Opinião

O convênio de justiceiros na 'lava jato' e o Estado-Berlusconi

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

19 de fevereiro de 2021, 7h08

O Supremo Tribunal Federal, por meio de sua segunda turma, permitiu o acesso à defesa do ex-presidente Lula das mensagens trocadas por membros do Ministério Público Federal e o ex-magistrado Sérgio Moro no centro da tão comentada operação Spoofing.

Os diálogos travados entre os agentes do parquet e do Poder Judiciário revelaram que existe algo de podre no Reino do Brasil. Estamos assistindo aos esforços conjuntos de membros de respeitadas instituições jurídicas no sentido de agilizar o trâmite processual da "lava-jato".

Além dos diálogos revelarem uma atuação conjunta de procuradores da "lava jato" com um ex-juiz, podemos observar que a dogmática processual penal também foi amplamente desrespeitada. Onde ficam os princípios da imparcialidade e do devido processo legal? Os princípios conferem suporte à aplicabilidade do sistema jurídico, mas eles não podem ser utilizados ao bel prazer dos profissionais do Direito. Eles são deontologia e não axiologia. Isto é, são normas e não valores.

Não podemos esquecer que o processo, especialmente o criminal (que trata da liberdade do réu) é uma garantia contra os arbítrios e os mandonismos do Estado. Não podemos compactuar e permitir que o processo penal se transforme em um grande mercado de trocas (muitas inclusive praticadas com ilegalidade) na República brasileira.

Sabemos que a corrupção no país atingiu níveis historicamente nunca vistos antes e que o seu combate é algo que exige a articulação organizada das nossas instituições democráticas. Entretanto, não podemos atropelar o nosso sistema de garantias penais e processuais penais em nome desse combate.

O que estamos vivendo no Brasil hoje tem nome. E precisamos dar nomes as coisas, pois ao fazer isso damos sentidos a elas também. O nome que podemos dar as fatos narrados é Convênio de Justiceiros. Ou seja, os agentes estatais se valem do próprio cargo e do poder para realizarem atos em prol de um suposto interesse público.

Vale a pena sacrificar nossos direitos em prol da aceleração do processo? Ou em prol da condenação dos acusados? Penso que não. A democracia é maior que meros interesses pessoais. Não podemos nos (com)portar como se estivéssemos em um jogo de futebol. Se um juiz apita um pênalti a favor do nosso time, somos favoráveis à essa decisão, mas se ele marca o pênalti contra nosso time, ficamos contra essa decisão. A questão é: as regras valem para todos.

Há muito tempo que nessas terras tupiniquins o Direito está sendo predado pela política. Devemos enfrentar essa questão, pois a autoridade do Direito reside na obediência que damos às suas regras e princípios. O Direito sem força normativa não é Direito, mas simples recomendação.

Os representantes do Ministério Público Federal e Sérgio Moro combinavam estratégias processuais para ganhar tempo e para aumentar o número de elementos suficientes para embasar condenações na "operação lava jato". Onde fica a imparcialidade? Como falar de processo penal se o próprio Estado joga por terra o que aprendemos nas faculdades?

Por fim, temos que ficar atentos ao desenrolar dos próximos acontecimentos. Os últimos anos da República nos revelam que o Estado brasileiro está sendo marcado por escândalos, sejam eles de (des)ordem política, econômica, social e agora, sobretudo jurídicos. Podemos dizer que temos um Estado-Berlusconi. Ademais, sempre esses escândalos inflamam a opinião pública do país e fragilizam a nossa institucionalidade.

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