Opinião

Notícia falsa por si só não é conduta criminosa

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

18 de dezembro de 2021, 15h11

De uma vez por todas e para que fique bem claro, não existe o crime de fake news. Propalar notícia falsa só será conduta criminosa se houver adequação típica em uma normal penal incriminadora, isto é, que exista no ordenamento jurídico, como crime contra a honra, ameaça, racismo, incitação ao crime ou apologia a criminoso.

Com efeito, não é crime criticar as urnas eletrônicas, as vacinas, o distanciamento social, entre outras condutas semelhantes, posto que o sujeito estará a exercer o direito constitucional de livremente se expressar (artigo 5º, IV, da CF). Mesmo que a notícia seja falsa, mas não se enquadrar em um tipo penal expressamente previsto em lei e que tenha seguido o trâmite legislativo regular, não há crime a punir.

A única conduta que podemos chamar de "fake news eleitoral" está prevista no artigo 323 do Código Eleitoral, cuja redação foi alterada pela Lei nº 14.192/2021, que diz: "Artigo 323  Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado. Pena detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa".

Referida norma penal somente é aplicável na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral e exige que o agente saiba que os fatos são inverídicos (dolo direto) e que sejam eles capazes de influir perante o eleitorado, não sendo elemento do tipo que tenham potencial para definir a eleição.

Lembro que a Lei de Segurança Nacional foi revogada e que a lei que define os crimes que atentam contra o Estado democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021), que revogou a primeira, não mais prevê crimes de opinião, que se encontram elencados no Código Penal ou em outra lei especial, como a que pune os crimes de racismo e o próprio Código Eleitoral, aplicável de forma restrita às eleições ou que a conduta a elas atinja ou tenha o potencial de atingir.

A norma penal aplicável a delito de opinião que, em tese, atenta contra a ordem democrática está prevista atualmente no parágrafo único do artigo 286 do Código Penal, que diz: "Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade". A pena para esse delito, nos termos do caput do dispositivo, é de três a seis meses de detenção, ou multa, sendo, portanto, crime de pequeno potencial ofensivo, passível de transação penal e que muito dificilmente ensejará pena detentiva ou decretação de prisão cautelar (temporária ou preventiva).

Minha sugestão para reduzir o crescente número de notícias falsas (fake news) divulgadas pela mídia em geral e pela internet é incluir no Código Penal o crime de notícia falsa, assim definido: "Artigo 299-A  Divulgar, por qualquer meio, fato que sabe ou deve saber ser inverídico ou alterado, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou para causar a terceiro dano material ou moral. Pena detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Parágrafo único. Se a divulgação se dá pela mídia ou rede mundial de computadores, a pena é aumentada da metade." 

Como o tipo é doloso (dolo direto ou eventual), não há como o sujeito alegar violação ao direito de informar, uma vez que nenhuma garantia constitucional pode ser empregada para prejudicar indevidamente direito de outrem e, notadamente, para cometer delitos.

O direito de comunicação existe para serem divulgadas notícias verdadeiras, e não inverídicas ou deturpadas.

A norma, além do profissional de comunicação, alcança a todos os que tornarem público ou compartilharem o fato.

Divulgar notícia falsa pode ensejar a perda do mandato eletivo ou impedir o registro da candidatura se houver abuso de poder político ou econômico com potencial de repercutir nas eleições ou no eleitorado. Também pode constituir ilícito civil se causar dano, material e/ou moral, a terceiro, ensejando o dever de indenizar (artigo 927 do CC). Portanto, a punição pode ocorrer no âmbito extrapenal e no âmbito penal naqueles casos já mencionados, em que a conduta esteja tipificada em uma norma penal incriminadora.

Resumidamente, não existe crime de notícia falsa e qualquer conduta, para que seja passível de punição no âmbito penal, deve estar expressamente prevista em uma norma penal incriminadora, cuja vigência lhe seja anterior, observado o princípio da legalidade, direito fundamental contido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Magna Carta.

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