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Nenhuma das atuais propostas representa reforma tributária, diz presidente da Aasp

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26 de dezembro de 2021, 8h43

Nenhuma das propostas atuais representa uma efetiva reforma tributária. O que se tem é a ideia de promover algumas alterações pontuais, mas não uma reforma tributária. São mais retalhos dessa colcha de retalhos que virou o nosso sistema tributário nacional.

O diagnóstico é do advogado Mário Luiz Oliveira da Costa. Ele foi eleito para comandar a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) em 2022, ano em que a entidade completa 79 anos de fundação.

Tributarista por formação, é um crítico do sistema tributário brasileiro e, em sua gestão, promete fazer a Aasp participar ativamente do debate. "Especificamente no que diz respeito aos prestadores de serviços, temos uma preocupação muito grande, não só nós, como todas as entidades representativas da advocacia, que a proposta que está em debates de unificação do PIS e da Cofins, com a unificação da CBS, realmente acabe onerando ainda mais", afirma.

Ele destaca o papel da associação no auxílio aos advogados que tiveram dificuldades por conta das medidas impostas pela crise sanitária e pretende centralizar esforços para ajudar o associado na retomada do trabalho presencial. "Da mesma forma que quando veio a pandemia todos nós tivemos que nos adaptar, agora a gente também precisa assessorar nossos associados nesse retorno", explica.

Por fim, ele destaca o projeto já aprovado pelo conselho de criação de uma área de fomento a startups jurídicas.

Leia os principais trechos da entrevista:

ConJur — Estamos ainda vivendo ainda os efeitos da crise sanitária, a economia do país vai mal e a sociedade segue polarizada. Nesse contexto, qual é, na opinião do senhor, o papel de uma entidade como a Aasp?
Mário Luiz Oliveira da Costa — A Associação dos Advogados de São Paulo tem 78 anos e fará agora em janeiro do ano que vem 79. E a missão principal que a associação tem desenvolvido em todos esses anos é de auxiliar o exercício da Advocacia. Auxiliar efetivamente os seus associados, com produtos e serviços. E, por consequência, claro, que também tem trabalhado muito fortemente com propostas, sugestões de melhorias também na prestação jurisdicional.

Com a pandemia, realmente todos tivemos que nos reinventar. A associação, por exemplo, não fechou um único dia. Como presta um serviço essencial, estivemos abertos — claro que com um contingente de funcionários extremamente reduzido —, mas possibilitamos, por exemplo, que nossos associados utilizassem as instalações da associação para peticionamento eletrônico. Permitimos também aos nossos associados que continuassem pelo menos usufruindo na medida do possível das nossas instalações e da nossa estrutura. Mas, mais objetivamente em relação à sua pergunta especialmente para o ano que vem, quando, enfim, assumirei a presidência, teremos, imagino eu, o desafio da retomada.

Da mesma forma que quando veio a pandemia todos nós tivemos que nos adaptar, agora a gente também precisa assessorar nossos associados nesse retorno.

ConJur — Quais serão as prioridades iniciais da gestão do senhor?
Mário — A prioridade é continuar o que já temos feito, porque, o que não podemos ter, de modo algum, é interromper o trabalho bem-feito que já tem sido reconhecido tanto pelos associados como pelos advogados em geral.

Mas temos providências novas. Estamos também agora com um novo projeto de incubadora de startups. Isso já está definido e aprovado pelo nosso conselho diretor, mas será implementado efetivamente a partir do ano que vem. Até mudamos, inclusive, a estrutura de um dos andares da associação para receber fisicamente startups que se dediquem ao desenvolvimento de produtos novos destinados à advocacia. Para o ano que vem, nosso objetivo é auxiliar na retomada da atividade da advocacia e da prestação jurisdicional fisicamente. Isso é extremamente relevante.

Tivemos avanços com a pandemia. O despacho com o juiz por videoconferência, por exemplo, muitas vezes é mais prático, e menos custoso tanto para o advogado quanto para o próprio magistrado. Mas o mesmo eu não digo em relação ao julgamento, que, por videoconferência, implica em uma perda de qualidade. É muito mais produtivo ter realmente a presença do advogado no tribunal. Para que o advogado possa se manifestar muitas vezes, pedir esclarecimentos, prestar esclarecimentos de fato, manifestar-se com eventual pedido de questão de ordem.

A questão é ainda mais grave com as sessões virtuais de julgamento, que têm sido utilizadas também para o exame de casos inéditos e relevantes. Não seria ingênuo a ponto de imaginar que poderíamos voltar hoje aos julgamentos virtuais só das questões já pacificadas. Seria o ideal para mim, mas, na prática, a gente sabe que isso dificilmente ocorrerá. O que deve ocorrer, pelo menos, é o aperfeiçoamento dessas sessões virtuais de julgamento.

A sustentação oral do advogado não pode ser feita por uma gravação que, como ocorre hoje, o advogado faz o upload no sistema e você não sabe quem vai ou não assistir àquilo.

Uma das nossas obrigações é auxiliar para que o Judiciário volte a ter maior credibilidade. E você só terá uma maior credibilidade deste poder quando realmente a parte se sentir acolhida. Não acolhida porque ganhou ou perdeu. Ganhar ou perder, isso faz parte. O Direito não é uma ciência exata.

Mas uma coisa é o advogado e a parte terem uma decisão desfavorável que não tenha enfrentado sequer o mérito ou que tenha enfrentado apenas um argumento, e não outros que seriam essenciais para o conhecimento do seu caso. Ainda mais inadmissível quando disso resultam decisões finais distintas em relação ao mesmo tema.

ConJur — O senhor defende a necessidade de aprimoramento das sessões virtuais. Na gestão do senhor a associação vai participar ativamente desse debate? Existe boa vontade de dialogar com a advocacia do Judiciário?
Mário  — Via de regra todos os tribunais reconhecem a relevância da Aasp. Muitos têm a nossa associação como parceira para apontar o que pode ser melhorado e elogiar o que está bom. Já tivemos nos últimos anos reuniões com os dirigentes de vários tribunais, tanto do Supremo Tribunal Federal, do STJ, dos tribunais trabalhistas, TRFs, Tribunais de Justiça. Temos uma atuação bastante abrangente.

ConJur — Quais, na opinião do doutor, foram os principais problemas enfrentados pelo associado nesse período pandêmico?
Mário — Os associados mais humildes tiveram problemas porque, realmente, não tinham sequer uma estrutura pronta para videoconferência. Às vezes até para peticionamento eletrônico. Então as pessoas, os advogados com o menor poder aquisitivo, se viram obrigados já de pronto investir na melhoria desses recursos tecnológicos.  

Muitos tiveram dificuldades para manter os próprios escritórios, em muitos casos imóveis alugados, com condomínios, despesas que precisam ser mantidas. Tivemos também um problema com os mais profissionais idosos que não estavam acostumados a utilizar os recursos tecnológicos necessários durante a crise sanitária. Nisso tudo a associação se preocupou em auxiliá-los. Temos uma estrutura na própria associação que possibilita aos associados peticionarem lá eletronicamente com funcionários que lá estão para assessorar os advogados. E temos também o atendimento telefônico para todos os associados com orientações sobre como melhor gerir os seus sistemas. Como resolver problemas em geral de peticionamento. Outro problema que todos sentimos foi a perda do contato direto não só com os magistrados, mas com os funcionários da Justiça em geral. Muitas vezes não tinha com quem falar. Então você manda e-mail e não é respondido.

Para fazer um processo andar é comum muitas vezes o advogado ir ao balcão do cartório e falar com o responsável pelo processo. E o responsável faz o processo andar. Ele não precisa necessariamente conversar com o juiz. Ele quer agilizar um alvará de levantamento, um mandado de levantamento de depósito judicial. Ele fala com o responsável. Isso realmente ficou muito prejudicado, especialmente no começo da pandemia. O CNJ atentou para isso e determinou a criação dos famosos balcões virtuais. E que tem funcionado em algumas varas, mas não em todas. Diria que talvez ainda não. Apenas uma minoria verificamos que isso ainda tem funcionado bem.

ConJur — Qual a avaliação das propostas de reforma tributária em relação à oneração de prestadores de serviços?
Mário — Como presidente eleito, mas não ainda em exercício, posso dizer que a Aasp, sim, tem acompanhado as propostas de alteração da legislação tributária com muito cuidado. De um lado, o que a gente faz muito é incentivar o debate. De outro lado, obviamente quando isso diz respeito a algo que atinge ao exercício profissional, pleiteamos e nos manifestamos. É importante deixar claro que na visão da própria Aasp e minha, especialmente em particular, não temos em nenhuma dessas propostas atuais uma efetiva reforma tributária.

É uma pena dizer isso, porque realmente o nosso sistema tributário precisa de uma revisão ampla. O que temos são propostas que fazem algumas alterações pontuais, mas não são realmente uma reforma tributária. São mais retalhos dessa colcha que virou o nosso sistema tributário nacional. E especificamente ao que diz respeito aos prestadores de serviços, temos uma preocupação muito grande, não só nós, como todas as entidades representativas da advocacia, de que a proposta que está em debate, de unificação do PIS e da Cofins, com a unificação da CBS, acabe realmente onerando ainda mais.

E aí não é só o exercício da advocacia, mas sim de todas as profissões liberais. Porque de um lado, em termos gerais, a unificação proposta tem uma previsão de créditos amplos. Então para pessoas jurídicas que tenham, que tenham insumos tributados pelo PIS e Cofins, sem dúvida alguma, que você ter o crédito amplo resolveria o problema que já vem aqui de anos, desde o início aí de 2002.

A lei foi alterada para criar a sistemática não cumulativa, mas na prática criou-se o não cumulativo parcial, o que gera uma série de discussões, há 20 anos, sobre o que dá e o não dá direito a crédito.

Ocorre que para muitas pessoas jurídicas teria sido melhor permanecer na sistemática cumulativa — como até foi assegurado a algumas —, com a alíquota somada de 3,65%, do que ter passado para a parcialmente não cumulativa, com a alíquota somada quase que triplicada, para 9,25%.

Outro ponto negativo é submeter a essa alíquota majorada de 12% àqueles que, por suas próprias características, não adquirem insumos tributados de forma relevante. Para os profissionais liberais em geral, por exemplo, são necessários ajustes para que não sejam submetidos a uma majoração de 3,65% para 12%. 

O que não pode, de novo, é prevalecer isso que está posto hoje, na redação que está posta em debate no Congresso, porque é de um absurdo sem tamanho.

ConJur — Como é feito o mapeamento dos  cursos oferecidos pela Aasp? Como vocês identificam oportunidades de criar cursos que necessariamente possam ser interessantes para o associado se encaixar de uma maneira mais vantajosa para ele, no mercado de trabalho?
Mário — Temos realmente uma gerência cultural bastante ativa. Muitos conselheiros e associados também trazem sugestões de novos cursos, mas sempre pensando em temas que sejam de interesse dos associados e, claro, que possam implicar no aprimoramento do seu conhecimento jurídico.

ConJur — Os advogados têm certas limitações de publicidade online. O senhor acredita que deva existir um aprimoramento dessas regras? O que achou do provimento especial da OAB que é contra a ostentação?
Mário — Vínhamos de um passado em que captação de clientela era algo não só reprovável, como uma infração ética e quase que um crime. Propaganda, então, pelo amor de Deus. Por outro lado, a evolução da vida não pode ser ignorada. As redes sociais são uma realidade, mas precisamos realmente tomar muito cuidado. Acho que o advogado lida com a liberdade dos seus clientes, com o patrimônio dos seus clientes, com o futuro, com a família dos seus clientes. É preciso tomar muito cuidado para que não haja abuso em que uma pessoa mais desavisada acabe sendo seduzida por uma propaganda e contrate um profissional que talvez não seja o mais indicado para aquela sua situação específica.

É preciso tomar muito cuidado para que essa divulgação dos serviços profissionais esteja sempre vinculada ao que interessa, que é, efetivamente, o conhecimento do advogado, a sua capacidade. O patrimônio que ele ostenta ou deixa de ostentar não necessariamente diz respeito à qualidade do seu serviço profissional.

E cabe sim à OAB fiscalizar efetivamente para que não haja abusos. Temos que ter também o cuidado para que os profissionais que tenham eventualmente condições de ostentar não usem isso para desequilibrar ainda mais a concorrência, entre aspas, com os demais profissionais. É um tema muito delicado, é um tema que a Aasp tem acompanhado. Temos visto abusos em ferramentas, em geral de redes sociais, inclusive TikTok. Temos também noticiado à OAB quando detectamos determinados abusos ou exageros.

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