Opinião

Reforma da Política Marítima Nacional traz mudanças necessárias ao setor

Autor

  • Maria Cristina Gontijo Peres Valdez Silva

    é advogada atuante nas áreas do Direito Ambiental Marítimo e Portuário auditora ambiental de Portos professora da Unisanta e do CENEP – Fundação Centro de Excelência Portuária de Santos mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (Bolsista Patrocinada pela CAPES) coordenadora do NEPOMT (Núcleo de Estudos Portuários Marítimos e Territoriais) (CNPQ) membro da RETE – Associação para Colaboração entre Portos e Cidades e autora de publicações nas áreas do Direito Ambiental Marítimo e Portuário.

1 de fevereiro de 2021, 6h04

Quase 30 anos após sua edição, a Política Marítima Nacional ganhará mais atenção e novos contornos. Pouco após o início de 2021, em 22 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro instituiu, por meio do Decreto nº 10.607, o grupo de trabalho interministerial para reformular a Política Marítima Nacional.

De acordo com o decreto em questão, ao grupo de trabalho interministerial compete: integrar as políticas relacionadas ao uso do mar; propor procedimentos para a implementação da nova Política Marítima Nacional integrada; avaliar formas de financiamento para a implementação da nova Política Marítima Nacional; definir os objetivos e a prioridade para cada segmento integrante da nova Política Marítima Nacional; e elaborar as propostas de atos e os instrumentos normativos necessários à implementação da nova Política Marítima Nacional.

Fazem parte do Grupo de Trabalho Interministerial: Ministério da Justiça e Segurança Pública; Ministério da Defesa; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Economia; Ministério da Infraestrutura; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério da Cidadania; Ministério da Saúde; Ministério de Minas e Energia; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Turismo; Ministério do Desenvolvimento Regional; e Advocacia-Geral da União, sob a coordenação do Comando da Marinha.

Com duração de um ano, podendo ser prorrogável por igual período, os membros do Grupo de Trabalho Interministerial e os respectivos suplentes serão indicados pelos titulares dos órgãos que representam, no prazo de 30 dias, contados da data de publicação do decreto, e designados em ato do ministro de Estado da Defesa.

Mas o que vem a ser a Política Marítima Nacional?

Instituída por meio do Decreto nº 89.331, de 25 de janeiro de 1994, e posteriormente revogada pelo Decreto nº 1.265, de 11 de outubro de 1994, a Política Marítima Nacional (PMN) tem por finalidade orientar o desenvolvimento das atividades marítimas do país, de forma integrada e harmônica, visando à utilização efetiva, racional e plena dos mares e de nossas hidrovias interiores, de acordo com os interesses nacionais. Lembrando que as atividades "marítimas" presente na PMN envolvem também, o transporte aquaviário realizado em rios e lagoas e lagos navegáveis.

Quais os objetivos da PMN?

O Decreto 1.265 de 11 de outubro de 1994 elenca um considerável rol com os principais objetivos da PMN: 1) desenvolvimento de uma mentalidade marítima nacional; 2) racionalidade e economicidade das atividades marítimas, independência tecnológica nacional, no campo das atividades marítimas; 3) pesquisa, exploração e explotação nacional dos recursos vivos — em especial no tocante à produção de alimentos — e não vivos da coluna d’água, do leito e do subsolo de mar e rios, lagoas e lagos navegáveis, onde se exerçam atividades comerciais significativas para o Poder Marítimo; 4) produção, no país, de navios, embarcações, equipamentos e material específico, relacionado com o desenvolvimento das atividades marítimas e com a defesa dos interesses marítimos no país; aprimoramento da infraestrutura portuária, aquaviária e reparos navais no país; 5) aprimoramento da infraestrutura, portuária, aquaviária e de reparos navais no país; 6) otimização do transporte aquaviário no comércio interno e externo. 7) proteção do meio ambiente, nas áreas em que se desenvolvem atividades marítimas. 8) formação, valorização e aproveitamento racional dos recursos humanos necessários às atividades marítimas; 9) privatização das atividades marítimas, sempre que a sua manutenção pelo Estado não constituir em imperativo estratégico ou de segurança nacional; 10) obtenção de benefícios decorrentes de participação de atos internacionais, no campo das atividades marítimas; 11) segurança das atividades de marítimas e de salvaguarda dos interessas nacionais no mar; 12) imagem favorável do Brasil no exterior, em apoio à ação diplomática brasileira; 13) garantia de existência de um poder naval eficaz e em dimensões compatíveis com os demais componentes do Poder Marítimo.

Assim, não gera surpresa que o grupo de trabalho interministerial tenha como meta principal debruçar-se sobre as atividades e segmentos que se relacionem com os objetivos acima citados, alguns que necessitam de atualizações considerando as mudanças do cenário econômico e de mercado nos últimos 30 anos.

A pauta, em resumo, levanta questões como: a modernização de todas as atividades afetas à indústria da navegação, incluindo construção naval e o setor pesqueiro (que por anos ficou à margem das políticas de governo), a garantia de geração de empregos nestes setores e o estabelecimento de uma governança pautada por padrões de sustentabilidade (ambiental, econômica e social) e saúde (aquaviários e populações portuárias), previstas como metas em compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e em legislações federais já existentes.

A novidade no caso, é o (res)surgimento de um olhar sistêmico e integrado sobre o setor marítimo, vez que o Brasil possui considerável compilado de legislações sobre políticas públicas que visam a regular setores variados, mas que na prática não conseguem gerar efeitos e as benesses necessárias para o crescimento econômico e social do país. A Lei de Transporte Multimodal de Cargas (9.611/1998) é um exemplo. Após quase duas décadas da sua edição, a legislação ainda não consegue se aperfeiçoar na sua integralidade por questões fiscais, operacionais e de regulação.

Nesse viés, planejamento de curto, longo e médio prazo são necessários em um setor de tamanha importância, a exemplo das grandes potências marítimas e portuárias. Criar, por si, novos instrumentos legislativos que contribuirão para um grande quebra-cabeça jurídico que não trará a efetividade e implicará em mais insegurança jurídica. E a efetividade das políticas brasileiras urge em um momento tão delicado da história do planeta.

A título de exemplo, projetos de lei como o da BR do Mar (que visa a impulsionar a cabotagem brasileira, diminuindo custos de frete), o do marco legal do transporte ferroviário (que visa a criar novas oportunidades para o setor), bem como as desestatizações previstas no setor portuário e de infraestrutura, necessitam de gestores e legisladores capacitados e que considerem todas as variáveis inerentes a um setor tão complexo.

No país considerado o campeão mundial em judicializações decorrentes da sobrestadia de contêineres, a segurança jurídica depende de uma atuação acertada por parte dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Para tanto, o aperfeiçoamento do ensino marítimo se faz presente e principalmente, do Direito Marítimo e Portuário nas escolas de Direito. Poucas universidades no Brasil (mesmo aquelas presentes em regiões costeiras e portuárias) possuem uma cadeira obrigatória nos cursos de graduação em Direito.

Acertou, portanto, o governo federal na criação de um grupo de trabalho interministerial para amadurecer e discutir questões que são objeto de promessas legislativas há quase cinco décadas. Porém, a resistência de setores que se opõem a novos modelos operacionais será um dos desafios a serem enfrentados. O resultado das mudanças não agradará a todos, mas muitas serão, sim, necessárias para que o Brasil retome o fôlego e conquiste a confiança inclusive dos players internacionais.

Autores

  • é advogada atuante nas áreas do Direito Ambiental, Marítimo e Portuário, auditora ambiental de Portos, professora da Unisanta e do Centro de Excelência Portuária de Santos, mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (Bolsista Patrocinada pela CAPES) e autora de publicações nas áreas do Direito Ambiental, Marítimo e Portuário.

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