Opinião

A irresponsabilidade do sócio retirante pelos débitos tributários da pessoa jurídica

Autores

  • Felipe Monteiro Mello

    é pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

  • José Eduardo Figueiredo de Andrade Martins

    é advogado professor dos cursos de graduação e pós graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo doutor e mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo e pós-doutorando pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra.

8 de dezembro de 2021, 15h16

Decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça têm pacificado questões importantes acerca da (ir)responsabilização do sócio retirante pelos débitos da pessoa jurídica, tornando o ambiente de negócios e a dinâmica societária muito mais seguros.

Em primeiro lugar temos o Tema Repetitivo nº 962, julgado em 24 de novembro deste ano, o qual envolvia a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que se retirou regularmente da empresa, posteriormente dissolvida irregularmente, embora o fato gerador tributário tenha ocorrido no período em que exercia a sua gerência. Quem seria o responsável: o sócio com poder de gerência à época do fato gerador do tributo não pago (sócio que se afastou da sociedade de maneira regular) ou o sócio que integrava a sociedade no momento da dissolução irregular?

A posição do STJ foi pela irresponsabilidade pessoal do sócio que regularmente se retirou, mesmo que à época gerenciasse a empresa. A justificativa é que o fundamento de dissolução irregular da pessoa jurídica, base para o redirecionamento da execução fiscal, não pode ser atribuído para aquele que regularmente realizou o ato de retirada. Como foram cumpridas suas obrigações sociais, não há motivo para ser responsabilizado pelo débito tributário da pessoa jurídica que regularmente não mais integra.

A exceção para esse caso ocorre somente quando ficar comprovado que o sócio ou terceiro não sócio com poder de administração, praticou atos com excesso de poderes ou violou a lei, o contrato social ou os estatutos. Nessa situação haverá responsabilidade pessoal, nos termos do artigo 135, III, do Código Tributário Nacional. Em outras palavras, a prática de um comprovado ato ilícito, extrapolando os limites dos regulamentos por aqueles com poderes de gerência, faz surgir a possibilidade de redirecionamento da cobrança judicial do débito fiscal contra eles.

Esse posicionamento do STJ ainda reforça o disposto na Súmula 430, trazendo maior segurança jurídica nas tratativas sociais, a qual dispõe que "o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilização solidária do sócio gerente".

Tais entendimentos servem para reiterar um elemento primordial que precisou ser explicitado no artigo 49-A do Código Civil: os (ex-)sócios, associados, instituidores ou administradores não se confundem com as pessoas jurídicas. A existência de dívidas com o Fisco acaba por fazer parte do cotidiano das atividades empresariais, assim como o seu inadimplemento é uma consequência que pode ser esperada tanto quanto o pagamento, com as suas devidas medidas de execução forçada. Logo, dentro dessa normalidade e das regras do jogo processual, não há espaço para afastamento da essencial distinção entre pessoa jurídica e seus representantes. A autorização advém de outro elemento, ilícito, que subverte a dinâmica da relação processual-fiscal.

Outro importante julgamento sobre tema semelhante, ainda pendente, será realizado pelo STJ no Tema nº 981. Nele se discute a responsabilidade dos sócios administradores que eram integrantes de uma sociedade dissolvida irregularmente pelos débitos tributários, frutos do redirecionamento de uma execução fiscal. O que muda nesse julgamento, todavia, é que se discutem duas situações distintas. Primeiro, a responsabilidade pelo fato gerador ocorrido enquanto sócios administradores com poderes de gerência que não são anterior e regularmente retirantes. Em segundo lugar, a responsabilidade pelo fato gerador ocorrido enquanto sócio administrador que não tinha exercido os poderes de gerência.

Para se ter coerência e integridade na jurisprudência do STJ, assim como demanda o artigo 927 do CPC, é preciso que o Tema Repetitivo nº 981 siga o fundamento do Tema Repetitivo nº 962 e da Súmula nº 430 do STJ. Em outras palavras, que o mero inadimplemento não pode ser considerado um ato ilícito a fim de responsabilizar pessoalmente os sócios, com poderes de gerência ou não.

Logo, é necessária a prática de um ato violador dos limites impostos pela lei ou pelos poderes conferidos pelo contrato social ou estatutos para que haja responsabilidade, independentemente de quem seja o sócio com poderes de gerência, tendo dado causa ou não ao fato gerador. O foco, portanto, está no ato praticado, e não no inadimplemento do tributo. É compreender que o não pagamento da dívida tributária é um evento possível, provável, dentro da dualidade entre adimplemento e inadimplemento, a ponto de o próprio legislador ter previsto especificamente atos a serem realizados pelo Fisco em busca da satisfação de seu crédito fiscal.

Tal entendimento fica mais evidente com pronunciamentos anteriores do STJ. A título exemplificativo, a 2ª Turma, quando do julgamento do AgRg no AREsp 615.303/RS, restou consolidado que, seja sócio-gerente, seja administrador, mesmo não integrando a sociedade quando do fato gerador do crédito tributário, é possível o redirecionamento da execução fiscal se há infração à lei pela dissolução irregular da empresa, em observância ao já supracitado artigo 135, III, do CTN.

Todavia, há julgado divergente da 1ª Turma. No AgInt no REsp nº 1569844/SP, restou decidido que o responsável tributário tenha de ter exercido a função de gerência no momento do fato gerador e da dissolução irregular da sociedade. Caso contrário, é inadmissível o redirecionamento da execução fiscal.

Nota-se que, se por um lado a 1ª Turma exige o exercício da função gerência pelo sócio a quem se pretende redirecionar a execução fiscal no momento do fato gerador e da dissolução irregular da sociedade, para a 2ª Turma basta que o sócio tenha poderes de gerência ou administração, não sendo necessário que ele ainda integre a sociedade quando da ocorrência do fato gerador do crédito tributário.

Por isso é importante que o STJ pacifique o quanto antes o conteúdo do Tema Repetitivo nº 981. A nosso ver, deve prevalecer o entendimento de que, havendo a dissolução irregular da sociedade, sendo o sócio administrador ou exercendo poderes de gerência, deve haver a sua responsabilização pelos débitos tributários da pessoa jurídica, à luz do disposto no artigo 135, III, do CTN, do fundamento do Tema Repetitivo nº 962 e da Súmula nº 430 do STJ. A exigência de cumulação de requisitos, assim como faz a 1ª Turma, apenas incentiva a violação do direito de crédito do Fisco através de atos irregulares e abusivos, com infração à lei, aos contratos sociais e aos estatutos.

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