Opinião

A BR do Mar como incentivo à economia nacional pela navegação de cabotagem

Autores

  • Sabine Müller Souto

    é advogada administradora de empresas professora do curso de graduação em Direito Empresarial da Universidade do Vale do Itajaí sócia fundadora do Müller Advogados Associados mestranda em Ciência Jurídica pela Universidade do vale do Itajaí – Univali pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital e Compliance conselheira Federal da OAB Nacional membro da Comissão Nacional de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional vice-presidente da Comissão de Transparência da OAB/SC membro da Comissão de Reformulação do Quinto Constitucional da OAB/SC membro da Comissão de Direito da Vítima da OAB/SC e membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC).

  • Maykon Fagundes Machado

    é advogado professor no curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Ciência Jurídica (Univali) especialista em Jurisdição Federal (Esmafesc) e em Direito Ambiental pela Faculdade Cers vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc) vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí-SC e membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC.

7 de janeiro de 2021, 6h04

Aprovado em 7 de dezembro e concluído no dia seguinte (8/12), mediante presidência do deputado Marcel Van Hattem na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL 4.199/2020), que institui um programa de estímulo ao transporte por cabotagem, criando a chamada BR do Mar, em alusão a uma rodovia marítima, segue para o Senado Federal [1].

A cabotagem é a navegação que utiliza vias interiores e costeiras entre portos dentro do território nacional, sem perder a costa de vista, sendo que o Brasil demonstra grande potencial de desenvolvimento nas operações portuárias, mesmo tendo pouca representatividade no mercado, em razão da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, ausência de infraestrutura logística e engarrafamento dos portos.

Transporte de cargas por cabotagem diz respeito ao transporte via marítima ou utilizando vias navegáveis interiores entre portos dentro do território nacional. O Brasil possui vasta extensão de costa marítima, mais de 7,5 mil quilômetros, o que demonstra um extenso potencial de crescimento nas operações portuárias, transporte marítimo de longo curso e serviços de cabotagem [2].

No entanto, o transporte marítimo brasileiro possui baixíssima representatividade no mercado internacional [3], em virtude da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, falta de infraestrutura logística, congestionamento dos portos e tempo de liberação da carga. É necessário investir em obras de infraestrutura e melhoria nos serviços prestados pelos entes da cadeia logística para que a cabotagem ganhe em competitividade em relação a outros modais

Essas particularidades territoriais são adequadas para uma modalidade de escoamento das mercadorias pela cabotagem que está prevista no paragrafo único do artigo 178 da CF/88, tendo sido aprovado no plenário da Câmara dos Deputados o texto-base da BR do Mar, que cria incentivos à cabotagem, ou seja, ao transporte de cargas entre portos brasileiros.

Segundo notícia veiculada no site da Gazeta do Povo [4], foram 324 votos a favor e 114 contra, e a principal novidade trazida pela proposta é a autorização para uso de embarcações estrangeiras por empresas de navegação que atuam no Brasil.

O mote é relevante, pois o projeto (PL 4199/2020) [5] menciona provocar a redução de custos de transporte, aumentar a eficiência logística e melhorar a conectividade entre modais de transporte, pois, ainda que a cabotagem não concorra com o transporte rodoviário, atua de modo complementar, trazendo inúmeras vantagens, considerando que proporcionará investimentos e modernização da navegação de cabotagem no país.

Entre os objetivos do PL 4199/2020, estão incrementar a oferta e a qualidade do transporte; incentivar a concorrência e a competitividade na prestação do serviço de transporte; ampliar a disponibilidade de frota no território nacional; incentivar a formação, a capacitação e a qualificação de marítimos nacionais; estimular o desenvolvimento da indústria naval nacional; revisar a vinculação das políticas de navegação de cabotagem das políticas de construção naval; incentivar as operações especiais de cabotagem e os investimentos decorrentes em instalações portuárias, para atendimento de cargas em tipo, rota ou mercado ainda não existentes ou consolidados na cabotagem brasileira; e, ainda, otimizar o uso de recursos advindos da arrecadação do AFRMM [6], sendo essa a razão para estudar a suas vantagens e desvantagens.

Foram aprovadas, inclusive, duas mudanças via emendas pelo Plenário da Câmara, notadamente no que se refere às regras sobre contratos de transporte de longo prazo e uso de recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).

Trata-se da emenda da deputada Carla Dickson (Pros-RN), que dispõe sobre a atribuição do Ministério da Infraestrutura para definir cláusulas essenciais dos contratos de transporte de longo prazo e a permissão de afretamento da tonelagem máxima em relação às embarcações brasileiras [7].

O deputado Sérgio Souza (MDB-PR) igualmente conseguiu aprovar emenda que possui como finalidade o direcionamento de 10% dos recursos do FMM ao financiamento total de projetos de dragagem de hidrovias, portos e canais de navegação, apresentados por operadores e arrendatários de terminais privados.

Embora haja grande comemoração do governo federal quanto à tramitação do relevante projeto de lei, empresários e autoridades no segmento, continuam demonstrando preocupação com alguns pontos do texto, seja em relação a medidas para atacar a visível reserva de mercado para a mão de obra e, sobretudo, os custos do combustível [8].

Haja vista que atualmente as regras para o afretamento são consideradas restritivas, o projeto de lei pretende flexibilizar o aluguel de embarcações estrangeiras, mantida ou não a bandeira do país de origem.

Uma das críticas, entretanto, trata justamente da mão de obra. A proposta que segue versa sobre uma tripulação composta de minimamente dois terços de brasileiros, valendo-se, todavia, de regras internacionais estabelecidas por organismos (internacionais), negociando de forma mais flexível do que a própria Consolidação das Leis Trabalhistas do Brasil [9].

Para os ministros da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, da Economia, Paulo Guedes, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, o uso excessivo do modal rodoviário implica em baixa produtividade das cargas, aumento de custos de frete e superutilização de rodovias, gerando gastos significantes, além de aumentar o índice de acidentes e mortes de trânsito e emissão de poluentes [10].

Posta a consideração supra, a proposta do governo visa justamente a trazer eficiência e menor custo e segurança, além de menor impacto ambiental.

De outro lado, surgem as críticas do setor de transporte, sob liderança de caminhoneiros, que racharam a categoria. Enquanto parte alega que: 1) os motoristas autônomos serão prejudicados; 2) não há tratamento tributário igualitário entre empresas e autônomos; e 3) há a possibilidade de atuação de empresas estrangeiras na cabotagem, o outro lado acredita que haverá estímulo para viagens mais curtas e rentáveis, inclusive almejando que haja igualmente uma BR do Ar, ou BR do Rio, sonhando-se até mesmo com um modelo semelhante ao dos Estados Unidos da América, tendo mais respeito ao caminhoneiro e privilegiando a categoria [11].

Embora ainda haja questões controversas que certamente seguirão em discussão no Senado Federal, afirma-se que não pretende-se aqui esgotar a temática referente à BR do Mar e ao programa de estímulo ao transporte por cabotagem nela instituído, entretanto foram feitos breves apontamentos com o intuito de esclarecer a relevância do tema ao leitor, sobretudo com interesse que este se aprofunde nos debates e conheça essa pertinente pauta que afetará a todos os cidadãos brasileiros, de forma direta e indireta.

Conclusão
Considerando-se as potencialidades do modal para o desenvolvimento econômico e social no país, verifica-se que vários estudos tratando da navegação de cabotagem brasileira foram suscitados nos últimos anos por respeitáveis instituições. De forma geral, esses estudos reconhecem o potencial do modal de transporte aquaviário para impulsionar a competitividade logística no Brasil, entretanto, observa-se que apresentam críticas sobre a política pública existente.

Os riscos da liberalização da navegação de cabotagem para empresas de navegações internacionais foram indicados e contextualizados, inclusive no relatório da auditoria do TCU (TC 023.297/2018-1) [12], e foram avaliados para a tomada de decisão e desenvolvimento do programa de estímulo à cabotagem.

Segundo análise contida no relatório do TCU, verificou-se que foram encontrados alguns problemas, identificados como obstáculos para o desenvolvimento da cabotagem nacional, entre eles: a elevada burocracia para o transporte de cabotagem; a carga tributária alta para o transporte de cabotagem; os custos demasiados em relação ao transporte marítimo internacional; a necessidade de desenvolvimento da oferta e regularidade das rotas de cabotagem; a vinculação das politicas de navegação de cabotagem e da indústria de construção naval; a existência de barreiras para o desenvolvimento das empresas brasileiras de navegação e para novos entrantes; e;a previsibilidade regulatória para a realização dos investimentos privados de longo prazo.

 


Referências bibliográficas
— BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: cabotagem. TC 023.297/2018-2. Apenso: TC 003.329/2019-4. Acórdão n. 1383/2019. Relator Min. Bruno Dantas. Julg.12/06/19. Disponível em.: <www.tcu.gov.br>. Acesso em 22, Dez. 2020.

— INCIRILO. Lorena. O Estudo da Eficiência do Transporte por Cabotagem no Brasil. Anais do VI CIMA Tech- 22 a 24 de outubro de 2019, FATEC-SJC, São José dos Campos – SP.

— LEOPOLDINO, Claudio Bezerra; SOUZA, Rebeca Almeida.; Avaliação da cabotagem como opção de modal logístico: estudo de caso de uma metalúrgica nordestina. GEPROS. Gestão da Produção, Operações e Sistemas. Ano 14, n. 3, p. 295-324, jul-set/2018.

— PL 4199/2020. MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA. Disponível em: <https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/brdomar>. Acesso em 08 Dez. 2020.

— REDAÇÃO. Senado vai analisar BR do Mar, projeto que estimula navegação de cabotagem. SENADO NOTÍCIAS. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/09/senado-vai-analisar-br-do-mar-projeto-que-estimula-navegacao-de-cabotagem. Acesso em: 22 dez. 2020.

— _________. "BR do Mar": como é o projeto do governo para aumentar o transporte entre os portos. MARINHA DO BRASIL. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/economia-azul/noticias/br-do-mar-como-e-o-projeto-do-governo-para-aumentar-o-transporte-entre-os-portos. Acesso em: 22 dez. 2020.

— SANT’ANA, Jéssica. Câmara aprova projeto da “BR do Mar”, de incentivo ao transporte de cargas entre portos. GAZETA DO POVO. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/economia/br-do-mar-camara-aprova-projeto-incentivo-cabotagem/ >. Acesso em 08, Dez. 2020.

 


[1] REDAÇÃO. Senado vai analisar BR do Mar, projeto que estimula navegação de cabotagem. SENADO NOTÍCIAS. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/09/senado-vai-analisar-br-do-mar-projeto-que-estimula-navegacao-de-cabotagem>. Acesso em: 22 dez. 2020.

[2] INCIRILO. Lorena. O Estudo da Eficiência do Transporte por Cabotagem no Brasil. Anais do VI CIMA Tech- 22 a 24 de outubro de 2019, FATEC-SJC, São José dos Campos – SP, p. 01.

[3] LEOPOLDINO, Claudio Bezerra; SOUZA, Rebeca Almeida.; Avaliação da cabotagem como opção de modal logístico: estudo de caso de uma metalúrgica nordestina. GEPROS. Gestão da Produção, Operações e Sistemas. Ano 14, n. 3, p. 295-324, jul-set/2018.

[4] SANT’ANA, Jéssica. Câmara aprova projeto da “BR do Mar”, de incentivo ao transporte de cargas entre portos. GAZETA DO POVO. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/economia/br-do-mar-camara-aprova-projeto-incentivo-cabotagem/ >. Acesso em 08, Dez. 2020.

[5] PL 4199/2020. MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA. Disponível em: <https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/brdomar>. Acesso em 08 Dez. 2020.

[7] REDAÇÃO. Senado vai analisar BR do Mar, projeto que estimula navegação de cabotagem. SENADO NOTÍCIAS. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/09/senado-vai-analisar-br-do-mar-projeto-que-estimula-navegacao-de-cabotagem.> Acesso em: 22 dez. 2020.

[8] REDAÇÃO. BR do MAR vai ao Senado, mas ainda com trechos polêmicos para o setor. PORTOSENAVIOS. Disponível em: <https://www.portosenavios.com.br/noticias/navegacao-e-marinha/br-do-mar-vai-ao-senado-mas-ainda-com-trechos-polemicos-para-o-setor>. Acesso em 22 dez. 2020.

[9] REDAÇÃO. BR do MAR vai ao Senado, mas ainda com trechos polêmicos para o setor. PORTOSENAVIOS. Disponível em: <https://www.portosenavios.com.br/noticias/navegacao-e-marinha/br-do-mar-vai-ao-senado-mas-ainda-com-trechos-polemicos-para-o-setor>. Acesso em 22 dez. 2020.

[10] REDAÇÃO. "BR do Mar": como é o projeto do governo para aumentar o transporte entre os portos. MARINHA DO BRASIL. Disponível em: <https://www.marinha.mil.br/economia-azul/noticias/br-do-mar-como-e-o-projeto-do-governo-para-aumentar-o-transporte-entre-os-portos>. Acesso em: 22 dez. 2020.

[11] COSTA, Rodolfo. O que líderes de caminhoneiros pensam da BR do Mar, projeto do governo que rachou a categoria. GAZETA DO POVO. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/br-do-mar-liderancas-caminhoneiros/. Acesso em: 22 dez. 2020.

[12] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: cabotagem. TC 023.297/2018-2. Apenso: TC 003.329/2019-4. Acórdão n. 1383/2019. Relator Min. Bruno Dantas. Julg.12/06/19. Disponível em.: <www.tcu.gov.br>. Acesso em 22, Dez. 2020

Autores

  • é advogada, administradora de empresas, sócia fundadora do Müller Advogados Associados, mestranda em Ciência Jurídica pela Universidade do vale do Itajaí, pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital e Compliance, professora do curso de graduação em Direito Empresarial da Universidade do Vale do Itajaí, conselheira Federal da OAB Nacional, membro da Comissão Nacional de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional, vice-presidente da Comissão de Transparência da OAB/SC, membro da Comissão de Reformulação do Quinto Constitucional da OAB/SC, membro da Comissão de Direito da Vítima da OAB/SC e membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.

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