Dinheiro na mão é vendaval

Empréstimo sem garantia para cumprir direito de preferência não configura abuso

Autor

13 de agosto de 2021, 14h28

A origem do dinheiro utilizado para a realização de depósito de valor idêntico ao preço pago por estranho na aquisição de bem em condomínio não tem relevância para o exercício do direito de preferência previsto no artigo 504 do Código Civil. Assim, a tomada de empréstimo para fazer o depósito não configura abuso no direito de preferência, ainda que a operação seja realizada sem a oferta de garantia.

Istockphoto
Para o STJ, não há problema em empréstimo sem garantia para cumprir preferência

O entendimento foi estabelecido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que entendeu ter havido abuso no direito de preferência porque a autora do pedido, sem patrimônio para fazer frente à aquisição do bem, pegou empréstimo sem a prestação de garantia.

Na ação que deu origem ao recurso, a mulher — que morreu no curso do processo, sendo substituída pelo espólio — alegou que teve união estável reconhecida judicialmente com um homem já falecido e que os herdeiros venderam um imóvel da herança sem que fosse respeitado o seu direito de preferência.

Ela pediu a declaração de ineficácia da venda e a adjudicação do imóvel mediante o exercício do direito de preferência, com base em depósito apresentado nos autos. O pedido foi acolhido em primeiro grau, mas o TJ-SP reformou a sentença por concluir que houve simulação no exercício do direito.

Requisitos do CC
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, explicou que o artigo 504 do CC enumera taxativamente os requisitos que devem ser observados para o exercício do direito de preferência: indivisibilidade do bem; ausência de prévia ciência, pelo condômino preterido, sobre a venda a estranho; depósito do preço, que deve ser idêntico ao pago pelo estranho; e observância do prazo decadencial de 180 dias.

Embora a origem dos recursos empregados no depósito não seja um requisito previsto em lei, ressaltou a relatora, o TJ-SP concluiu que o fato de a mulher não ter demonstrado possuir renda ou patrimônio para adquirir o bem ou mesmo para pagar o empréstimo comprovava a simulação.

"Tais fundamentos, contudo, não são suficientes para, por si sós, tolher o exercício do direito de preferência da recorrente, que prestou observância aos requisitos exigidos pelo artigo 504 do CC. Ademais, a comprovação de renda ou a prestação de garantia pelo mutuário integram a esfera de faculdade do mutuante ao contratar", esclareceu a ministra.

Em seu voto, Nancy Andrighi reconheceu a gravidade da prática da simulação — com repercussão social equiparável à fraude contra credores — e as dificuldades na apuração desse tipo de vício no negócio jurídico. Entretanto, ela apontou que não seria possível admitir conclusão nesse sentido em razão de meras suspeitas levantadas pela parte contrária.

De acordo com a relatora, quem teve comportamento "duvidoso" no caso foram os herdeiros, que, "cientes da reconhecida condição de coproprietária da autora falecida e descumprindo a ordem judicial emanada do protesto contra a alienação de bens, alienaram a totalidade da coisa comum sem respeitar o seu direito de preferência". Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!