Opinião

Peças jurídicas: tamanho é documento? Como comprar um peticionômetro!

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13 de dezembro de 2021, 11h10

Este artigo deve ser lido com bom humor. O assunto é leve. Sim, sei que há coisas muitíssimas mais importantes. Por exemplo, 13 de dezembro é a data do AI-5, ato mais terrificante em termos jurídicos já editado no Brasil. Mas sobre isso já escrevi muito.

Spacca
O texto que agora comentarei me instigou. E, de certo modo, inspirou-me. Afinal, mais de três páginas é embargo de enrolação? Recurso especial com mais de dez páginas ninguém lê? Ou está destinado ao fracasso? Isso é, mesmo, inspirador, não acham?

Com efeito.

Volta e meia o assunto retorna. A brevidade, o atalho, a simplificação e a ojeriza que existe em relação a textos longos. Incluídos os petitórios. Muita gente dando conselhos aos advogados. "Seja breve e conciso, causídico". "Se escrever muito, ninguém lerá"!

Bem, foi mais ou menos isso que entendi do — longo — artigo do assessor do Superior Tribunal de Justiça, Leonis de Oliveira Queiroz. (ler aqui). Tenho de medir muito bem as palavras. Nem de longe pretendo arrumar briga com quem examina as petições no Tribunal.

Aliás, como retranca, já deixo aqui meus elogios ao Leonis pela iniciativa de discutir o tema do tamanho das juspeças. Não é por acaso que moderação sempre foi tida como uma virtude. Sou amicus das Cortes. Ortodoxo defensor das instituições, como se pode ver pelos meus tantos textos sobre o tema. Quem os lê, sabe.

Feita essa cautelar epistemológica, vamos ao ponto. O próprio texto do Leonis — embora esteticamente bem escrito — está um pouco longo, se me permitem, lhanamente, dizer. A começar por informações desnecessárias, como falar de que "nós aprendemos com nossos pais que quem fala demais…". É um dito popular. Indago: Por que ele é importante para discutir o tema? Ninguém precisa saber o que os pais ou avô de alguém disseram, a menos que tenham sido experts em determinado tema. Em nome da concisão, da objetividade… bom, que o diga Leonis.

Por outro lado, o artigo de Leonis não perderia o brilho se não contivesse tantas notas e citações que servem apenas de ornamento. Veja-se: os autores citados não são experts em metodologia e nem escreveram tratados sobre comunicação judiciária. Embora possam ser muito importantes em outras áreas do Direito. Um pouco de objetividade viria bem, diziam os avós. Para dizer Bonjour, não é necessário fazer nota remetendo a Baudelaire.

Aliás, aqui vai uma pauta: citação de autor não deve ser ornamento; ele tem de ser fundamento para. Mede-se a importância da citação se, mesmo sem ela, o texto permanece substancioso. Citação é substância. Fundamenta.

Por que estou dizendo isso? Por causa dos paradoxos. Por exemplo, quem disse que o livro de papel acabaria, escreveu um livro. Em papel. Ou seja, se Leonis quer ensinar como se escreve de forma objetiva, sem firulas, já comete ele mesmo os equívocos que denuncia.

De novo — e de todo modo — isso, ao menos para mim, não se apresenta problemático. Meço-me, aqui, pelas premissas de Leonis. Seus próprios fundamentos.

Dou razão ao ministro Barroso — e ao Leonis — quando diz que temos de ser menos chatos e mais breves. Isso vale para votos de ministros também. Eu poderia trazer aqui muitos longos votos… que, empiricamente, contradizem a afirmação de ambos.

E eu não seria tão peremptório como o desembargador citado por Leonis. Não dá para dizer que petições com menos laudas são melhores (aptas ao sucesso) e com mais laudas, piores. Não existem respostas antes das perguntas.

Uma petição ou um voto não podem ser avaliados pelo seu tamanho. Leonis e eu estamos de pleno acordo. Só que de minha parte fico um pouco chateado com o modo de dizer que "discussões abstratas de cursos de mestrado" são deletérias… Sim, sei que não foi Leonis quem disse. Mas foi alguém que ele cita. Veja-se: cita-se e passa-se a responder pela citação. Não se pode ter o melhor dos dois mundos.

Eu poderia fazer um pequeno laboratório utilizando os critérios de verificabilidade do empirismo contemporâneo (que eu adaptei para CHS — Condição Hermenêutica de Sentido). Testa-se um enunciado colocando um "não" na afirmação. Se nada muda no sentido, é porque o enunciado é vazio — algo como "os duendes se apaixonam na lua". Se colocar um “não”, nada acontece. Duendes não existem… Portanto, dizer que petições de embargos com mais de três laudas são "enrolatórias" (sic) é vazio de sentido. Qual é a evidência empírica? Percebem? Se queremos objetividade, temos o ônus de demonstrar.

Também fico chateado quando alguém vem ensinar aos causídicos — e nem de longe estou a dizer que essa é a pretensão de Leonis — que recursos com mais de dez laudas são fadados ao fracasso. Ora, o furo é mais embaixo, caro Leonis. O problema dos recursos no Brasil não está no seu número de laudas. De todo modo, outra vez, aplicando a CHS: Qual é a condição de sentido para esse enunciado? Qual é a evidência empírica dessa afirmação? Existem dados? Compreende, caro Leonis (permita que assim o chame), o que este causídico, sem discordar de você, quer dizer?

Estamos juntos. O gol é do outro lado. Mas não alteremos o samba tanto assim. Sua nota de rodapé 7 mostra mais uma vez os problemas "dos compromissos epistêmicos" que se assume quando se escreve um artigo que se destina à esfera pública. Leonis diz que olhou no Google para dizer que um livro possui no mínimo 48 páginas. Eu também olhei e de acordo com a UNESCO (que, cá para nós, não é fonte metodológica, assim como Wikipédia e quejandos — mas, enfim, está no Google), um livro deve conter pelo menos 50 folhas. Caso contrário, é considerado um folheto. Aliás, são folhas ou páginas? O Google é mesmo uma selva. Mas isso é irrelevante. Qual o tamanho das folhas? E das letras? E qual é importância disso na relação com petições? Para dizer que uma petição longa é como um livro?

E por qual razão Leonis diz que as petições devem seguir a ABNT? Uma coisa é uma coisa; outra coisa… Petição não é trabalho cientifico-acadêmico. A propósito: o texto de Leonis e nem o meu seguem a ABNT. Nem gosto da ABNT. Imagine Habermas escrevendo sob a ABNT.

Aliás, ABNT? Qual é a normatividade do uso da ABNT? Qual é o fundamento de validade? E a sanção? Se eu não usar, o que acontece? Algum regimento interno manda aplicar ABNT?

E a crítica ao número de laudas de embargos? Caro Leonis: Talvez melhor que dizer que os ED não devem ter mais do que 3 páginas seria criticar o modo como os juízes e tribunais respondem, em um parágrafo, aos EDs. Compreende?

Numa palavra final, não posso deixar de, agora sim, fazer uma crítica um pouquinho mais dura. Isto porque penso ser despiciendo Leonis lançar conselhos como "não é necessário tentar ensinar direito ao juiz". Claro que não é necessário. Do mesmo modo como não se deve tentar ensinar aos causídicos como escrever embargos em três laudas. Compreende? Não vou discutir, aqui, a impossibilidade de cindir "fato" e "direito". Mas até deveria.

Enfim, Leonis e Lenio estão juntos. Tentei, de forma lhana e humorada, sem deixar de lado o rigor epistemológico, mostrar a posição do outro lado do balcão — a do advogado. Cujas petições são analisadas por Leonis. E não quero fazer "treta" com assessoria nenhuma. Sou amicus.

Meu texto foi escrito com menos caracteres do que o de Leonis. O que não quer dizer que seja melhor do que o dele. Afinal, tamanho não é documento. Certo?

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