Reflexões Trabalhistas

TST rejeita tabela Susep como critério único nos processos por acidente

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

5 de fevereiro de 2021, 8h02

A pensão devida à vítima de acidente de trabalho a cargo do empregador deve ser estabelecida pelo juiz no caso concreto, levando em conta não somente a conclusão do laudo pericial, mas a incapacidade da vítima para o trabalho, as dificuldades para obter e se manter no emprego, o tempo de serviço na empresa, sua idade, rendimento útil no trabalho, grau de instrução, segurança e risco na prestação de serviço, deslocamento até o local de trabalho e outros fatores relevantes para a situação concreta. Trata-se de um juízo de valor, e não de mera equação matemática, como se infere das decisões seguintes, do TST:

Spacca
"EMENTA: … INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL – DEFINIÇÃO DO GRAU DE REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA – OMISSÃO. 1 – … 2 – A determinação do grau de redução da capacidade de trabalho não envolve explanação matemática, mas, sim, juízo de valor fundamentado, segundo a persuasão racional do magistrado. A ciência jurídica preocupa-se, antes, com a justa reparação do dano sofrido, do que, especificamente, com a precisão matemática dos cálculos. 3 – …" (ED-E-ED-RR – 93000-46.2001.5.08.0010 , Rela. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 3ª Turma, DJ 19/3/2004).

"EMENTA: […]. ACIDENTE DO TRABALHO. DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL. PERCENTUAL ARBITRADO. APLICAÇÃO DA TABELA Susep. VALIDADE. … 3 – A tabela utilizada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), como parâmetro para a indenização dos seguros privados, não pode ser aplicada, como critério exclusivo, aos processos de responsabilidade civil por acidente de trabalho. Isto porque, referida tabela apenas enquadra a invalidez de modo genérico, avaliando a incapacidade para o trabalho em sentido amplo, sem ponderar a inabilitação para a profissão exercida pela vítima, que é o objeto de indenização do artigo 950 do Código Civil. Julgado. … […]" (ARR-171800-22.2005.5.02.0461, 6ª Turma, Rela. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 11/04/2017).

"EMENTA: ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. GRAU DE INCAPACIDADE. … ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. GRAU DE INCAPACIDADE. O artigo 950 do CC determina que a indenização deva ser calculada conforme a redução da capacidade laborativa especificamente no tocante ao trabalho para o qual o trabalhador se inabilitou. Vale dizer, o parâmetro da fixação da indenização é a redução do trabalho que vinha sendo exercido pelo reclamante, no caso bancário, e não a redução da capacidade laboral para todo e qualquer ofício possível de ser exercido por ele. A tabela elaborada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), adotada nos contratos cíveis de seguro, leva em consideração a capacidade para outro trabalho, não se limitando ao trabalho para o qual o empregado, em razão de acidente, se inabilitou. Assim, a mera adoção da tabela Susep, ao relacionar determinada lesão a um grau genérico de incapacidade laborativa, não se compatibilize com a regra do artigo 950 do CC. Presente a hipótese de trabalhador que professa ofício especializado, ou exerce profissão para a qual se capacitou, a restitutio in integrum prescrita no artigo 950 CC não se coaduna com a exegese segundo a qual estaria ele habilitado para outros ofícios ou profissões a que antes não se sentira vocacionado. A 'inabilitação' referida no mencionado dispositivo presume a anterior 'habilitação', ou do contrário se preconizará, inclusive, a vulneração do direito constitucional à liberdade de profissão. No presente caso, considerando-se a especificidade da profissão do empregado e a extensão da lesão descrita no acórdão regional, evidencia-se a inabilitação total para o ofício antes exercido. Assim, a pensão mensal vitalícia deve possuir como base de cálculo a integralidade da remuneração. Recurso de revista conhecido e provido. […]" (ARR – 77100-61.2006.5.05.0194, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho; Data de Julgamento: 18/03/2015; 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT de 20/03/2015).

Com se infere das decisões acima, a tabela Susep não pode ser usada como critério exclusivo para efeito de arbitramento de pensão civil decorrente de acidente de trabalho, como erroneamente tem feito alguns peritos, para aferir o grau de incapacidade das vítimas nas ações de acidente do trabalho, porque o pagamento dessa indenização está assegurado no inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal e regulado pelo artigo 950 do Código Civil (se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu).

Como decorre da lei, essa pensão corresponde à importância do trabalho para o qual a vítima se inabilitou (e não para outro), considerando-se a depreciação que ela sofreu, enquanto que a tabela da Susep é instrumento utilizado para determinar o valor da indenização de seguros, que tenham por objeto ressarcir invalidez permanente por acidentes pessoais. Essa tabela se destina ao mercado de seguros privados, estabelecendo um percentual fixo. Ela não leva em consideração as condições peculiares e particulares de cada caso concreto e, por isso, não pode ser aplicada nos casos de indenização por danos decorrentes de acidente de trabalho, porque considera critérios genéricos de incapacitação para o seguro privado, baseada na importância que a vítima pagou do seguro e, não na sua profissão, na incapacidade para o trabalho, nas dificuldades para a vítima obter e se manter no emprego, no tempo de serviço na empresa, na sua idade e noutros fatores relevantes para a situação concreta. Para demonstrar a incongruência da tabela da Susep em relação à reparação civil decorrente de acidente do trabalho, registro os exemplos seguintes:

a) Perda total do uso de um dos dedos indicadores, que na tabela da Susep leva a uma indenização de 15% sobre a importância segurada, percentual esse inadmissível em termos de reparação civil, se a vítima for um pianista ou violoncelista, que se tornará totalmente incapacitada para a atividade respectiva.

b) Encurtamento de um dos membros inferiores de cinco centímetros, que corresponde a 15% de redução na tabela da Susep, mas que, a princípio, não comprometeria profundamente a capacidade laborativa de uma vítima que trabalha sentada.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor Titular do Centro Universitário — UDF, no mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), na Pós-Graduação em Direito e Relações do Trabalho. Consultor Jurídico e Advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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