Opinião

Como deve ser interpretado o §7º do artigo 112 da Lei de Execução Penal?

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

7 de dezembro de 2021, 7h13

Uma das normas que atualmente trazem dúvidas em sua interpretação no âmbito das execuções penais é a prevista no §7º do artigo 112 da Lei de Execução Penal. Diz ela:

"§7º. O bom comportamento é readquirido após 1 ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito".

Referido dispositivo, constante da Lei nº 13.964/2019, de forma lúcida e sensata, foi vetado pela Presidência da República com os seguintes fundamentos:

"A propositura legislativa, ao dispor que o bom comportamento, para  fins de progressão de regime, é readquirido após um ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito, contraria o interesse público, tendo em vista que a concessão da progressão de regime depende da satisfação de requisitos não apenas objetivos, mas, sobretudo de aspectos subjetivos, consistindo este em bom comportamento carcerário, a ser comprovado, a partir da análise de todo o período da execução da pena, pelo diretor do estabelecimento prisional. Assim, eventual pretensão de objetivação do requisito vai de encontro à própria natureza do instituto, já pré-concebida pela Lei nº 7.210, de 1984, além de poder gerar a percepção de impunidade com relação às faltas e ocasionar, em alguns casos, o cometimento de injustiças em relação à concessão de benesses aos custodiados".

Ocorre que o veto presidencial foi derrubado pelo Congresso Nacional e a norma promulgada em 29 de abril deste ano, entrando em vigor.

Não há como interpretar essa norma de forma gramatical, ao pé da letra, método que pode muitas vezes levar a equívocos. Toda norma deve ser interpretada de acordo com o sistema que ela integra da forma mais razoável possível. É o que pretendo fazer.

O sistema progressivo de regime foi instituído com o propósito de reinserir gradativamente o preso no convívio social. Ele cumprirá a pena em etapas e em regime cada vez menos rigoroso, até receber a liberdade. Durante esse tempo, o preso será avaliado e só será merecedor da progressão caso a sua conduta assim recomende.

A pena deve ser individualizada para cada condenado. Individualizar a pena consiste em propiciar ao preso as condições necessárias para que possa retornar ao convívio social. A individualização deve ater-se a métodos científicos, nunca improvisados, iniciando-se com a classificação dos detentos, de modo que possam ser destinados aos programas de execução mais apropriados de acordo com suas necessidades pessoais. A individualização da pena é direito constitucional previsto no artigo 5º, XLVI, 1ª parte, da CF.

Para a progressão de um regime para o outro há necessidade do cumprimento de parcela objetivamente prevista da pena no regime em que se encontra (requisito objetivo) e a presença do mérito (requisito subjetivo).

O mérito do condenado para a progressão de regime prisional (requisito subjetivo) diz respeito a seu bom comportamento carcerário e aptidão para retornar ao convívio social.

Para que possa obter a progressão, não basta o bom comportamento carcerário, sendo necessário também que esteja apto a ser colocado em regime menos rigoroso.

A grande finalidade do sistema progressivo é justamente a reinserção gradual do condenado ao convívio social e, por isso, a necessidade de a progressão ser paulatina, passando-se em um regime de cada vez até que possa obter a liberdade.

Com efeito, o condenado com mau comportamento carcerário, que não queira trabalhar, com dificuldades para obedecer ao regulamento, que exiba sinais de periculosidade etc. demonstra com sua conduta não ser merecedor do benefício da progressão de regime prisional. É importante salientar que, em sede de execução penal, vige o princípio do in dubio pro societate.

De acordo com a nova regra trazida pelo §7º do artigo 112 da Lei de Execução Penal, o bom comportamento carcerário será readquirido pelo preso que cometeu falta disciplinar após o decurso do prazo de 12 meses a contar da ocorrência do fato, ou mesmo antes, quando cumprido o requisito temporal (objetivo) exigido para a obtenção do direito.

No caso de o sentenciado ter o comportamento carcerário rebaixado em razão do cometimento de falta disciplinar, passados 12 meses do ato faltoso, o bom comportamento, indispensável para a progressão de regime, será restabelecido. Mesmo antes desse prazo (12 meses), ao cumprir o requisito objetivo (tempo para o benefício), o sentenciado readquirirá o bom comportamento carcerário, ou seja, o direito a que se refere a norma, uma vez que o artigo em comento trata do direito à progressão de regime.

Tal regra, se aplicada à risca, praticamente acaba com o mérito para a progressão de regime, uma vez que, cumprido o requisito objetivo, automaticamente estará presente o bom comportamento carcerário, violando o princípio da individualização da pena, que pressupõe a readaptação gradativa do condenado ao convívio social, o que só pode ocorrer com o cumprimento do tempo necessário de sua reprimenda e a presença, não apenas do requisito objetivo, mas também do subjetivo.

O dispositivo passará ao condenado a impressão de que poderá praticar faltas graves impunemente, já que bastará cumprir o tempo necessário para a progressão para a falta ser automaticamente esquecida, ao readquirir o bom comportamento carcerário.

No entanto, o bom comportamento é um dos elementos do mérito carcerário (requisito subjetivo), mas não o único. Não basta o bom comportamento carcerário para que o mérito se faça presente. Outros elementos devem ser analisados pelo juízo da execução penal, sendo necessária, muitas vezes, a realização de exame criminológico.

Com efeito, evidente que o dispositivo em questão não pode ser interpretado de forma gramatical. O mérito continua a ser imprescindível para o deferimento do pedido de progressão, que não se limita ao restabelecimento do bom comportamento carcerário, mas à análise de todos os demais elementos constantes da vida prisional do detento, inclusive a gravidade dos delitos cometidos e sua personalidade.

A sociedade não pode ser colocada em risco por conta de norma legal inserida no mundo jurídico muito mais por razões políticas do que técnicas. O mérito do condenado para a progressão é um dos requisitos exigidos para a correta individualização da pena, princípio constitucional que não pode deixar de ser observado por lei ordinária, sob pena de ser considerada inconstitucional.

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