Opinião

Vacinas conclamam imparcialidade e harmonia para enfrentamento da Covid-19

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18 de janeiro de 2021, 6h05

Nos últimos dias, escrevemos artigo acerca da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, a partir de análise panorâmica da Medida Provisória nº 1.026, editada no último dia 6. A publicação, que trata de temática iminente e deveras importante, foi — e continua sendo — amplamente divulgada na imprensa nacional e em plataformas especializadas.

No artigo, concluímos que a nova norma traz avanços essenciais para o combate da pandemia no Brasil e os explicitamos. Sugerimos, como desafiador paradigma social, a implementação de uma coalização nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum: a Covid-19.

A necessidade da referida coalização nacional, portanto, ficou ainda mais latente quando foram apresentados dados do estudo clínico realizado pelo Instituto Butantan, relacionados à vacina denominada Coronavac. Dados estes, inclusive, cujos índices estariam sendo tecnicamente descontextualizados e indevidamente utilizados em comparação a vacinas de outros titulares, numa espécie de ranking contraproducente — como se verá adiante em detalhes.

Ora, para que o Brasil e países de todo o mundo sejam bem-sucedidos na desafiadora missão de extirpar o novo coronavírus do protagonismo do nosso dia a dia, sem ainda maiores percalços, repercussões e reflexos multissetoriais, as vacinas — sejam elas quais forem — não podem ser politizadas, muito menos pinçadas a um cenário de polarização. Isso em nada irá ajudar.

Por isso, utilizamos já no artigo anterior o termo "coalizão". Para que fique ainda mais claro, no entanto, coalizão significa pacto, união, acordo, uma fusão de princípios e interesses, numa grande aliança interpartidária para o alcance de um fim comum, um objetivo maior. O significado é ainda mais amplo, pois abarca a união não apenas do poder público, como também das nações, de órgãos e entidades diversas, e da sociedade em geral, que tem papel significante. Definitivamente, um termo que sintetiza e simboliza com louvor o movimento que urge.

A Medida Provisória nº 1.026/21 pode ser interpretada como um aceno para essa grande coalizão. A norma trouxe como um dos seus elementos práticos mais eficazes a possibilidade de aquisição de vacinas contra a Covid-19, ainda que eventualmente pendentes de registro para uso emergencial. Evidentemente, ainda que simplificados, há uma série de regramentos nos procedimentos para tanto, mas trata-se de um avanço significativo na operacionalização do plano nacional de vacinação.

Tal desiderato viabilizou, por exemplo, que o governo federal imediatamente firmasse contrato com o Instituto Butantan para a aquisição de cem milhões de doses da Coronavac — quantidade que ainda poderá aumentar significativamente. Algo que parecia impossível no contexto político-institucional.

Poderia ser qualquer outra vacina ou fornecedor (e que venham mais), mas a Coronavac está ao alcance do Brasil em quantidades alvissareiras, maiores que a oferta disponível internacionalmente — ou passível de produção — até o momento. Não se pode fechar os olhos para o fato de que a demanda é global: todos os países estão na corrida pelo imunizante.

Atribuir uma suposta nacionalidade à vacina e, a partir da sua origem produtiva, polarizá-la ideologicamente, ou mesmo politizar sua importância, seria desvirtuar seu propósito. Não importa se a vacina é chinesa, inglesa, americana, russa, ou mesmo híbrida, em coprodução brasileira. A implementação no Brasil da vacinação com a Coronavac, em conjunto ou não com outras tantas vacinas, como a Pfizer, a Moderna, a Sputnik V, e a AstraZeneca, tem um único e comum objetivo: salvar a vida de milhões de brasileiros no menor prazo possível.

A vacinação no Brasil carece de imparcialidade e harmonia entre os poderes da República, os Estados-membros e a União, órgãos e entidades diversas, e a sociedade em geral.

Justamente por isso, e não por qualquer preferência ou interesse, é importante propiciar clara compreensão acerca de determinados dados técnicos da Coronavac — a vacina que está no "olho do furacão", neste momento crucial.

Sem aqui atribuir ou adotar quaisquer posições político-partidárias ou ideológicas — vieses que repudiamos nesse esforço opinativo e no caso concreto —, o índice de 50,4% atribuído à eficácia geral da vacina Coronavac não significa que ela teria condições quase que igualitárias de êxito ou fracasso. Muito pelo contrário.

A bem da verdade, os estudos clínicos da Coronavac apontam que, ao tomar a vacina, o cidadão brasileiro terá 50,4% de chances de não desenvolver a Covid-19 em nenhum grau, desde o mais leve possível (inclusive, os quase imperceptíveis) até o mais grave, a causar morte. A pessoa terá também, em paralelo ao índice já citado, 78% de chances de não precisar de atendimento médico algum, caso contaminado.

No entanto, há algo a ser ainda mais comemorado. Em paralelo aos outros dois índices citados, o cidadão vacinado, de acordo com os resultados clínicos, terá estonteante 100% de chances de não precisar ser hospitalizado ou ir para a UTI. Ou seja, eficácia plena para estancar o crescente número de mortos no Brasil.

Dito isso, faz-se necessário tecer importantes observações, sobretudo relacionadas à comparação entre as vacinas, no que tange aos seus estudos e resultados clínicos, e principalmente aos índices apresentados. Como visto, é tecnicamente incoerente compará-los, levando em consideração que a metodologia utilizada pelas empresas foi diferente. Cada uma, tem suas particularidades e especificidades.

Para melhor compreensão, no entanto, essencial conhecer a escala de progressão da Covid-19, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Para a OMS, o desenvolvimento da doença é dividido em seis níveis. O primeiro, refere-se aos assintomáticos, aqueles que foram ou estão contaminados, mas nada sentem ou sentiram. Alguns sequer desconfiam e nunca saberão que têm ou já tiveram, salvo por curiosidade ou prevenção.

O segundo nível contempla as pessoas que, contaminadas, teriam sintomas muito leves, e sequer precisariam de ajuda. O terceiro, àquelas com sintomas leves e poderiam recorrer a alguma assistência médica. Os níveis quatro e cinco, que são considerados em conjunto, congregam aqueles que teriam sintomas moderados, já passíveis de hospitalização e algum tipo de internação. Já o nível seis teria relação com os casos graves, passíveis de internação em UTI, podendo ou não culminar em óbito.

Nesse contexto, é importante destacar que, com exceção do nível um (dos assintomáticos), o resultado do estudo clínico da Coronavac considerou todos os demais níveis de progressão da doença: do dois ao seis. Assim, o Instituto Butantan acabou por utilizar uma metodologia com detalhamento de cenários que poderia até prescindir, ante a necessidade de desenvolvimento emergencial de uma vacina em prazo recorde, na história da humanidade.

Por certo, a decisão de excluir apenas eventuais casos assintomáticos e considerar no estudo todos os outros níveis progressivos da doença, mesmos os mais leves, acabou influindo diretamente no índice da eficácia geral da Coronavac — puxando os números para baixo. Mesmo assim, em nada compromete os efusivos resultados positivos alcançados.

Em rápidas palavras: 100% das pessoas que tomarem a vacina não serão hospitalizadas — eficácia plena para a prevenção de óbitos; 78% delas não terão sintomas moderados ou graves, caso contaminadas; e 50,4% delas sequer terão a doença. Ou seja, do percentual de 49,6% de pessoas que possam eventualmente, mesmo após tomar a vacina, ter a doença com sintomas leves ou muito leves, apenas 22% poderão ter sintomas moderados e nenhuma terá sintoma grave. Não serão internadas, não irão para a UTI, nem morrerão. E isso precisa, sim, ser comemorado.

Noutro giro, importante acrescentar que estudos clínicos de outras vacinas contra a Covid-19, no geral, não envolveram pacientes do nível dois, por exemplo. E outros chegaram, ainda, a não envolver pacientes do nível três. Ou seja, não restaram considerados possíveis contaminados com o desenvolvimento de sintomas leves ou muito leves — como optou o Instituto Butantan, no estudo clínico da Coronavac.

Os responsáveis por outras vacinas decidiram utilizar o método de estudo clínico que o resultado priorizasse o êxito em prevenir a hospitalização, no cenário de internação, UTI e principalmente na prevenção de mortes. Prescindiram, portanto, da meta de evitar todos os cenários, ou seja, da contaminação com o desenvolvimento de sintomas leves ou muito leves. E, para que fique claro, não há absolutamente nada de errado nisso. Nada! Apenas dessa forma, anote-se, seus índices de eficácia geral apresentaram-se numericamente maiores.

Portanto, eventuais gráficos comparativos não teriam o condão de estabelecer ranking entre as vacinas. É tecnicamente indevido desconsiderar as particularidades dos índices apresentados por cada vacina, ainda que sob a mesma alcunha de "eficácia geral", bem como as especificidades das suas metodologias e focos clínicos de estudo.

Por fim, essencial rememorar que as considerações constantes deste opinativo têm um único objetivo: não politizar; nem mesmo polarizar as vacinas contra a Covid-19. Sejam elas quais forem. Todas as vacinas em processo de estudo e validação, ou mesmo as que já estão sendo aplicadas, devem ser respeitadas independentemente do seu país de origem, empresa, marca ou grupo político eventualmente à frente do seu incentivo ou fomento.

O mundo está fazendo história também ao criar uma vacina num prazo recorde de tempo, para enfrentar aquela que é uma das maiores crises pandêmicas da história. E esse esforço deve ser valorizado e replicado em outros casos de doenças ainda mais graves.

A existência hoje de vacinas contra a Covid-19 é uma verdadeira lição de que nada é impossível e nada supera a união e o intercâmbio de esforços. Por isso, recentemente defendemos, e agora reiteramos, que o Brasil carece de uma coalização nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum: a Covid-19. Tudo num contexto de imparcialidade e comunhão de esforços, não só entre o poder público, mas também com a adesão de órgãos e entidades diversas, e principalmente da sociedade em geral.

 

Thomas Law
Bruno Barata
Sóstenes Marchezine
Bruno Martins
Clarita Maia

são advogados e, juntos, compõem a diretoria da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã da OAB Nacional (CebraONU)

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