Opinião

Descontos em folha de pagamento: da tese à aplicação no eSocial

Autor

  • Vinicius Riguete Rigon

    é sócio da Rigon Advogados advogado especialista em Direito Tributário Previdenciário e Compliance Trabalhista e especialista em Direito e Relações do Trabalho e Direito Previdenciário ambos pela FDSBC.

14 de agosto de 2021, 6h35

De modo geral, a base de cálculo (salário de contribuição) das contribuições previdenciárias a cargo da empresa são a folha de salários e os demais rendimentos decorrentes do trabalho. Dessa forma, não é todo e qualquer valor pago ao empregado que pode ser considerado como remuneração, sendo necessária a existência de relação direta com a prestação do serviço.

Nesse sentido, o vale-alimentação e/ou refeição, o vale-transporte e a assistência médica e/ou odontológica não integrarão o salário de contribuição (custeadas pela empresa), dada a natureza jurídica não retributiva dos benefícios.

Assim, do mesmo modo que a parcela dos benefícios custeada pelo empregador não tem caráter retributivo necessário para ensejar a incidência da contribuição previdenciária, a parcela dos benefícios custeada pelo empregado também tem a mesma natureza jurídica da primeira, por referirem-se aos mesmos benefícios. Os nossos tribunais igualmente já manifestaram pela exclusão dos descontos da base de cálculo do salário de contribuição [1].

Superada a questão "do direito", queremos abordar nesse material a operacionalização da tese no eSocial, especialmente neste momento em que diversos contribuintes foram surpreendidos com notificações da RFB para avaliar a regularidade das compensações realizadas via PER/DCOMP Web, uma vez que, em análise preliminar, o órgão administrativo não identificou a origem do crédito (cenário em que não há retificação da obrigação acessória).

Salientamos de partida que, na nossa humildade e particular visão, não é imprescindível a retificação para o contribuinte compensar crédito tributário previdenciário. Notem que: 1) o próprio Carf já se manifestou entendendo que a ausência de retificação da obrigação acessória não enseja a invalidação da compensação, podendo resultar apenas em multa por descumprimento de obrigação acessória; assim como 2) o STJ já se manifestou que a necessidade de retificação não está prevista em lei, mas somente em regramentos normativos de segunda ordem e, assim, não há impedimento ao direito de compensar.

Todavia, o contribuinte mais conservador que deseja proceder com a retificação das obrigações acessória, especialmente no eSocial, pode constatar que o sistema fora parametrizado de modo a impedir a transmissão de informações relativas à exclusão dos descontos de folha a título de coparticipação da base de cálculo das contribuições previdenciárias. Referido "travamento do sistema" envolveria, especialmente, as rubricas de folha e as respectivas informações prestadas junto ao evento S-1010 (tabela de rubricas), juntamente com o evento de fechamento S-5001 (informações das contribuições sociais consolidadas por trabalhador).

O Manual de Orientação do eSocial, em consonância ao campo a campo dos leiautes do sistema, nos permite interpretar pela possibilidade de viabilização da alteração da base de cálculo pretendida da seguinte forma:

1) Envio dos eventos envolvidos como constam atualmente (no de-para da tabela de rubricas e na classificação como desconto junto ao S-1010);

2) Classificação dos eventos no próprio S-1010 com o código 13 no campo "codIncCP", que corresponde à base de cálculo das contribuições sociais mensal e exclusiva do empregador;

3) Prosseguir com o fechamento de folha como normalmente realizado.

Temos acompanhado situações em que a empresa obtém medida liminar para exclusão dos descontos da base de cálculo e não consegue viabilizá-lo frente ao eSocial. Aqui, não há de se cogitar a utilização da codificação 11 (mensal) para a incidência sobre os eventos de desconto, havendo que se considerar a possibilidade de impacto exclusivamente nas contribuições previdenciárias — quota parte empregador — devendo a opção 13 (Exclusiva do empregador — mensal) ser utilizada para que a alteração de base de cálculo promovida pela empresa não impacte nas contribuições dos empregados e nas diferenças de benefícios que possam daí decorrer.

Assim, a alteração da codificação da incidência dos eventos de descontos deveria impactar no momento do fechamento da folha de forma que tais eventos fossem considerados como negativos (descontos) e, em consequência disso, reduzissem a base de cálculo.

Entretanto, conforme testes realizados, ao executar as alterações aqui propostas nos deparamos com a impossibilidade de efetivação da redução de base de cálculo pretendida.

Em testes, o evento de desconto de vale transporte fora parametrizado para que passasse a sofrer incidência da contribuição previdenciária (código 13). Em sequência, de acordo com a tabela S-5001, os valores com esse código foram direcionados para o tpvalor 15 — base de cálculo da contribuição previdenciária adicional normal — exclusiva do empregador. Após isso, por se tratar de uma base adicional, o eSocial não a considerou em virtude de seu valor ser negativo, retornando o evento com a base de cálculo normal (tpvalor11).

Salienta-se que as contribuições previdenciárias são tributos sujeitos ao lançamento por homologação, de modo que: 1) cabe ao contribuinte calcular e recolher o tributo, conforme a interpretação da legislação tributária que entende adequada; e 2) à RFB homologar ou não o pagamento antecipado realizado pelo contribuinte.

A forma como o eSocial foi parametrizado subverte essa lógica, pois impede que o contribuinte declare a ocorrência do fato gerador dos referidos tributos e constitua os créditos tributários, adotando entendimento diferente daquele que a RFB considera correto.

Essa "judicialização", evidentemente, contraria o interesse público por ampliar o já elevado contencioso tributário e movimentar, em vão, o Poder Judiciário, uma vez que a inclusão de travas em sistemas de arrecadação tributária configura sanção política.

A situação acima descrita preocupa por não permitir que as empresas ajustem a base de cálculo de suas contribuições previdenciárias, ficando, dessa forma, impossibilitadas de informarem tais pagamentos adequadamente no eSocial e, em consequência disso, sujeitas à aplicação de penalidades pelo descumprimento de obrigação acessória.

 


[1] STJ — Resp. Nº. 1939757 — 17/06/202
TRF3 — 1ª Turma 5024412-88.2018.4.03.6100— 30/04/2021
TRF5 — 3ª Turma 0816510-62.2019.4.05.8100 — 11/03/2021.

Autores

  • é coordenador trabalhista e previdenciário do Henares Advogados Associados, especialista em Direito e Relações do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e graduado pela mesma instituição. Presidente do Comitê Previdenciário e Recursos Humanos da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat).

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