Opinião

Pirâmides financeiras: a busca por maior responsabilização

Autores

17 de agosto de 2021, 15h33

Não é raro nos depararmos com negócios que prometem ganhos expressivos em pouco tempo, ainda mais nesse contexto pandêmico, no qual a busca por estabilidade financeira tem crescido cada vez mais. O grande problema é que, muitas vezes, por trás desses métodos "milagrosos" existem, na verdade, pirâmides financeiras, levando milhares de pessoas ao prejuízo.

Em 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registrou crescimento de 76% dos indícios de crimes financeiros em relação a 2019 [1], com destaque para as pirâmides, que foram os mais frequentes, correspondendo a 54% dos comunicados enviados pela entidade aos Ministérios Públicos dos Estados e Federal.

O relatório de janeiro, elaborado pela Comissão Especial de Pirâmides Financeiras, instituída pelo Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), indicou correlação do aumento das pirâmides financeiras com a pandemia e com a queda da Selic (taxa básica de juros) [2].

Embora a prática seja recorrente e tenha alto risco de dano, ainda não há no Brasil regulamentação específica para essa conduta. Com o objetivo de suprir a lacuna, o tema é tratado em projetos de lei, como demonstraremos neste artigo, indicando, ainda, como evitar cair nesses esquemas.

Mas, afinal, o que configura pirâmide financeira?
São assim chamados os esquemas que oferecem lucro baseado no recrutamento de novos participantes, por meio da cobrança de taxa de adesão ou da aquisição de algum produto simbólico (isto é, sem utilidade ou valor efetivo). Dessa forma, as reais chances de lucro são apenas para participantes que entraram primeiro e compõem o topo da pirâmide, não sendo negócio sustentável, pois, sem novas adesões, o esquema desmorona, acarretando prejuízos para os integrantes que entraram por último.

Esses esquemas podem ser identificados pelas promessas de lucros exorbitantes em pouco tempo, sem risco e de forma fácil, além de não fornecerem muitas informações sobre o produto oferecido tampouco sobre a empresa que o administra.

Caso de pirâmide financeira que ficou muito famoso é o do ítalo-americano Charles Ponzi, conhecido como "Esquema Ponzi", utilizado até hoje para nomear práticas similares. O referido esquema se baseava na compra de cupons postais estrangeiros para revenda nos Estados Unidos por preço mais alto, prometendo lucros de 50% do rendimento em 45 dias e 100%, em três meses. O grande problema é que o lucro se originava nos investimentos de novos membros, e não da venda dos cupons, ruindo em pouco tempo.

No Brasil, esquema muito conhecido foi o da TelexFree, que oferecia o serviço de ligações telefônicas via internet por meio do voice over IP (VoIP), que funcionava da mesma forma e levou ao prejuízo mais de dois milhões de investidores [3].

Sobre o assunto, Vanessa Santos, Valéria Spers e Graziela Cremonezi afirmam [4]: "Esse sistema é ilegal, pois contraria a lei. Buscar enriquecer indevidamente, por meio de circunstâncias fraudulentas, tende a ferir a economia".

Em que pese a gravidade da prática e os altos índices lesivos às vítimas, esse golpe ainda não possui tipificação específica no ordenamento jurídico nacional. Tal conduta é encaixada entre os crimes contra a economia popular, nos termos da Lei nº 1.521/1951, cuja pena base é de seis meses a dois anos ou multa, como preveem os artigos 1º e 2º da referida lei:

"Artigo 1º  Serão punidos, na forma desta lei, os crimes e as contravenções contra a economia popular. Esta lei regulará o seu julgamento.
Artigo 2º 
 São crimes desta natureza:
IX
 obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ('bola de neve', 'cadeias', 'pichardismo' e quaisquer outros equivalentes)".

Entretanto, apesar da proibição legal de tal prática, entende-se que a punição é insuficiente para inibi-la.

Inclusive, em recente caso, a Justiça Federal do Rio de Janeiro, que havia condenado, em maio deste ano, a três anos de prisão o responsável por uma empresa carioca que prometia retorno de cerca de 10% ao mês, substituiu a pena pelo pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade [5].

Majoração da pena e tipificação do crime de pirâmide financeira no Código Penal
A fim de combater essa modalidade de fraudes camufladas como investimentos, o senador Flávio Arns apresentou o Projeto de Lei nº 4.233/2019, atualmente em trâmite no Senado, para incluir no Código Penal o artigo 171-A, tipificando o crime de pirâmide financeira, prevendo penas mais severas do que a atual, semelhantes à aplicada ao estelionato, ou seja, de um a cinco anos de reclusão, com a previsão de agravamento da punição com base no valor que o esquema ilícito auferiu. A redação proposta foi a seguinte:

"Artigo 171-A  Obter ou tentar obter ganho em detrimento de número indeterminado ou determinável de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos e indicação ou afirmação enganosa sobre a existência, a natureza, a qualidade, o retorno ou o risco de produto ou serviço: Pena  reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único. A pena do crime será de:
I
 reclusão, de dois a seis anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a cem salários mínimos vigentes ao tempo do fato;
II
 reclusão, de quatro a oito anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a mil salários mínimos vigentes ao tempo do fato;
III
 reclusão, de seis a doze anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes ao tempo do fato".

Segundo o autor do projeto, o crime representa sérios riscos à coletividade e as penas atuais são tão leves que o Poder Judiciário tem preferido enquadrar as práticas como estelionato, de forma que o projeto se justificaria ao aumentar a pena e dar descrição mais efetiva da prática, auxiliando no combate a esse tipo de crime [6].

Recentemente, casa de análise e investimentos propôs solução similar, lançando projeto de lei de iniciativa popular [7]. O texto apresenta similaridades ao projeto em trâmite no Senado, mas é possível verificar que se busca responsabilização ainda mais severa, com a majoração de aproximadamente o dobro da pena:

"Artigo 171-A  Receber, captar, obter ou tentar obter para si, ganho em desfavor de outrem, mediante promessa de rentabilidade fraudulenta ou de publicidade enganosa sobre produto, serviço, bens móveis e/ou imóveis, semoventes, seja em moeda fiduciária local, estrangeira ou em criptoativos, incompatível de ser cumprida.
Pena
 reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§1°. A pena do crime será de:
I
 reclusão, de quatro a doze anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a cem salários mínimos, vigentes ao tempo do fato;
II
 reclusão, de quatro a quinze anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a mil salários mínimos, vigentes ao tempo do fato;
III
 reclusão, de quatro a dezoito anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a dez mil salários mínimos, vigentes ao tempo do fato.

§2°. Nas mesmas penas incorre quem, sabendo ser fraudulento o esquema ponzi, o propaga, divulga ou recebe quaisquer valores, com o fito de colaborar com a captação indeterminada de clientes para o tipo do caput".

Em que pesem as semelhanças desse novo projeto de lei com o anterior, inclusive quanto aos valores obtidos como indicadores das penas a serem aplicadas, há, nesse caso, a inclusão de parágrafo que visa a  responsabilizar também aqueles que participarem indiretamente, por meio da divulgação.

Ainda, para maior conscientização sobre os riscos desses golpes, vale destacar algumas características listadas pelos autores da iniciativa: "Rendimentos fixos ou variáveis, incompatíveis com o mercado financeiro, ausência de autorização ou dispensa nos órgãos regulatórios, utilizando-se das criptomoedas para dar licitude à atividade criminosa, vez que a possibilidade de ganhos nesse tipo de mercado é alta, dando ar de viabilidade do negócio".

Como evitar cair em esquema de pirâmide financeira?
Antes de realizar o investimento, é importante verificar a idoneidade da empresa junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM);

 Atente-se à taxa básica de juros, a Selic, pois os investimentos atrelados a ela são, em tese, os mais seguros, bem como aos juros normalmente pagos em CDBs e outros investimentos de renda fixa. Caso a rentabilidade prometida como certa seja muito superior, é bom ficar atento;

 Lembre-se de que, em aplicações de renda variável (ações, opções, fundos imobiliários, criptoativos etc.), não é possível afirmar com precisão que ocorrerá o ganho nem de quanto seria esse eventual ganho. Portanto, fique atento às promessas de lucro em curto prazo;

 Antes de aplicar seu dinheiro em uma instituição nova, procure entender, de forma clara, como as operações funcionam e o lucro é obtido, a fim de concluir se as promessas estão de acordo com a realidade;

 Procure informações sobre a instituição e seus responsáveis, a fim de verificar se há algum posicionamento da CVM ou órgão investigativo a respeito, bem como verifique reclamações de investidores ou qualquer notícia que possa deixá-lo desconfortável sobre a aplicação;

 Informe-se sobre a regulamentação dessa aplicação no Brasil e se há necessidade de certificação para as instituições que a operam.

Por fim, caso se sinta desconfiado de nova possibilidade de investimento, a contratação de assistência jurídica para análise do negócio e dos contratos pode ser ferramenta eficiente de prevenção e alerta quanto a possíveis cláusulas abusivas. Igualmente, caso tenha sido vítima desse tipo de crime e sofrido prejuízo, a contratação de advogado especializado também representa forma eficaz de tentar recuperar o valor ou ao menos parte dele.


[4] As Diferenças entre Marketing Multinível e as Pirâmides Financeiras ou "Esquema de Pirâmides"- Brazilian Journal of Marketing – BJM Revista Brasileira de Marketing – ReMark Vol. 16, N. 2. Abril/Junho.2017.

[7] Iniciativa Popular é ferramenta que possibilita que qualquer cidadão apresente proposta de lei, desde que assinada por no mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles, conforme o parágrafo 2º do artigo 61 da Constituição Federal. É possível verificar o projeto e assinar por meio do link a seguir: https://www.change.org/p/congresso-federal-proposta-de-lei-contra-pir%C3%A2mides-financeiras?recruiter=1190415665&utm_source=share_petition&utm_medium=copylink&utm_campaign=share_petition.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!