Opinião

A hermenêutica democrática e o exercício da cidadania

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

1 de dezembro de 2021, 9h18

A hermenêutica, enquanto ciência humana preocupada com a interpretação dos textos, tendo como finalidade viabilizar a tarefa interpretativa dos aplicadores do Direito, está atravessando um momento crucial em nosso país. O que vale mais? A vontade dos juízes ou o texto da lei? A voz das multidões ou as regras e os princípios da nossa constituição?

Analisar essas e outras perguntas é a minha proposta epistemológica enquanto defensor daquilo que eu venho chamando de hermenêutica democrática ou democraticidade hermenêutica. O que isso significa? Muito simples. A hermenêutica deve ocupar o lugar de uma disciplina que tem como objetivo possibilitar o acesso dos sentidos, ou seja, democratizar aquilo que está disposto nas leis e inscrito em nossa carta política de 1988.

O direito foi criado para libertar, apesar de em muitos momentos da história ele tenha sido instrumentalizado para oprimir os mais fracos e excluir os indesejáveis dos espaços de discussão e poder. A atividade interpretativa ocorre em uma espécie de filtragem. Quando lemos alguma coisa, assistimos a um filme, analisamos uma situação, já existe uma pré-compreensão daquilo que eu estou visualizando.

Apenas para dar um exemplo disso, posso citar o fato de escutar uma música. Quando o som passa pelos meus sentidos, eu já sei previamente o que é uma letra, uma melodia etc. Nesse giro, tenho comigo entendimentos e compreensões previamente existentes.

Além de pré-compreensões, outra forma de interpretar um texto é ter em mente que ele vale. O texto existe por algum motivo. Esse motivo, dentro de uma ordem constitucional é muito claro. Ele existe para vincular a atividade do intérprete-aplicador do Direito. Portanto, existe um espaço de liberdade conferido ao jurista na tarefa de interpretar o texto. Por isso, o texto da lei vale mais que a vontade dos juízes.

Extrapolado o texto, o que temos são interpretações ad hoc e ativismo judicial. Contra esses, defendo o ativismo hermenêutico, remédio eficaz contra o autoritarismo textual que vem fazendo escola no Brasil. Por que somos íntimos com os sistemas autoritários? No meu sentir, o brasileiro não gosta de ser igual ao outro. A democracia preza pela legalidade e pela igualdade. Até mesmo o Poder Judiciário, tão criticado pelo subjetivismo dos juízes, não carrega consigo um sentimento de igualdade. Vide o nome Tribunais Superiores para se referir ao STJ e STF, só para citar alguns.

A proposta acadêmica da hermenêutica democrática também defende a autonomia do Direito como uma importante aliada para combater os predadores do sistema jurídico. Tanto os predadores externos, tais como a política, a economia, a moral e a mídia, quanto os internos como a ampla discricionariedade dos juízes e a livre apreciação da prova no campo do processo penal.

Após a promulgação da nossa Constituição Federal, o constituinte emitiu um recado muito claro para os cidadãos e para os jurisdicionados: ou optamos pela lei ou viveremos sempre sob a orientação de uma democracia fantasiosa e um Direito para poucos, o que vai na contramão do constitucionalismo moderno. Por esse motivo, a constituição vale mais que a voz das multidões. Elas não legislam.

O movimento de produção das constituições teve êxito em limitar o poder dos Estados e providenciar direitos e garantias para os indivíduos terem acesso ao livre exercício da cidadania. E por falar em cidadania, a proposta de uma democraticidade hermenêutica, isto é, tornar acessível o sentido da lei, tem o condão de gerar nos cidadãos uma participação mais ativa nos regimes democráticos e na busca pela efetivação dos seus direitos.

Desse modo, defender a hermenêutica democrática e a limitação do ativismo judicial, tendo em vista a construção de uma cidadania mais inclusiva e participativa, projeta um horizonte mais legalista e previsível na ordem constitucional brasileira, ordem essa que fez uma escolha muito clara em 1988, qual seja, romper com um sistema autoritário e baseado na força dos generais.

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