Opinião

A vacinação contra a Covid-19 no Brasil a partir de análise da MP 1.026

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10 de janeiro de 2021, 17h13

O ano de 2021 começou e com ele a esperança da aplicação da vacina para conter uma das maiores crises de saúde pública da história da humanidade, e os mais diversos reflexos da pandemia da Covid-19. Para tanto, essencial que a legislação brasileira suporte a dinâmica necessária de ações a serem implementadas pelo poder público.

Em casos de relevância e urgência, como o ora vivenciado com a pandemia da Covid-19, a Constituição Federal permite que o presidente da República adote medidas provisórias com imediata força de lei, de modo a garantir — com segurança jurídica — a efetivação de apropriadas políticas públicas que alcancem a população.

Tecnicamente, ainda que plenamente vigentes, as medidas provisórias têm eficácia temporária e devem ser submetidas à ratificação do Congresso Nacional tão logo sejam editadas. O Poder Legislativo Federal tem o prazo de 60 dias, prorrogável uma única vez por igual período, para apreciá-las, podendo manter ou alterar o conteúdo. Caso os deputados federais e senadores não concluam a análise no prazo estipulado, a medida provisória pode caducar, sendo ainda impedido a sua reedição na mesma sessão legislativa.

Sendo assim, na última quarta-feira (6/1), a Presidência da República Federativa do Brasil editou a Medida Provisória nº 1.026 para dispor sobre as medidas excepcionais relativas ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.

A novel legislação autoriza a celebração, por parte do poder público, de contratos e instrumentos congêneres com dispensa de licitação, para a aquisição de vacinas e de insumos destinados a vacinação contra a Covid-19, inclusive antes do registro sanitário ou da autorização temporária de uso emergencial. Permite, nos mesmos termos, a contratação de bens e serviços de logística, tecnologia da informação e comunicação, comunicação social e publicitária, treinamentos e outros bens e serviços necessários a implementação da vacinação contra a Covid-19.

A medida provisória em questão prevê que a sua aplicação alcançará atos praticados e instrumentos firmados até 31 de julho de 2021, independentemente do seu prazo de execução ou de suas prorrogações. A norma autoriza, ainda, o estabelecimento de cláusulas tidas como especiais nos instrumentos jurídicos necessários para aquisição ou fornecimento de vacinas contra a Covid-19, desde que representem condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço.

São exemplos de cláusulas especiais o eventual pagamento antecipado, inclusive com a possibilidade de perda do valor aplicado; hipóteses de não penalização do fornecedor ou prestador de serviço; e termos confidenciais. Quanto à possível perda de valores antecipados, a norma recomenda uma série de atos preventivos e ressalva casos de fraude, dolo ou culpa exclusiva da contraparte.

Noutro ponto, a medida provisória fez constar que, apesar da dispensa de licitação, a celebração de contratos deve ser precedida de processo administrativo que contenha os elementos técnicos referentes à escolha da opção de contratação e à justificativa do preço — garantindo, ainda, efetiva e detalhada transparência, por meio da manutenção de sítio eletrônico na internet, com atualizações recorrentes.

No entanto, os procedimentos técnicos a serem adotados pelos órgãos serão simplificados, com menores exigências aos termos de referência e projetos básicos. Até porque a medida provisória presumiu comprovadas a necessidade de pronto atendimento e a ocorrência de situação de emergência em saúde pública de importância nacional decorrentes do novo coronavírus e dispensou a exigência de elaboração de estudos preliminares, quando se tratar de aquisição de bens e contratação de serviços comuns.

Alguns pontos da norma deixam ainda mais evidente a sua excepcionalidade, ao permitir, por exemplo, a contratação de fornecedor comprovadamente considerado único ou exclusivo, ainda que existente em seu desfavor sanção de impedimento ou suspensão de contratar com o poder público. No caso, apesar de o fornecedor ser obrigado a prestar garantia nos termos legais, que não exceda 10% do valor do contrato, tal previsão reflete a gravidade da crise pandêmica que assola o mundo, e aflige ferozmente o Brasil.

Ressalvada a exigência de apresentação de prova de regularidade trabalhista e previdenciária, a comprovação de não submissão de menores de 18 a trabalho noturno, perigoso ou insalubre e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo menor aprendiz, o poder público poderá também dispensar o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação a fornecedores ou prestadores de serviço com outros tipos de restrições.

Ainda acerca das questões procedimentais e técnicas, serão ainda reduzidos pela metade os prazos de licitações na modalidade pregão, eletrônico ou presencial — apesar de serem tipos legalmente existentes que já são, por si só, tradicionalmente mais céleres.

Para alcançar toda a população brasileira, aos Estados será possível aderir aos sistemas de registro de preços gerenciados por órgãos da União. Por sua vez, o governo federal também poderá aderir a procedimentos realizados nas esferas estadual, distrital ou municipal.

No entanto, a aplicação das vacinas pelos entes federativos deverá observar o previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, que é elaborado, atualizado e coordenado pelo Ministério da Saúde. A aplicação das vacinas somente ocorrerá, nos termos dispostos, após a autorização temporária de uso emergencial ou o registro de vacinas concedidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Nessa senda, a Anvisa poderá conceder autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer vacinas contra a Covid-19, materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária, ainda que sem registro no órgão, por serem considerados essenciais para auxiliar no combate à Covid-19. Para tanto, tais itens deverão ser registrados por, no mínimo, uma autoridade sanitária estrangeira que autorize a distribuição em seus respectivos países.

A norma listou cinco autoridades sanitárias internacionais para a aplicação desta medida excepcional. São elas: a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos da América; a European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; a Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; a National Medical Products Administration (NMPA), da República Popular da China; e a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA), do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte,

No que tange à operacionalização do plano nacional de vacinação, a medida provisória obriga o registro diário e de forma individualizada de dados referentes a aplicação das vacinas contra a Covid-19 e de eventuais eventos adversos, por parte dos estabelecimentos de saúde, públicos e privados, em sistema de informação disponibilizado pelo Ministério da Saúde, a fim de manter o acompanhamento da eficácia.

Está previsto o compartilhamento entre órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas, em tratamento ambulatorial ou hospitalar, ou com suspeita de infecção pelo novo coronavírus. A obrigação estende-se às pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.

A medida provisória obriga também que o profissional de saúde apto a
administrar a vacina autorizada pela Anvisa para uso emergencial e temporário informe ao paciente ou ao seu representante legal, a depender do caso, que o produto ainda não tem registro definitivo na Anvisa, mas, sim, o uso excepcional autorizado pela agência.

Por fim, a norma — que será ainda regulamentada pelo Ministério da Saúde e, conforme detalhado anteriormente, submetida à apreciação conclusiva do Congresso Nacional — obriga também que o profissional de saúde realize uma explanação acerca dos potenciais riscos e benefícios do produto, antes de aplicar a vacina no cidadão interessado.

Diante de tudo isto, é perceptível que a norma traz avanços essenciais para a efetividade da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Não deixa de demonstrar, portanto, o objetivo de garantir ao cidadão o direito de decidir ser ou não vacinado, e a responsabilidade, ainda que moral, da sua escolha. Tudo num contexto social desafiador, em que o número de mortes e infectados cresce vertiginosamente, a economia atrofia, os ânimos políticos internos polarizados se acirram, a geopolítica internacional descarrilha, a Justiça Suprema brasileira declara constitucional a vacinação compulsória e, mais uma vez, garante autonomia normativa e executiva aos entes federados.

Definitivamente, o Brasil carece de uma coalização nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum, que só se fortalece com a desunião institucional e eventual implementação de atos descoordenados.

 

Thomas Law
Bruno Barata
Sóstenes Marchezine
Bruno Martins
Clarita Maia

são advogados e compõem a diretoria da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã (CebraONU) do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

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