Licitações e Contratos

Formalidades de defesa na Nova Lei de Licitações

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

3 de dezembro de 2021, 8h00

Para o exercício das garantias fundamentais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, asseguradas, respectivamente, nos incisos LIV e LV da Constituição Federal, é essencial respeitar os meios e recursos a elas inerentes.

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Entretanto, a Lei nº 14.133/2021 adveio com alterações de texto em relação à Lei nº 8.666/93 que indicam imperfeições e o "esquecimento" de questões práticas do cenário do dia a dia das defesas prévias e dos recursos.

O artigo 109 da Lei nº 8.666/93, base recursal geral para licitações e contratos do regime que está com dias contados, estabelece que em seu parágrafo quinto que "nenhum prazo de recurso, representação ou pedido de reconsideração se inicia ou corre sem que os autos do processo estejam com vista franqueada ao interessado".

Já o artigo 165 da Lei nº 14.133/2021, base recursal geral para licitações e contratos do novo regime, no entanto, teve prejudicada a redação do seu parágrafo quinto, que ficou nos seguintes termos: "será assegurado ao licitante vista dos elementos indispensáveis à defesa de seus interesses".

Em primeiro lugar, não se trata apenas de "licitante", porque existem meios recursais de não licitantes (terceiros), de licitantes e de contratados.

Em segundo lugar, não se pode restringir o acesso aos autos de processo com vista aos elementos "indispensáveis", pois essa é a porta para a "seletividade" de acesso pela qual determinadas autoridades "escolhem" previamente fornecer cópias de algumas peças, não o acesso completo aos autos do processo, uma infelicidade tremenda da nova lei.

Em terceiro lugar, o interessado, terceiro, licitante ou contratado, pode e deve ter o acesso completo ao processo por força da publicidade, princípio do artigo 37 da Constituição Federal, para que possa avaliar tudo o que lhe seja útil em elaboração de defesa.

Vale aqui avaliar uma hipotética situação absurda: se houvesse no Código de Processo Civil uma regra pela qual a pessoa citada ou a parte da ação, para exercício das suas faculdades processuais, especialmente as recursais, tivesse assegurado apenas acesso aos "elementos indispensáveis" à defesa de seus interesses, não aos autos em sua integralidade.

Mais uma outra situação: um tribunal de contas notificar alguém de um processo de tomada de contas milionário, mas escolher liberar o acesso apenas a documentos "essenciais" ou "indispensáveis" para a defesa em questão.

Isso deixa evidente a tamanha reprovação quanto à regra da nova lei, porque a análise subjetiva de ser ou não ser algum documento indispensável é uma grande fonte de discórdia.

Seletividade prévia de acesso a determinadas peças, vale enfatizar, é o grande "mal" no aspecto de concessão de vista e cópias dos autos de processos administrativos, para elaboração de petições em geral, inclusive, as recursais.

Sob outra ótica, enquanto nos processos judiciais eletrônicos as citações, atualmente, chegam com link e chave para imediato acesso aos autos, a Nova Lei de Licitações foi infeliz ao não trazer segurança jurídica quanto ao prazo, deixando de herdar da lei antiga a segurança de que nenhum prazo se inicia e nem corre sem o acesso aos autos do processo.

Isso chama atenção para o fato de que, atualmente, em grande parte dos casos, o interessado que recebe notificações de cunho administrativo precisa formular requerimentos via e-mail ou protocolo físico ou requerer prévia habilitação em sistemas como o SEI e, somente após autorização de área específica, ter o acesso a tais ou quais peças e, ao final, liberado o acesso, muitas vezes, de modo parcial.

Nesse cenário, dias preciosos se perdem e a nova lei não poderia trazer tal limitação a elementos considerados indispensáveis, até porque não se pode saber previamente quais são dispensáveis e por qual critério.

Tal situação dá margem à seletividade e evidencia a falta regramento sobre o princípio basilar de que prazos não se iniciam e nem correm sem acesso aos autos.

E os interessados ainda ficam sujeitos, em muitos casos, à Lei nº 12.527/2011 (Acesso à Informação), que é geral (não específica) mas algumas autoridades a utilizam para ocultar peças processuais, em subjetivismo, alegando interesse público a proteger.

Em outro aspecto, é importante alertar que o artigo 137 da Lei nº 14.133/2021, que chega a mencionar ampla defesa e contraditório sobre a pretensão de extinção de contrato, nada traz de regramento sobre acesso aos autos do processo, de modo que se repete a prática comum de que em uma notificação dessa natureza somente determinadas peças sejam franqueadas à parte interessada, quando nos autos podem existir ou nem mesmo existir peças essenciais como as notificações prévias, trocas de mensagens entre as partes do contrato, pareceres de áreas técnica, administrativa e jurídica. Portanto, a nova lei restou omissa ao não regrar, em especial, o acesso completo ao processo em casos de extinção de contrato.

E esse aspecto acima é de extrema gravidade, porque muitas vezes o que se busca para defesa sobre uma extinção será encontrado em documentos iniciais do processo, onde foi trabalhada a parte de justificativas da licitação, pesquisas prévias de preços, definição de cláusulas do contrato, elementos dignos de comparação de coerência do que se planejava e do alegado para se extinguir o contrato. Por exemplo: alegação de que algo deve ser de determinado modo, sob pena de extinção contratual, mas que nem na idealização da licitação estava sendo considerado.

Outras omissões constam pela lei, como se verifica dos seus artigos 157 e 158, sobre sanções, mais uma vez, mencionando defesa, mas nada tratando do acesso completo e imediato aos autos do processo, sob pena de nem se iniciar contagem de prazo. Portanto, falta de segurança jurídica.

Não existe possibilidade de ampla defesa, de contraditório e de devido processo legal, nos termos da Constituição Federal, sem total acesso aos autos do processo e eventuais apensos ou anexos e isso de modo imediato, desde o recebimento da notificação, porque não é justificável deixar o interessado desperdiçando seus dias de prazo na luta pelo acesso ao processo e sujeito à cultura da prévia seletividade peças por quem detém autoridade sobre o mesmo.

Assim, diante da Lei nº 14.133/2021, muito resta a atentar em matéria de defesa nos processos administrativos licitatórios e contratuais.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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