Opinião

As coligações proporcionais são tão ruins assim? Não nos pequenos municípios

Autores

  • Bruno de Almeida Passadore

    é doutorando em Teoria do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Processual pela mesma instituição defensor público estadual em Curitiba e diretor da Escola da Defensoria Pública do Estado do Paraná.

  • Camila Rodrigues Forigo

    é advogada doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) conselheira do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE) e secretária da Comissão da Advocacia Criminal da OAB-PR.

19 de agosto de 2021, 15h04

Retorna ao Congresso Nacional o debate acerca das coligações em eleições proporcionais. Ao que consta, na terça-feira (17/8) a Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda constitucional com o retorno de tal instituto anteriormente proibido pela Emenda Constitucional 97/2020. O tema agora vai para a análise do Senado Federal e, em caso de aprovação pelos senadores, serão autorizadas as coligações possivelmente já para as eleições de 2022.

Eis a lógica das coligações. Trata-se de uma aliança entre partidos precisamente com o objetivo de alcançar maior número de postos nas eleições proporcionais e cuja cooperação muitas vezes é extinta tão logo os votos sejam contados e os assentos parlamentares — com exceção do Senado, já que nele a lógica é a eleição majoritária — divididos, sendo marcado seu caráter finalístico. Em outras palavras, forças partidárias diversas unem-se estrategicamente no intuito de maximizar potenciais ganhos e concretizar objetivos eleitorais que não poderiam ser atingidos se agissem isoladamente.

Com as coligações, entre outras coisas, aumenta-se o tempo de propaganda e torna-se possível aos partidos menores burlar o coeficiente eleitoral. Afinal, o coeficiente eleitoral acaba por funcionar como uma cláusula de barreira na prática. Assim, ao se dividir o total de votos pelo número de cadeiras em disputa, chega-se a um valor numérico que, caso não superado, o partido ficará de fora da divisão de vagas, independentemente do número individual de votos que seus candidatos venham a receber.

A título de exemplo, veja-se o caso das recentes eleições municipais de 2020 na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, em que a pessoa mais votada para a câmara de vereadores da localidade acabou não se elegendo, uma vez que o partido pelo qual se candidatou — no caso, o PSOL — não atingiu o coeficiente eleitoral e, mesmo tendo o maior número de sufrágios entre os candidatos a vereador da localidade, não obteve o assento parlamentar. Registra-se que não se tratou de fenômeno isolado e se repetiu em outros municípios, como em Toledo, Paraná. É provável, por sua vez, que, caso houvesse a possibilidade de coligações partidárias, tais candidaturas viriam a ser eleitas, ao custo do aumento da dispersão partidária.

Isso ocorre porque a divisão das cadeiras legislativas, quando permitida as coligações proporcionais, era calculada de acordo com a votação das legendas coligadas somadas. Assim, em uma disputa hipotética das nove cadeiras da câmara de vereadores de uma cidade de nove mil eleitores, o coeficiente eleitoral seria de mil votos e com ele seria formado o coeficiente partidário. Logo, se os partidos A, B e C, coligados, obtivessem dois mil votos, fariam jus a dois assentos, ainda que nenhum deles isoladamente tivessem obtido mil sufrágios. Com isso, os dois candidatos mais bem votados da coligação restariam eleitos independentemente se do partido A, B ou C. Nesse aspecto, a votação a um desses partidos poderia significar indiretamente a eleição de candidato de outro ainda que entre as legendas não houvesse outra relação, exceto a de estarem ocasionalmente coligados.

Ainda, apontava-se que as coligações influenciavam a formação de uniões em torno dos denominados "puxadores de votos", isto é, certos candidatos — usualmente pessoas célebres da mídia — que se mostravam capazes de levar consigo uma série de outros candidatos de diversos partidos que dificilmente obteriam votação suficiente por si próprios e permitindo-se com isso toda sorte de negociações no interior da coligação. A respeito, é usualmente citado o fenômeno Tiririca nas eleições para a Câmara dos Deputados de 2010 pelo estado de São Paulo. Graças ao alto volume de votos, Tiririca permitiu que diversos candidatos da sua coligação (formada por PR, PSB, PT, PCdoB e PTdoB) fossem eleitos mesmo que menos votados do que outros candidatos de coligações diversas.

Logo, há uma resistência muito grande seja na mídia, seja na academia e mesmo entre atores políticos, em relação às coligações. Entre outras coisas, aponta-se que elas favorecem a expansão de partidos de baixa consistência ideológica e sem um real interesse de se apresentar como alternativa útil à representação política. Em outras palavras, as coligações em eleições proporcionais permitiriam a expansão de "legendas de aluguel" em detrimento de "partidos sérios".

Todavia, em que pese essas considerações teóricas, os resultados dos pleitos municipais de 2020 demonstram o contrário, ao menos em relação aos pequenos municípios brasileiros. De acordo com comparativos do portal G1, as Câmaras Municipais com até seis partidos, que nas eleições de 2016 representavam 50% dos municípios, hoje saltaram para 82%. Consequentemente, a quantidade de municípios com mais de seis legendas reduziu-se substancialmente. Se em 2016 representavam 50% do total, hoje são 18%. Porém, esse fenômeno atingiu essencialmente munícipios com não mais do que 150 mil habitantes. Por outro lado, nos municípios médios — aqueles entre 150 mil e 500 mil habitantes — e nos denominados grandes — com mais de 500 mil — a dispersão partidária permaneceu praticamente estável.

Nas localidades de até 20 mil habitantes, a média de partidos com representação nas câmaras municipais caiu, entre as eleições de 2016 e as de 2020, de 5,9 para 4,1. Fenômeno similar também ocorre nos municípios com entre 20 mil e 50 mil pessoas, cuja média foi de 7,5 para 5,6, e, igualmente, nos entre 50 mil e 150 mil, indo de 8,9 para 7,6. Por outro lado, nos maiores municípios, o número de partidos representados nas câmaras permaneceu praticamente estável, variando de 10,8 para 10,7 nos municípios entre 150 mil e 500 mil habitantes e de 15,7 para 15,4 naqueles com mais de 500 mil.

Igualmente, as disputas nas 26 capitais estaduais [1] demonstraram a manutenção da dispersão partidária na comparação das eleições de 2016 com as de 2020. Em 11 delas houve queda entre um e cinco no número de partidos representados nas respectivas Câmaras de Vereadores; em outras 11 houve aumento de uma a quatro legendas; e, finalmente, em quatro capitais houve estabilidade no número de partidos com assentos nas câmaras de vereadores. Entre elas, destaca-se o caso de Vitória, em que se elegeram candidatos de 13 partidos para as 15 vagas em disputa, sendo que apenas o Cidadania, elegeu mais de um parlamentar — três no total.

Em outros termos e como se pode perceber a partir dos dados acima apontados, o impacto do fim das coligações se deu essencialmente nas cidades menores, em que a competição eleitoral tradicionalmente se mostrava menos intensa. Já nas cidades maiores e marcadas por maior competição, o impacto do fim das coligações no número de partidos com representação parlamentar se mostrou bastante reduzido.

Assim, a ideia de que o fim das coligações partidárias em eleições proporcionais esvaziaria os partidos pequenos ao custo do fortalecimento dos grandes não se mostrou verdadeira. Em realidade, significou o fortalecimento das lideranças do executivo das menores localidades que tradicionalmente sofriam de uma menor competição política. Ou seja, o fim das coligações significou, ao menos em relação aos dados do processo eleitoral de 2020, um maior fortalecimento dos poderes executivos nos municípios menos sujeitos às dificuldades e às instabilidades da dispersão partidária.

Registra-se ainda, em comparação a 2016, o expressivo aumento do número de vereadores eleitos por partidos tais como PP (aumento de 34%) indo de 4.743 para 6.346; PSD (aumento de 22%), indo de 2.650 para 5.694; PL (aumento de 15%), indo de 3.019 para 3.467; Republicanos (aumento de 60%), indo de 1.621 para 2.601; e a manutenção do número de vereadores do MDB (com ligeira redução de 3%), indo de 7.560 para 7.335. Os grandes vitoriosos, portanto, tratam-se de partidos tradicionalmente vistos como legendas de baixo perfil ideológico, pouca conexão com a sociedade e concentrados quase que exclusivamente no sucesso eleitoral imediato. São agremiações que podem ser classificados como "partidos-ônibus", na consagrada expressão de FHC, ou seja, partidos abertos a qualquer um que nele queira se inserir desde que eleitoralmente competitivo.

Não bastasse isso, aponta-se que relatórios de fiscalização da Controladoria-Geral da União nos municípios brasileiros indicam uma correlação positiva entre corrupção e o aumento do volume financeiro oriundo de transferências de recursos da União em favor de municípios. Ademais, aponta-se uma correlação negativa entre corrupção e competitividade entre as forças políticas nos municípios brasileiros [2]. Logo, quanto mais recursos recebidos da União via transferências e quanto menor a competição eleitoral, maior a tendência ao aumento de níveis de malversação de recursos públicos.

Por sua vez, como bem apontam diversos estudos, é marcante no federalismo brasileiro que muitos municípios tenham baixa capacidade de arrecadação tributária e ampla dependência da transferência de recursos de outros entes federativos. Ainda, aludida dependência apresenta uma relevância inversamente proporcional ao tamanho do município, sendo que os municípios mais dependentes das transferências de recursos federais são usualmente aqueles com menor população [3].

Este cenário, portanto, levanta algumas dúvidas sobre o êxito da reforma
eleitoral que eliminou a possibilidade de coligações nas eleições proporcionais. Afinal, os resultados parciais até aqui obtidos indicam exatamente um caminho oposto em relação aos municípios com até 150 mil habitantes, os quais representam nada menos do que 5.369 dos 5.570 municípios brasileiros, segundo dados do IBGE de 2020 [4]. Ou seja,
apontam para a permanência da baixa ideologização partidária, bem como reduziram a já comprometida competição política na grande maioria dos municípios, reforçando a tendência de aumento dos indicadores de corrupção em tais localidades.

Em conclusão, portanto, a partir dos dados das eleições municipais de 2020, entende-se que a constante crítica que se faz em relação ao retorno das coligações proporcionais merece melhor reflexão, ao menos em relação aos pequenos municípios brasileiros.

 


[1] Destaca-se que as eleições na capital amapaense não ocorreram de forma concomitante com o restante do país em razão da crise de falta de eletricidade que assolou o Estado em momento próximo às eleições. Assim, enquanto as eleições nos demais municípios brasileiros ocorreram em 15 de novembro (primeiro turno) e 29 de novembro (segundo turno) de 2020, as eleições na cidade de Macapá ocorreram nos dias 6 e 20 de dezembro do mesmo ano.

[2] Eis a conclusão do estudo de José Costa Miranda Júnior: "A partir dessa definição, buscou-se um modelo teórico aplicável ao estudo, em que por meio de sua solução foi possível o alcance de duas propriedades: i) a corrupção é correlacionada positivamente com o volume de recursos transferidos aos municípios; e ii) a corrupção possui uma relação negativa com a esperança do ocupante do cargo acerca da competência, ou força do seu oponente. […] Ou seja, a corrupção é influenciada tanto pelo volume de recursos repassados aos municípios quanto pela esperança acerca da competência do candidato oponente" (A corrupção nos municípios brasileiros: uma análise a partir dos relatórios de fiscalização produzidos pela Controladoria Geral da União. Dissertação (Mestrado em Economia do Setor Público) — Universidade de Brasília, Brasília, 2010, p. 46-47).

[3] Isto se dá, pois, segundo, Karla Gabriele Bahia dos Santos e Carlos Eduardo Ribeiro Santos, aludida transferência financeira "é muito mais importante para os municípios menores que para os maiores, principalmente pelo fato de que a produção econômica, nesses municípios, provém, principalmente, dos setores agrícolas e de serviços" (Dependência Municipal das Transferências do Fundo de Participação dos Municípios. In: IV Semana do Economista, IV, 2014. Anais […]. Ilhéus: Universidade Estadual de Santa Cruz, 2014. p. 1-21).

[4] IBGE. Estimativas da População Residente no Brasil e Unidades da Federação com Data de Referência em 1º de Julho de 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2020/estimativa_dou_2020.pdf. Acesso em 16/8/2021.

Autores

  • é mestre em Direito Processual Civil pela USP. Defensor Público da Defensoria Pública do Paraná. Membro Suplente do Conselho Superior da Defensoria Pública do Paraná. Ex-presidente da Comissão de Prerrogativas da Defensoria Pública do Paraná. Ex-defensor Público Auxiliar do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná.

  • é advogada, doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC), conselheira do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE) e secretária da Comissão da Advocacia Criminal da OAB-PR.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!