dentro da liquidação de uma forma e, já nos embargos ou na impugnação do credor, decida de forma diferente, pois a questão não estaria coberta pela coisa julgada. 

Segundo, porque se a impugnação na liquidação virou um mero protesto antipreclusivo, o juiz poderia apenas ignorar as manifestações, homologar os cálculos e, só depois, nos embargos ou impugnação do credor, enfrentar a controvérsia, isto se ela for renovada pelo interessado.

De qualquer ângulo que se observe, temos que reconhecer que a Reforma Trabalhista quis simplificar a liquidação, garantir o contraditório sobre os cálculos antes de se exigir a garantia do juízo e separar claramente as fases do procedimento trabalhista: na fase de liquidação discutem-se os cálculos até o final, inclusive com o agravo de petição para o Tribunal Regional ou quiçá o recurso de revista para o TST.  Finalizada a liquidação, o título executivo judicial finalmente apresentará a liquidez para iniciar a fase de execução, a requerimento do interessado quando assistido por advogado.

Vamos aplicar a nova lei ou manteremos nosso "costume de entendimento"?

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!