Opinião

As contribuições do Sistema S e a contraditória decisão do STJ

Autor

  • Adriana Fonteles Silva

    é advogada pós-graduada em Direito e Processo Tributário membro do grupo Tributação e Gênero da FGV/PGFN ECOMPLEX e membro Consultivo da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE.

4 de dezembro de 2021, 15h26

1) Introdução
O artigo analisa as contribuições parafiscais amparadas na Constituição da República de 1988, que são moldadas nos artigos 149 e 240. O estudo se fundamenta na crescente divergência jurídica que se tem levantado acerca da matéria, principalmente após o julgamento do REsp 1.570.980/SP pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que limitou a base de cálculo das contribuições parafiscais ao teto de 20 salários mínimos.

De acordo com o entendimento da 1ª Turma do STJ, as contribuições parafiscais se submetem ao teto de 20 salários mínimos, previsto no artigo 4º da Lei 6.950/81, e que o artigo 3º do Decreto 2.318/1986 não teria revogado o parágrafo único do referido artigo.

Diante dessa decisão, o artigo desenvolve uma análise jurídica sobre as contribuições parafiscais e o fenômeno da revogação e a (in)compatibilidade da limitação ao teto de 20 salários mínimos com a Constituição de 1988.

2) Considerações teóricas sobre as contribuições parafiscais e sua natureza jurídica
As repercussões e os desdobramentos das contribuições parafiscais são motivos de várias discussões na doutrina e na jurisprudência brasileira. A moldura constitucional dessas contribuições está desenhada nos artigos 149 e 240, que estabelecem o seguinte teor sobre essa espécie tributária:

"Artigo 149 — Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

"Artigo 240  Ficam ressalvadas do disposto no artigo 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical".

Como se vê do texto constitucional, as contribuições parafiscais possuem uma finalidade correspondente, e são vinculadas diretamente ao fundamento de sua instituição, são previstas no artigo 240, dispositivo no qual se ressalta que, além das contribuições previstas no artigo 195, é possível a cobrança de contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.

O produto da arrecadação dessas contribuições é dirigido às entidades de direito privado, motivo pelo qual muito se questionou sobre a constitucionalidade dessas contribuições e sua natureza jurídica, pois, segundo entendimento de parte da doutrina, as contribuições parafiscais não teriam natureza tributária, pois não foram instituídas por entes estatais, e, sim, por pessoas jurídicas de direito privado que não podem ser sujeitos ativos da relação tributária.

No entanto, ao analisar a matéria o Supremo Tribunal Federal entendeu que essas contribuições possuem natureza tributária, "caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram na sub espécie 'contribuições sociais gerais', que se submetem à regência do artigo149 da Constituição da Carta Magna".

Em outras palavras, o Supremo entendeu que essas contribuições nada mais são do que exações que possuem seus resultados direcionados, entregues, dirigidos às entidades do Sistema S e assemelhadas legalmente, que ficam encarregadas do poder de fiscalizar e, por consequência, se apropriar do valor da exação do montante arrecadado e estão em plena sintonia com o sistema constitucional vigente, pois foram recepcionadas pelo artigo 240 da Constituição.

2.1) Decisão da 1º Turma do STJ no REsp. 1.570.980/SP
Em fevereiro de 2020, ao julgar o REsp 1.570.980/SP, a 1ª Turma do STJ decidiu que "a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 salários-mínimos", nos termos do parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/1981; afirmou que não foi o limite revogado pelo artigo 3º, do DL 2.318/1986, que disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social.

Sobre a matéria, a 2ª Turma do TRF-4, quando enfrentou o tema, entendeu que os limites estabelecidos sobre a contribuição das empresas à Previdência Social, assim como a extensão desse limite às contribuições devidas a terceiros, foram abolidos com a Constituição de 1988 (artigo 195) e legislação regulamentadora (Decreto-Lei nº 7.787, de 1989, artigo 3º), visto que a contribuição patronal à seguridade social passou, desde então, a ter como base de cálculo a totalidade da folha de salários, ao mesmo tempo em que as contribuições devidas a terceiros constituíam simples adicional dessa mesma contribuição patronal.

2.2) O fenômeno da revogação e o Decreto-Lei 2.318/86
De acordo com o artigo 3º do Decreto-Lei 2.318/86, "para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário-mínimo, imposto pelo artigo 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981".

Já o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/81 determinava que "o limite máximo do salário de contribuição, previsto no artigo 5º da Lei 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 vezes o maior salário-mínimo vigente no país". Concluía o parágrafo único que "o limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros".

Considerando que a Lei de Introdução ao Código Civil dispõe em seu artigo 2º que "não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue", e o §1º, "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que trata a lei anterior", entende-se, portanto, que o artigo 3º do Decreto-Lei 2.318/96 revogou o artigo 4º e o parágrafo único da Lei 9.424/91, pois o artigo 3º do Decreto-Lei 2.318/96 é incompatível com a redação do parágrafo único do artigo 4º da Lei 9.424/91.

Sobre conflito aparente de normas, assevera Ross apud Diniz que "o critério lex posterior derrogat leg priori se trata de um princípio jurídico fundamental, mesmo que não esteja expresso em norma positiva". Nesse contexto, é nítido que a nova lei veio disciplinar de forma diferente a matéria tratada no artigo 4º da Lei 9.424/91.

O Decreto-Lei nº 2.318/86, quando aboliu o teto de 20 salários mínimos do salário de contribuição, acabou alterando também a base de cálculo das contribuições sociais parafiscais. Pois é totalmente desnecessário outro dispositivo disciplinar que esse limite não mais se aplica às demais contribuições parafiscais, porque basta uma interpretação sistemática da legislação vigente para facilmente concluir que referida limitação foi revogada do ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, se ambas as contribuições possuem a mesma base de cálculo, alterando a base de cálculo de uma, igualmente se altera também a base de cálculo da outra, assim como defende a Procuradoria Federal.

Outrossim, ainda que o Decreto-Lei 2.318/86 não tivesse revogado o referido dispositivo, essa limitação da base de cálculo a 20 salários mínimos não prevalece em nosso ordenamento, pois a nossa lei maior veda em seu artigo 7º, inciso IV, a vinculação do salário mínimo como indexador de base de cálculo para qualquer fim.

3) Conclusão
À luz dos motivos acima já apresentados, entende-se que a interpretação dada pela 1ª Turma do STJ acerca da existência de limite para a base de cálculo da contribuição social parafiscal está equivocada, primeiramente porque o artigo 4º, parágrafo único, da Lei 9.424/96 foi revogado pelo Decreto- Lei 2.318/86, uma vez que juridicamente não tem como se manter um parágrafo único sem o caput do artigo, a regra é que o assessório segue o principal, e em segundo lugar porque não seria isonômico que uma grande empresa recolhesse as contribuições que são obrigadas a recolher utilizando como base de cálculo 20 salários mínimos, tal qual uma empresa de médio e a pequeno porte, pois tal medida estaria em total desconformidade com os princípios que regem o sistema tributário brasileiro, como o da isonomia e o da capacidade contributiva.

Em face da enxovalhada de ações que chegam aos tribunais federais utilizando-se do precedente da 1ª Turma do STJ, em busca da redução dos gastos tributários de grandes empresas, pois a referida tese tem sido uma das principais estratégias utilizadas pelo empresariado para reduzir os impactos da crise econômica causada pela pandemia, o STJ decidiu analisar a questão sobre o prisma do efeito repetitivo (artigo 1036 do CPC) para que seja uniformizado a jurisprudência, o que tem como efeito a suspensão de todos os processos que discutem a matéria até que a corte julgue o tema. Resta-nos aguardar quem sairá vitorioso nessa demanda, se a classe empresária ou se o Fisco federal e o Sistema S, que sofrerá grandes impactos na execução de suas atividades caso a contribuição passe a ter como base de cálculo o teto de 20 salários mínimos, assim como requer o contribuinte.

 

Referências bibliográficas
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário
 Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 18ª. Edição, Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado, 2016.

TRF-4. AC AC 5001087-81.2020.4.04.7201, relator (a) ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA DÁVILA, SEGUNDA TURMA, Julgado em 27/05/2020.

STJ. 1ª Turma, REsp nº 1.570.980/SP, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho. j. em 17 de fevereiro de 2020.

DINIZ, Maria Helena.Conflito de normas  10 ed. — São Paulo. Saraiva, 2014.

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  • é advogada, pós-graduada em Direito e Processo Tributário, membro do grupo Tributação e Gênero da FGV/PGFN, ECOMPLEX e membro Consultivo da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE.

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