Opinião

Lei do Superendividamento é uma luz para o consumidor endividado

Autores

  • Felipe Granito

    é advogado sócio do GBA Advogados Associados mestre em Direito Processual Civil na PUC-SP pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Magistratura (EPM) graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor universitário.

  • Thiago Regis F. Donato

    é integrante da equipe do escritório GBA Advogados Associados.

23 de dezembro de 2021, 6h32

O superendividamento é um dos maiores problemas dos consumidores no país. Dados do Mapa da Inadimplência no Brasil, divulgado pela Serasa, mostram que mais de 60 milhões de pessoas enfrentam a situação, que se agravou com a pandemia. Nessa conjuntura, que pedia urgência, entrou em vigor a Lei Federal 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, apresentando-se como uma solução para consumidores nessa situação.

Tendo alterado o Código de Defesa do Consumidor, a nova diretriz traz como principal destaque um instrumento de renegociação de dívidas em bloco, no qual, em um procedimento semelhante às recuperações judiciais, a pessoa física pode negociar agora com todos os seus credores de uma única vez, criando um plano de pagamento dentro de suas possibilidades.

Inicialmente, é preciso entender três pontos importantes: a quem este novo mecanismo se aplica; o local que deve ser feita a renegociação; e quais dívidas podem ser negociadas.

O primeiro ponto está em seu artigo 54-A, que especifica que a norma é aplicável às pessoas naturais superendividadas, conceituadas como aquelas de boa-fé, que contraíram dívidas além de seu orçamento financeiro, não conseguindo mais garantir o pagamento, incluindo as vincendas, sem comprometer seu "mínimo existencial". Isso significa que seus devidos são maiores do que os gastos necessários para garantir direitos fundamentais, como moradia e alimentação, bem como sem colocá-lo à margem da sociedade.

Em relação ao local, além dos tribunais estaduais, a lei autoriza que a negociação seja feita nos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o Procon, Ministério Público e a Defensoria Pública. Já sobre a tipificação das dívidas possíveis de se entrar no bloco, ficou definido que poderão ser negociadas aquelas de consumo (carnês e boletos); as contas de água, luz, telefone e gás; os empréstimos com bancos e financeiras, inclusive cheque especial e cartão de crédito; e os crediários. Deixando de fora as dívidas tributárias, de pensão alimentícia, o crédito habitacional e rural, além daquelas oriundas de produtos e serviços de luxo.

Tendo-se ciência desses pontos, o procedimento se inicia com uma solicitação junto à Justiça (tribunais estaduais) ou aos órgãos de defesa do consumidor mencionados, em que a pessoa deverá informar as dívidas totais e o orçamento doméstico com o máximo de detalhamento. No judiciário, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo de "Repactuação de Dívidas", e o próprio interessado apresentará um plano de pagamento de cinco anos, sendo os credores convocados a apresentarem documentos e se manifestarem sobre a renegociação, observando o processo conciliatório (artigo 104-A).

Em seguida, nessa audiência, os credores podem concordar ou não com o plano apresentado. Em caso positivo, o acordo é homologado pelo juízo, possuindo a sentença judicial força de um título de execução de dívida. No caso de discordância, o juízo poderá elaborar um plano de pagamento judicial compulsório, sendo a dívida paga somente após àquelas dos credores que aceitaram a proposta. Ainda, nos casos em que os credores não comparecerem à audiência, poderá o juízo suspender a dívida, juros e multas dos valores inadimplentes, bem como impossibilitar que eles cobrem a pessoa devedora durante a vigência do acordo em bloco.

Importa salientar, também, que na sentença homologatória ficam definidas as condições do pagamento, como eventual desconto, quantidade e valor das parcelas etc, além da duração do plano de restituição. O parecer ainda determina quando o consumidor será retirado dos cadastros de inadimplentes e estabelece a suspensão ou extinção de ações judiciais de cobrança, assim como a obrigação do consumidor de não contrair novas dívidas.

A lei fixa outras disposições importantes, entre elas a obrigação de bancos, financiadoras e empresas de crédito que vendem a prazo em informar com exatidão ao consumidor, no ato da oferta, o valor total das parcelas, juros e demais encargos que incidirão em caso de inadimplemento, bem como fornecerem cópia do contrato a ser celebrado, informando a identidade do funcionário que firmar o contrato (artigo 54-B e art. 54-D); a possibilidade de o consumidor antecipar o pagamento de parcelas, obrigando os credores a renegociar a dívida sem acréscimos (artigo 54-B, inciso V); a proibição expressa do assédio e qualquer tipo de pressão aos consumidores no oferecimento de crédito, produto ou serviço, bem como condicionar a concessão de crédito à renúncia ou desistência de processos judiciais; e, por fim, o emprego de qualquer meio que venha a dificultar a compreensão dos riscos da contratação, principalmente quando envolver idosos, doentes e consumidores em estado de vulnerabilidade (artigo 54-C).

Com os índices de desemprego cada vez maiores e a delicada situação econômica que o Brasil enfrenta, fazia-se necessária a criação de uma medida ao consumidor para superar uma situação de superendividamento. Antes da lei, a pessoa em tal situação não encontrava na Justiça uma alternativa sólida para superar sua crise econômica pessoal, a exemplo das que envolvem recuperação judicial. Com o advento da Lei 14.181/21, porém, surge uma luz aos superendividados do Brasil, com a disposição de mecanismos e direitos que consumidores de outros países já tinham.

Tal lei se apresenta como uma interessante alternativa aos consumidores superendividados e possibilita, na pratica, o direito básico das pessoas ao crédito responsável e à educação financeira. Dessa forma, o consumidor tem consciência exata dos prós e contras de se contratar um empréstimo, estimulando, portanto, o consumo consciente e sustentável, além de possibilitar uma saída para crises econômicas pessoais que milhões de brasileiros já enfrentam e preencher uma lacuna legal antes existente.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados), mestre em Direito Processual Civil na PUC-SP, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Magistratura e professor universitário.

  • é integrante da equipe do escritório GBA Advogados Associados.

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