Sem Censura Prévia

Mais três ministros do STF votam contra direito ao esquecimento no Brasil

Autor

10 de fevereiro de 2021, 19h16

Três ministros do Supremo Tribunal Federal seguiram, nesta quarta-feira (10/2), o entendimento do relator, Dias Toffoli, de que a ideia de um direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Edson Fachin entendeu que tal garantia está prevista no ordenamento jurídico. Ainda faltam os votos de cinco magistrados da corte. O julgamento será retomado nesta quinta (11/2).

Nelson Jr./SCO/STF
Alexandre de Moraes disse que reconhecimento amplo do direito ao esquecimento caracterizaria censura prévia
Reprodução

Ao votar na quinta-feira passada (4/1), Toffoli caracterizou como direito ao esquecimento a "pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtual, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante". O relator ressaltou que não há previsão legal do direito ao esquecimento e não se pode restringir a liberdade de expressão e imprensa. Eventuais abusos ou excessos devem ser analisados posteriormente, caso a caso.

Primeiro a votar na sessão desta quarta, o ministro Nunes Marques afirmou que, para ser reconhecido, o direito ao esquecimento deveria ser inserido no ordenamento jurídico pelo legislador. De acordo com ele, cortes podem, em análises feitas caso a caso, entender pela existência do direito ao esquecimento. "Mas quando tribunais concebem a existência de um instituto jurídico como o direito ao esquecimento, praticam uso excessivo da metodologia decisória e podem fazer entender que realmente existe tal direito no Brasil".

Nunes Marques lembrou que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, o STF permitiu a publicação de biografias não autorizadas, afirmando que o Direito brasileiro não admite censura prévia. Em caso de abuso ou excesso da liberdade de expressão, o autor poderá ser responsabilizado.

Da mesma forma, não é possível proibir a divulgação de fatos que tenham interesse público, apontou. No entanto, Nunes Marques opinou que "é inaceitável trazer à tona velhas feridas sem nenhum propósito informativo, sem interesse jornalístico".

O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que é preciso pesar o binômio liberdade-responsabilidade. "Eu tenho a liberdade de divulgar o fato, realizar uma nova narrativa de fatos pretéritos, seja por meio televisivo, escrevendo livro, dando palestra. Mas, se eu me excedi, se desvirtuei os fatos, se não os atualizei, poderei ser responsabilizado cível e criminalmente".

"São inconstitucionais quaisquer mecanismos tendentes a restringir a liberdade de expressão a partir da censura prévia, como ocorreria se reconhecêssemos, de forma abstrata, o direito ao esquecimento. O Judiciário estaria interferindo na liberdade jornalística", avaliou Alexandre de Moraes.

A ministra Rosa Weber também destacou a semelhança do caso com o das biografias não autorizadas. A seu ver, a necessidade de autorização das pessoas envolvidas para noticiar um fato constitui censura prévia, algo incompatível com o Estado Democrático de Direito.

"Além de inconstitucional, a exacerbação do direito ao esquecimento é exemplo da mentalidade que contribui, no longo prazo, a manter o país culturalmente pobre, a sociedade, imatura, e a nação, economicamente subdesenvolvida".

Para a ministra, embora a retórica do direito ao esquecimento tenha sido "frequentemente apropriada como justificativa para a censura", o conceito apreende sentidos e usos legítimos. "Estes, no entanto, já me parecem suficientemente amparados pela proteção constitucional da inviolabilidade à intimidade e da proteção de dados. Não vejo espaço para um alargamento jurisprudencial do conceito", declarou. Ela ainda afirmou que a liberdade de expressão não pode ser limitada pelo legislador.

Já o ministro Edson Fachin votou pela parcial procedência do recurso extraordinário para reconhecer a existência de um direito ao esquecimento no Brasil.

Conforme Fachin, a Constituição Federal estabelece os pilares do direito ao esquecimento ao prever a dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade e o direito à autodeterminação informativa. O ministro também citou o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil: "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esqueciment".

Entretanto, o ministro apontou que, em julgamentos de pedidos de direito ao esquecimento, a liberdade de expressão tem preferência. Porém, magistrados também devem preservar o núcleo essencial dos direitos de personalidade.

Repercussão geral
Toffoli sugeriu a seguinte tese com repercussão geral: "É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais". 

"Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".

Caso concreto
O recurso chegou ao Supremo ajuizado pelos irmãos de Aída Curi, vítima de um crime de grande repercussão praticado nos anos 1950 no Rio de Janeiro. Eles buscam reparação da TV Globo pela reconstituição do caso no programa televisivo Linha Direta sem a autorização da família. O programa foi exibido nos anos 2000.

Os irmãos de Aída Curi questionam a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que entendeu que a Constituição Federal garante a livre expressão de comunicação, independentemente de censura ou licença. 

Os desembargadores definiram que a obrigação de indenizar ocorre apenas quando o uso da imagem ou de informações atingirem a honra da pessoa retratada e tiverem fins comerciais. Ainda segundo o TJ-RJ, a Globo cumpriu sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o caso.

No Supremo, os ministros reconheceram a repercussão geral da matéria em junho de 2017. Dos ministros que já se pronunciaram, três votaram para negar o recurso e a reparação pedida. "Casos como o de Aída Curi, Ângela Diniz, Daniella Perez, Sandra Gomide, Eloá Pimentel, Marielle Franco e, mais recentemente, da juíza Viviane Vieira, entre tantos outros, não podem e não devem ser esquecidos", afirmou o relator, Dias Toffoli.

Fachin reconheceu a existência, em abstrato, do direito ao esquecimento, mas entendeu que ele não se aplica ao caso concreto. Nunes Marques avaliou que o direito ao esquecimento é incompatível com o Direito brasileiro. Contudo, opinou que a TV Globo deve indenizar a família de Aída Cury por noticiar de forma vexatória a morte da jovem.

O ministro Luís Roberto Barroso declarou suspeição e não participará do julgamento. 

Clique aqui para ler o voto do relator
Clique aqui para ler o voto de Edson Fachin
RE 1.010.606

*Texto atualizado às 18h35 do dia 11/2/2021 para correção de informações.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!