Opinião

A escolha de um novo ministro do STF

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28 de agosto de 2021, 7h13

1) Introdução
Com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio [1], foi aberta uma nova vaga para o Supremo Tribunal Federal, a ser preenchida após escolha do presidente da República, que, por sua vez, já indicou o advogado-geral da União, André Mendonça, para a referida vaga.

Acontece que o nome apontado deve ser sabatinado e aprovado pelo Senado Federal.

Entretanto, existem rumores de que o nome escolhido pelo presidente da República pode não ser aprovado, principalmente após este último ter entrado com um pedido de impeachment em desfavor de um dos membros do Supremo Tribunal Federal [2].

Assim, o presente artigo pretende, por meio de uma pesquisa exploratória, histórica e explicativa, analisar o processo de escolha (e de rejeição) de um novo ministro da Suprema Corte brasileira.

2) A escolha dos ministros do STF: um ato complexo
Comumente os administrativistas dividem os atos administrativos em atos simples, compostos e complexos [3], acontecendo o último quando existe a "conjunção de vontade de mais de um órgão" na formação do ato administrativo [4].

Assim, um exemplo clássico de um ato complexo é a nomeação de ministro do STF [5], tendo em vista o disposto na Constituição da República, in verbis:

"Artigo 101  O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal" (grifo do autor).

Desse modo, a escolha do presidente da República deve ser conjugada com a vontade do Senado Federal, que pode efetivamente reprovar o nome escolhido, como já aconteceu no Brasil, tal como será visto no tópico seguinte.

3) As rejeições aos escolhidos para ministros do STF no Brasil
Não aprovar as escolhas do presidente para a Suprema Corte não é uma praxe no Brasil, tal como acontece em outros ordenamentos jurídicos. A título de exemplo, nos Estados Unidos durante 225 anos (entre 1789 e 2014) houve apenas 12 rejeições pelo Senado das escolhas do presidente e recentemente [6]; em 2016, o juiz conservador Antonin Scalia faleceu e o então presidente Barack Obama, que é do Partido Democrata, indicou o magistrado federal Merrick Garland para a vaga, porém o referido nome foi negado pelo Senado dos Estados Unidos, na época composto em sua maioria por membro do Partido Republicando e o fato em testilha foi extremamente criticado [7].

Especificamente no Brasil, não houve nenhuma recusa do Senado aos nomes escolhidos pelos presidentes nos séculos 20 e 21. Entretanto, no século 19 cinco nomes escolhidos pelo presidente Floriano Peixoto foram rejeitados, todos eles no ano de 1894 [8].

O nome mais conhecido entre os cinco rejeitados foi o de Cândido Barata Ribeiro, que efetivamente chegou a exercer a função de ministro da Suprema Corte por dez meses, tendo em vista que na época a aprovação ou rejeição dos ministros pelo Senado se dava após a posse, e o fato curioso é de que Barata Ribeiro era médico sem formação jurídica, sendo o único caso no qual o STF teve, ainda que temporariamente, um ministro que não era formado em Direito [9].

O referido caso é emblemático e não existe dúvida de qual o porquê de o nome de um médico ter sido rejeitado, tendo em vista a evidente falta de notável saber jurídico. Ainda que a Constituição não exija expressamente a formação em Direito como um dos requisitos para ser ministro do STF, não há como se defender que uma pessoa sem qualquer formação jurídica possua notável saber jurídico, entendimento em sentido contrário permitiria, tal como expressamente constava no parecer do Senado que embasou a rejeição ao nome de Barata Ribeiro, na absurda possibilidade de escolha de "astrônomos, químicos, arquitetos" para a função de ministros do STF [10].

Em relação aos outros quatro nomes rejeitados pelo Senado existem, no entanto, algumas dificuldades em se saber o motivo da negativa, tendo em vista que as escolhas eram realizadas em sessões secretas e que não deixaram atas, existindo dúvida até mesmo em relação à formação acadêmica dos nomes indicados.

De qualquer forma, é possível entender a rejeição de alguns deles. No caso do general Innocencio Galvão de Queiroz, o seu nome foi rejeitado porque ele, apesar de, segundo Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, ser formado em Direito, ter se dedicado sempre "à vida militar e ao comando de tropas, e não às letras jurídicas" [11].

De fato, se por um lado não há como aceitar que alguém que não seja bacharel em Direito possua notável saber jurídico, também não há como se firmar o entendimento de que uma pessoa necessariamente possua notável saber jurídico pelo simples fato de ser bacharel em Direito, pois a pessoa pode ter se formado sem nunca ter exercido qualquer atuação na área jurídica, como supostamente seria o caso de Galvão de Queiroz. Dizemos "supostamente" porque, em verdade, não achamos relatos históricos sequer de que esse último era efetivamente formado em Direito, mas, sim, em Matemática, Ciências Físicas e em Engenharia Civil [12], o que seria mais uma justificativa para a negativa do seu nome.

Outra indicação rejeitada pelo Senado de forma também compreensível foi a do igualmente na época general Francisco Raimundo Ewerton Quadros. Nesse caso os senadores rapidamente optaram por seguir o precedente de Galvão de Queiroz devido ao fato de Quadros também ter se dedicado ao serviço militar durante toda sua trajetória profissional [13]. Além disso, há relatos históricos de que ele não tinha formação em Direito e, sim, graduação e doutorado em Engenharia Civil, além de formação em Ciências Físicas e Matemáticas [14].

Na mesma ocasião em que o nome de Ewerton Quadros foi rejeitado, também não teve seu nome acolhido pelo Senado o então diretor-geral dos Correios Demosthenes Lobo, porém ele não deixou de ser escolhido em face da ausência de notável saber jurídico, e, sim, em virtude do entendimento firmado na ocasião de que ele supostamente não possuía reputação ilibada, o que se constatou nas graves acusações realizadas contra o referido nome na tribuna do Senado [15]. No mais, como diretor-geral dos Correios, Demosthenes Lobo não exercia no momento de sua indicação uma função jurídica, e, sim, de gestão pública, apesar de haver relatos históricos de que ele exerceu a função de juiz na cidade de Guaranésia, em Minas Gerais [16], além de efetivamente ter se formado em Direito na Faculdade de Direito do Recife em 1859, conforme consta na página 51 na lista dos bacharéis e doutores que obtiveram o referido grau na faculdade em testilha entre 1828 e 1931 [17].

Por fim, o nome mais inusitado rejeitado pelo Senado foi o de Antônio Sève Navarro, uma vez que ele exerceu as funções de promotor, juiz e, no momento da rejeição, era sub-procurador da República. Além disso, no mesmo ano de 1894, no qual teve seu nome rejeitado para o STF, ele foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Militar [18]. Desse modo, é provável que nesse caso a negativa tenha se dado apenas por questões políticas [19], o que também é uma prerrogativa do Senado.

4) Da atual vaga no STF
A escolha do nome de André Mendonça pelo atual presidente vem gerando discussões e protestos, mas não em virtude de uma suposta falta de notável saber jurídico, até mesmo porque ele é advogado da União de carreira, professor, mestre e doutor em Direito [20].

O que efetivamente vem causando controvérsia foi a justificativa dada pelo presidente para escolher o referido nome: o fato de ele ser "terrivelmente evangélico" [21], o que é algo preocupante, pois não existe nenhum problema em um ministro ser evangélico ou possuir qualquer outra religião, mas em um Estado laico é extremamente preocupante que esse seja um critério utilizado para definir um ministro da Suprema Corte.

Assim, ainda que se entenda possuir André Mendonça reputação ilibada e notável saber jurídico, poderia o seu nome ser rejeitado pelo Senado em face do motivo que ensejou a sua escolha? Entendemos que sim, pois aceitar ou não aceitar o nome indicado pelo STF é uma prerrogativa do Senado Federal, o que pode se dar até mesmo por questões meramente políticas, basta lembrar do longínquo precedente de Antônio Sève Navarro.

Entretanto, a postergação da análise do nome de André Mendonça pelo Senado Federal vem se dando por outra razão: o fato de o presidente da República ter recentemente protocolado um pedido de impeachment em desfavor de um dos ministros do STF [22].

De fato, é estranho que a pessoa responsável por escolher um ministro da Suprema Corte também tenha sido o responsável, ainda que sem sucesso [23], por uma ação contra um ministro da mesma casa.

Assim, legalmente e constitucionalmente cabe, sim, ao presidente da República indicar quem será o próximo ministro do STF, mas teria o atual chefe do Poder Executivo Federal legitimidade para realizar a escolha no presente momento? Cabe ao Senado Federal decidir.

Conclusões
Apenas um presidente da República em toda a história, e há mais de um século, viu o Senado rejeitar um escolhido seu para o STF, em verdade, não apenas um, mas cinco.

Apesar do tempo recorrido, no entanto, as cinco rejeições demonstram os motivos existentes para rejeitar uma indicação para a Suprema Corte e dois estão expressamente previstos na Constituição: ausência de notável saber jurídico e ausência de reputação ilibada.

Outro motivo, no entanto, não está previsto expressamente na Constituição, mas pode ser considerado um poder implícito do Senado, qual seja: rejeitar o nome por questões políticas, o que inclui a discordância dos motivos que levaram o presidente a fazer a escolha.

Em verdade, tendo em vista o histórico mais recente, não acreditamos que o nome de André Mendonça será rejeitado pelo Senado Federal, no máximo haverá uma postergação para que a sabatina seja realizada em outro momento político.

De qualquer forma, a discussão política e a realizada no âmbito da sociedade civil, principalmente no respeitante aos motivos que levaram o presidente da República a escolher o nome de André Mendonça, são extremamente importantes, pois o ideal é que a sabatina realizada pelo Senado Federal não seja uma mera formalidade.

 

Referências bibliográficas
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, 2ªed, Rio de Janeiro: Forense, 2013.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, 34ªed, São Paulo: Atlas, 2020.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação: 2021.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. [Trad: Renato Aguiar], Rio de Janeiro, 2018.

MELLO, Celso. Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República). 4ªed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014

OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU Nº 25 – Jan-Fev/2009.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 8ªed, Rio de Janeiro: Editora Método, 2020.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Faculdade de Direito do Recife; MARTINS, Henrique. Lista geral dos bachareis e doutores que têm obtido o respectivo gráu na Faculdade de Direito do Recife: desde sua fundação em olinda, no anno de 1828, até o anno de 1931. Recife: Typographia Diário da manhã, 1931. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/34979

 

 


[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 34ªed, São Paulo: Atlas, 2020. p.138.

[4] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, 2ªed, Rio de Janeiro: Forense, 2013. 166.

[5] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 8ªed, Rio de Janeiro: Editora Método, 2020. p.505.

[6] MELLO, Celso. Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República). 4ªed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014. p.19.

[7] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. [Trad: Renato Aguiar], Rio de Janeiro, 2018.p.140/141.

[9] LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação: 2021. p.1174.

[11] OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009. p.75.

[13] OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009.p.77.

[15] OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009.p.77.

[17] UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Faculdade de Direito do Recife; MARTINS, Henrique. Lista geral dos bachareis e doutores que têm obtido o respectivo gráu na Faculdade de Direito do Recife: desde sua fundação em olinda, no anno de 1828, até o anno de 1931. Recife: Typographia Diário da manhã, 1931. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/34979. Acesso e 25/08/1981.

[19] OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009.p.75.

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