Opinião

Brevidade das petições judiciais: tamanho é documento?

Autor

  • Leonis de Oliveira Queiroz

    é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

11 de dezembro de 2021, 11h14

Desde muito cedo aprendemos com nossos pais que "quem fala demais dá bom dia a cavalo" [1]. Esse ditado popular nos alerta sobre a importância de sabermos o que falar, como falar, e quando falar, sob pena de não sermos ouvidos, ou pior: de sermos punidos pelo que falamos. Tal máxima ganha grande importância quando se trata de petições endereçadas ao Poder Judiciário, notadamente em tempos de racionalização da atividade judiciária com vistas a efetividade da prestação jurisdicional.

Petições longas, com linguagem pedantemente rebuscada e recheadas de prints e jurisprudências que incham a peça, têm grandes chances de não serem bem-vistas por quem está analisando o processo. Tais peças são incompatíveis com o trabalho cotidiano do Poder Judiciário, que não tem tempo de ficar analisando filigranas. Quem pede, tem de saber pedir. Vaidades precisam ser deixadas de lado. Não é necessário tentar ensinar o Direito ao juiz.

Em icônico julgado, o Superior Tribunal de Justiça dispôs que, apesar de não haver óbice jurídico que limite o número de páginas em uma petição, "esse quantum fica a critério exclusivo do bom senso do advogado, a quem se recomenda buscar sempre a empatia do julgador, facilitando o seu acesso às teses jurídicas tratadas na lide" [2].

A razoável duração do processo impõe que as peças endereçadas ao Poder Judiciário se revistam de objetividade, clareza, brevidade e concisão, especialmente diante da avalanche de processos que são diariamente distribuídos em todos os graus de jurisdição. Não há espaço para prolixidade [3]. nem para divagações imprecisas. Assim, é certo que:

"Em uma época em que se buscam a celeridade e a economia em prol de um resultado efetivo e justo para as partes e para a sociedade, mostra-se despropositada a petição de 118 laudas que reitera pormenorizadamente os passos do processo, repetindo longos parágrafos de manifestações anteriores, sem atentar para a finalidade específica do recurso especial, que sabidamente não se presta à revisão de todas as questões versadas  (…)" [4].

Em famoso artigo intitulado "A revolução da brevidade", publicado no jornal Folha de S.Paulo de 17/7/2008, p.3 [5], o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que à época atuava como advogado, já alertava que:

"Nos dias atuais, a virtude está na capacidade de se comunicar com clareza e simplicidade, conquistando o maior número possível de interlocutores. A linguagem não deve ser um instrumento autoritário de poder, que afaste do debate quem não tenha a chave de acesso a um vocabulário desnecessariamente difícil. (…). Pois agora que finalmente conseguimos nos comunicar com o mundo, depois de séculos falando para nós mesmos, está na hora de fazermos outra revolução: a da brevidade, da concisão, da objetividade. Precisamos deixar de escrever e de falar além da conta. Temos de ser menos chatos".

Nos autos do Agravo de Instrumento nº 2014.024576-2/TJSC, o desembargador Luiz Fernando Boller afirmou que "uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 20, 35 ou 50 folhas, provavelmente não (…) em verdade, petições e arrazoados começaram a se complicar com a introdução da informática no mundo forense. O 'copia e cola' estimulou longas manifestações. Além disto, as discussões abstratas dos cursos de mestrado trouxeram aos Tribunais pátrios o hábito de alongar-se nas considerações".

Os chamados "reforços argumentativos", ou obiter dictum, devem, quando muito, serem apresentados em memoriais, ou anexos, e não no próprio bojo da peça processual, pois, "o inovador conceito de 'obiter dictum recursal' apenas indica que a parte não tem interesse recursal nos pontos agitados. Se os argumentos foram 'ditos para morrer', não merecem apreciação pelo Judiciário" [6].

Peças extensas, com razões que não expressam com clareza e objetividade os motivos que levam à parte a postular perante o Poder Judiciário, além de passarem uma má impressão a quem está analisando os autos (caráter protelatório, prolixo), correm o sério risco de não serem integralmente lidas.

Até mesmo a formatação realizada de modo descoordenado, isto é, com exageros no uso de negritos, sublinhados, capslock, e coloridos, dificultam a análise do direito reclamado. Não é nem uma questão de má vontade de quem está analisando a peça processual, que, ao revés, desempenha suas atribuições com zelo e atenção, mas de dificuldade em entender o que a parte realmente quer. Quem sabe o que quer fala diretamente, sem rodeios.

As normas formais da ABNT precisam ser observadas, e não somente elas, mas as do bom senso, da conveniência, e da utilidade, notadamente por quem é profissional do direito, e tem como principal ferramenta o uso da palavra.

É óbvio que casos mais complexos demandam maior esforço argumentativo, o que não raras vezes exige do postulante um detalhamento maior dos fatos e do direito que pretende alcançar com a demanda, bem como, a demonstração de que as suas teses contêm respaldo na doutrina e na jurisprudência. Apesar de saber que mesmo nessas hipóteses é possível redigir com objetividade, não é desses casos que o presente artigo trata, mas daqueles em que, no afã de demonstrar o seu direito, a parte redige verdadeiros livros [7].

Em tese, uma petição inicial não deve conter mais de 20 laudas. Especialmente porque nas instâncias ordinárias vigora a máxima de que a corte conhece o direito, sendo necessário apenas que a parte lhes apresente os fatos. E convenhamos que 20 páginas já é um número bem generoso para que o peticionante relate os fatos que permeiam a controvérsia, e até aponte qual a norma jurídica que abrigaria a sua pretensão.

Embargos de declaração com mais de três páginas já não têm caráter aclaratório, mas "enrolatório". Recursos, tanto os direcionados aos Tribunais de Justiça como às cortes superiores, não devem conter mais de dez páginas, de sorte que a parte não precisa repetir todo o desenrolar do processo, mas apenas apontar diretamente a norma violada (especificando o artigo, alínea e parágrafo), fazendo, de forma objetiva, a necessária conexão dialética entre a decisão recorrida e o texto da norma.

Os artigos 4º, 5º e 6º do CPC/2015 trazem os princípios da duração razoável do processo, boa-fé e cooperação, sendo que aquele que toma o tempo do Poder Judiciário com petições extensas e prolixas na argumentação, não agem de acordo com tais princípios, muito pelo contrário, abusam do direito à inafastabilidade da jurisdição.

É certo que existem muitos advogados que redigem longas petições na intenção de que o recurso não seja nem tão cedo analisado. As cortes superiores também estão de olho nessa manobra, e não raras vezes, o recurso sequer é conhecido [8].

Conforme alerta Fábio Ulhôa Coelho: "Firulas, floreios e rapapés são perniciosos porque redundam em inevitável desperdício de tempo, energia e recursos. Combater esses vícios de linguagem, por isso, tem todo o sentido no contexto do aprimoramento da Justiça (…). Alegar que estimular maior objetividade fere o direito de acesso ao Judiciário ou à ampla defesa é firula. Lamentar que a concisão importa perda de certo tempero literário das peças processuais é floreio. Objurgar que o comedimento agride a tradição é rapapé" [9].

Portanto, aos olhos de quem analisa diariamente várias peças processuais, tamanho é documento. Por isso, a razoabilidade, o poder de síntese e a objetividade são requisitos que não podem ser ignorados.

 


[2] REsp 1218630/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10/3/2011.

[3] "A parte recorrente disserta prolixamente, não atendendo ao mínimo necessário para que o agravo possa ser analisado por esta Corte, qual seja, o de indicar e o de demonstrar juridicamente qual as razões de fato e de direito que amparam a sua irresignação […]" (EDcl no AREsp 127.113/RS, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/03/2012, DJe 21/03/2012).

[4] REsp 536.585/ES, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 6/10/2003, p. 284.

[5] O artigo encontra-se também disponível em: https://oab-ms.jusbrasil.com.br/noticias/70514/a-revolucao-da-brevidade-luis-roberto-barroso > Acesso em 8/12/2021.

[6] AgInt no AREsp 1078487/MG, relator ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 11/06/2021.

[7] Conforme pesquisa realizada no google com os termos "o que é um livro?" podemos encontrar: "[Para fins de documentação, é uma publicação não periódica com mais de 48 páginas, além da capa.]".

[8]  Embora a insurgência conte 56 folhas para se contrapor à decisão de duas folhas, a parte não se desincumbiu do ônus de impugnar de forma específica os fundamentos do juízo agravado, optando por reiterar as razões já afastadas monocraticamente. Hipótese de incidência da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do artigo 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada). 4. Agravo interno não conhecido. (AgInt no AREsp 1078487/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 11/6/2021).

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