Opinião

E a farsa dos meteoros continua

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10 de dezembro de 2021, 9h16

Insinuações levantadas pelo ministro Paulo Guedes de que os precatórios constituiriam meteoro proveniente de decisões proferidas por ministros do STF opositores ao Executivo, e teriam como causa indústria de precatórios, conivente com a Advocacia-Geral da União (AGU) e com os demais atores do processo judicial (advogados, Ministério Público, juízes, corregedores, órgãos auxiliares, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) etc.), pautaram a tramitação da PEC dos Precatórios. As falas agressivas estão compiladas aqui

Spacca
A narrativa do ministro, em que pese sua manifesta improcedência, levou o Senado Federal a alterar a PEC 23/21 para prever comissão mista que auditará as ordens judiciais, sob a desmentida premissa de não haver explicação para o incremento no valor dos precatórios a serem pagos em 2022. O próprio Ministério da Economia, por meio do ex-secretário do Tesouro Bruno Funchal, confessou perante a CCJ, em 9 de setembro, e perante a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em 29 do mesmo mês, conhecer a razão para tal. Trata-se de ter, o Judiciário, alcançado inédita eficiência. Até 2018, a expedição de precatórios era resultado de 12 ou 13 anos de tramite processual, hoje essa média é de sete anos — redução de 50%. Trouxe gráfico a demonstrar a correlação evidente.

A eficiência judicial interessa, sobretudo, ao Estado, que é o maior litigante, responsável por 83,19% dos casos (CNJ), contribuindo sobremaneira para o custo de R$ 100 bilhões ao ano do Judiciário (CNJ). Se em 2021 os precatórios alcançaram R$ 89 bilhões, em 2019, a receita carreada aos cofres públicos em razão da atuação da Justiça foi de quase R$ 80 bilhões (CNJ).

Às vésperas da aprovação da inconstitucional PEC 23/21, divulgou-se relatório da AGU segundo o qual haveria a probabilidade de, um dia, a União sucumbir em ações judiciais e administrativas que perfazem, segundo conta sua, R$ 926 bilhões. Para além de a referência ser a uma probabilidade, e não a uma certeza, nem tudo será objeto de precatório, e quando o desfecho das ações se daria é dado imprevisível. Se a União perde um feito administrativo perante o Carf, se não é exitosa em uma execução fiscal, se o contribuinte vencedor opta por compensar o crédito como permite a lei, nada disso culmina em precatório. Por outro lado, se a AGU aponta passivo contingente de R$ 926 bilhões, também aponta, no relatório de 2020, a economia obtida em favor da União, de mais de meio trilhão de reais. Segundo o órgão, cuida-se de "valores dos pedidos judiciais que, em virtude da atuação da AGU, foram julgados total ou parcialmente improcedentes pelo Poder Judiciário; e os valores que foram reduzidos em virtude da realização de acordos, impugnações de execuções ou representaram ganho de eficiência operacional da AGU e outros órgãos da Administração Pública Federal".

Ainda que a probabilidade de perda não fosse compensável com as inúmeras vitórias judiciais da AGU  a União ganha 60% das causas , fato é que o calote nos precatórios só agrava a situação fiscal do Brasil. Às futuras condenações, que têm origem na escolha da União pela ilegalidade, se somarão os saldos dos precatórios que ano a ano, até 2026, deixarão de ser pagos. É fácil constatar que o malefício não vem da eficiência do Judiciário, mas, sim, da recalcitrância do poder público em cumprir, em dia, suas obrigações.

No trâmite da PEC 23/21, o Judiciário foi ignorado em seus precedentes que vedam restrições ao pagamento de precatórios devidos pela União, o que importará em novos litígios e custos. Suas ordens têm sido descumpridas, como registra a resposta dada pelo Congresso Nacional à determinação de fornecimento dos beneficiários e dos valores de emendas do relator ao orçamento. A eficiência judicial foi rejeitada e os êxitos alcançados pela AGU, totalmente desprezados. Os credores, aqueles que o Estado lesou e que o Judiciário amparou, foram especialmente atingidos. O futuro financeiro do país está sendo comprometido como demonstram os órgãos consultivos do Congresso Nacional ao apontar que a PEC importará em acumular saldo expressivo de precatórios federais em 2026.

Essa virulência ao Estado de Direito se dá em nome da reeleição e à satisfação de emendas parlamentares, sob o pretexto de a PEC 23/21 ser necessária à aprovação do Auxílio Brasil. A PEC garante, em razão da sincronicidade na correção do teto de gastos e da exclusão dos precatórios do Fundef desse mesmo teto, espaço orçamentário da ordem de R$ 65 bilhões. Desnecessário, portanto, o calote.

Não é crível que aquele que foi lesado pelo Estado e obteve um precatório a reparar seu dano seja novamente lesado com moratória imposta em nome de uma farsa! Mas, se "as angústias mais cerradas deixam sempre uma clareira iluminada por uma réstia de esperança" (Coelho Neto), a aprovação da PEC do Calote nos deixa não a esperança, mas a certeza, calcada em diversos precedentes, de que o Judiciário não se curvará a razões de Estado, especialmente, as inventadas.    

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