Opinião

Como nascem os 'meteoros': o parecer Cosit nº 10/2021

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28 de agosto de 2021, 12h17

Chamou a atenção no último mês a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, para justificar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permite o parcelamento do pagamento das dívidas do poder público reconhecidas judicialmente, os chamados precatórios.

De acordo com Guedes, "temos que disparar um míssil para impedir que o meteoro atinja a Terra". Ou seja, na analogia do ministro, a equipe econômica teria sido surpreendida por um aumento no gasto público com o pagamento dos precatórios, o que justificaria esse parcelamento.

Para quem não está familiarizado com o tema, o anuário "Justiça em Números", elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), demonstra que o poder público é, de longe, o maior litigante do país. O tempo médio de duração dos processos é superior a cinco anos e somente após uma decisão definitiva podem ser expedidos os referidos precatórios.

Além disso, segundo as leis orçamentárias, a partir do momento em que uma saída de caixa se torna provável e que for possível fazer uma estimativa confiável da obrigação, deve ser constituída uma provisão, em outras palavras, uma previsão para pagamento dessa dívida.

Como já bem observaram Renato de Mello Jorge Silveira e Luiz Felipe Dias de Souza, "a União litiga, abusa de seu direito de recorrer, coloca-se de forma irredutível em posições jurídicas claramente absurdas e depois não quer adimplir suas obrigações?" [1].

Assim, dizer que o cidadão que aguardou por anos que a Justiça reconhecesse o seu direito à reparação de um dano que lhe foi causado pelo poder público terá de receber o valor que lhe é devido de forma parcelada, porque o governo não se preparou para esse pagamento, é, no mínimo, incorreto.

Vale lembrar ao ministro como nascem esses "meteoros".

Repercutiu muito na mídia especializada uma discussão tributária que ficou conhecida como a "tese do século". Discutia-se, no caso, se o ICMS, imposto estadual sobre a venda de mercadorias e alguns serviços, poderia compor a base de cálculo das contribuições federais para o financiamento da seguridade social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS).

Desde 2006, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal já havia decidido que essa forma de cobrança afrontava a Constituição. Inconformada, a Fazenda Nacional manteve essa discussão até que, em 2014, o STF julgou essa ação definitivamente em favor do contribuinte. Mesmo assim, a União continuou insistindo nessa forma de cobrança até que, em 2017, o STF decidiu que o mesmo entendimento deveria ser aplicado a todos os contribuintes. E, por fim, de 2017 até esse ano, o governo tentou fazer com que essa decisão somente produzisse efeitos futuros.

Frustradas todas as tentativas de não devolver o que cobrou indevidamente (sem contar a referida e malfada PEC do Calote), agora, a Receita Federal do Brasil (RFB) busca reduzir o impacto dessa decisão atacando os créditos dos contribuintes.

Isso porque, segundo o Parecer nº 10 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), na apuração dos créditos das contribuições para o PIS e Cofins, o valor do ICMS deve ser excluído da base de cálculo. Ocorre que o ICMS compõe o custo de aquisição das mercadorias e serviços, devendo ser incluído na base de créditos das referidas contribuições. Qualquer alteração dessa sistemática demandaria uma alteração legislativa, o que não ocorreu no caso em questão.

Essa é a posição da maioria esmagadora dos advogados tributaristas que já se manifestaram sobre a matéria, entre eles Alessandro Mendes Cardoso, Breno Dias de Paula e Matheus Bueno [2]. Como advertem os especialistas, esse ato inaugura uma nova fase da discussão, igualmente longa, complexa e onerosa.

Assim, não será surpresa se, mantido esse parecer, daqui a alguns anos o ministro da Economia da ocasião tenha de pagar precatórios bilionários em razão dos prejuízos causados aos contribuintes por essa cobrança ilegal. Só não poderá dizer que se trata de um "meteoro".

Como advertiram Schubert Machado e Hugo de Bruto Machado Segundo, em artigos dedicados à matéria, "existe uma maneira muito simples de diminuir a quantidade de precatórios: basta que o Estado brasileiro cumpra a lei" [3].

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