Escritos de Mulher

Feminicídio, a maior vergonha nacional

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8 de dezembro de 2021, 8h00

Houve um tempo em que, quando os homens matavam suas esposas, namoradas ou amigas, por ciúme exacerbado, sentimento de posse ou vingança, tal condutada era apelidada de "crime passional", ao menos perante o tribunal do júri. Ou seja, o assassinato havia sido motivado por intensa "paixão", mas tal conduta nunca se tratou de paixão amorosa, muito ao contrário, a conduta homicida nada tem a ver com o amor.

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Se levarmos em consideração que o termo "paixão" não é sinônimo de amor, mas significa sofrimento ou tortura, paixão vem a ser sinônimo de dor. A paixão que leva ao assassinato nada tem a ver com sentimentos nobres, mas sim com sentimentos de revolta, destrutivos e, por vezes, abomináveis.

Diante de tantas distorções no entendimento dos termos usados para definir um assassinato e confundir os jurados no tribunal do júri, criou-se uma celeuma que culminou com uma nova definição do assassinato de mulheres por seus parceiros, que não estavam "apaixonados", no sentido romântico do termo, mas tomados por extremo ódio e desejo de vingança.

Foi assim que, no ano de 2015, em 9 de março, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.104, que descreve a figura do feminicídio como qualificadora do homicídio, descrito no artigo 121 do Código Penal. Na mesma ocasião, foi alterada a Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) para incluir o feminicídio no rol dos crimes punidos com maior rigor.

O homicídio, no Código Penal, está previsto no artigo 121, da seguinte forma:

"Art. 121 — Matar alguém:
Pena – reclusão, de 6 a 20 anos (homicídio simples).
……………………………………………
Homicídio qualificado
§ 2 º. Se o homicídio é cometido:
……………………………………………
VII- Contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino (feminicídio);
……………………………………………
§2º- A. Considera-se que há razões de condição do sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II- menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
………………………………………………..
Pena – reclusão de 12 a 30 anos.
§ 7º. A pena do feminicídio é aumentada de um terço até metade se o crime for praticado:
I – Durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto;
II – Contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitada ou de vulnerabilidade física ou mental;
III – Na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
IV – Em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do artigo 22, da Lei 11.340 de 2006."

Como se vê, não se trata de qualquer homicídio de mulher, mas, como explicado pela própria lei, consiste em "matar mulher por razões da condição de sexo feminino". Desta forma, está clara a diferenciação entre homicídio de mulher e feminicídio.

O Brasil é um dos campeões de feminicídio no mundo. As raízes do patriarcado nacional são tão profundas que reduzem muitas mulheres a escravas sexuais antes e depois do casamento. Nosso país já deu vários passos no sentido da proteção dos direitos das mulheres, mas algo de sinistro ocorre em nossa sociedade, na qual as lutas avançam um pouco e logo em seguida retrocedem.

Qual seria a medida eficaz para banir tantos assassinatos despropositados? Se, por um lado, o Brasil se esforça para adequar as leis à sua realidade, punindo com rigor a centenária prática de feminicídios, por outro lado a estrutura fortemente patriarcal impede que nossa sociedade evolua. A punição constante da lei penal é adequada e necessária, mas ainda falta mudar a cultura do desrespeito e da exploração das mulheres.

Em matéria publicada pela Folha de S.Paulo (07/12/2021), avós relataram o drama dos órfãos do feminicídio e o trauma gerado pela morte da mãe e a prisão do pai. É algo inaceitável. O periódico também anuncia que há projeto de lei tramitando no Congresso que prevê a assistência médica, jurídica e psicológica aos órfãos do feminicídio. No entanto, apesar de todas as medidas que foram tomadas e as que estão por vir, nós, brasileiras e brasileiros desacreditamos da real eficácia delas. Não se trata de ceticismo banal, mas de experiência social. O caminho do respeito à mulher é muito longo para sociedades machistas como a nossa. A cultura do respeito humano ainda não vingou em nosso país e não é mais possível tolerar tanta violência. Somos uma vergonha para nós mesmos e para o mundo.

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