Opinião

A possibilidade de incidência de ISS sobre bolsas de estudos do Prouni

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9 de agosto de 2021, 11h13

Recentemente a Procuradoria do Município de São Paulo alterou entendimento até então consolidado desde 2011 (SF/DUJUG nº. 34/2011), afirmando pela incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre as bolsas de estudos concedidas por intermédio do Programa Universidade para Todos (Prouni), o que tem causado preocupação das instituições de ensino superior. Isso porque já é tema pacificado nas administrações municipais e no Judiciário que os descontos concedidos em razão do programa estudantil não formam base de cálculo do ISS.

O Prouni foi criado em 2005 tendo por finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais aos estudantes que demonstrem a sua hipossuficiência econômica e pretendam frequentar cursos de graduação em instituições de ensino superior privadas que, como contrapartida, são isentas de determinados tributos, na proporcionalidade de bolsas concedidas.

Usualmente, as legislações de ISS não permitem que sejam deduzidos do preço do serviço os descontos e abatimentos dados ao tomador sob alguma condição, ou seja, aqueles dados ao cliente sob alguma condição futura e incerta. Por sua vez, os descontos incondicionais são aqueles em que o prestador oferece o desconto no momento da prestação ou contratação dos serviços, que, a contrário senso, não há previsão sobre a base de cálculo nas legislações municipais.

Não há dúvidas de que a bolsa de estudo, parcial ou integral, é considerada como um desconto incondicionado, já que não é necessário que o adquirente pratique qualquer ato subsequente ao da contratação do serviço para fruição do benefício. Veja, ainda, que o aluno contemplado por uma bolsa Prouni venha a perder o benefício em momento ulterior, os descontos já concedidos não serão alvo de cobrança e apenas as mensalidades futuras serão alvo de acréscimo.

A própria Lei do Prouni (Lei 11.096/2005) afirma que as bolsas de estudos "deverão ser concedidas, considerando-se todos os descontos regulares e de caráter coletivo oferecidos pela instituição, inclusive aqueles dados em virtude do pagamento pontual das mensalidades".

A diferenciação delimitada pelo texto legal atesta a natureza da incondicionalidade dos descontos oferecidos mediante bolsas Prouni, sendo certo que tais valores não incluem a base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).

Ocorre, contudo, que, por meio das Soluções de Consultas nº 30 e 31, de 25 de novembro de 2019, a Procuradoria de São Paulo retificou esse entendimento pela não configuração do desconto incondicional, sob a justificativa de que: "Não há desconto ofertado pelo prestador de serviço apto a ensejar dedução de base de cálculo do ISS, porquanto o valor concedido ao estudante pelo Prouni é repassado à consulente por meio de outra fonte pagadora (União) através de concessão de benefício tributário (…)" [1].

Dessa forma conclui que em relação aos estudantes favorecidos pelo Prouni, o preço do serviço prestado seria o valor original da mensalidade, pois a dedução de valor que se concede ao estudante pelo Prouni não é desconto, porquanto este valor compõe o preço do serviço.

Contudo, como é notório, para configurar-se a prestação de serviços é necessário acontecer o exercício, por parte de alguém (prestador), de atuação que tenha por objetivo produzir uma utilidade relativamente a outra pessoa (tomador), a qual remunera o prestador (preço do serviço). Portanto, a prestação do serviço e a sua consequente remuneração fazem parte da natureza intrínseca do ISSQN. No caso da prestação de serviços educacionais, o fato gerador do ISS emerge na medida em que o prestador de serviço recebe pelo preço do serviço efetivamente executado. No entanto, caso o serviço seja prestado com bolsa de estudo total, seu preço (base de cálculo) será igual a zero, por sua vez, caso a bolsa seja parcial, somente deverá incidir o imposto naquilo que é efetivamente pago pelo aluno bolsista, preço do serviço.

Note-se, ademais, que não se trata de isenção heterônoma, na medida em que a União não concede isenção sobre o ISS, mas uma redução na própria parcela do preço do serviço decorrente de condições fáticas (bolsas de estudo) contidas na legislação federal. Dessa maneira, tratam-se de descontos incondicionados, sendo imperiosa a redução da base de cálculo do ISS para as bolsas de estudo concedidas no âmbito do Prouni.

Para além de reiterar a absoluta incongruência na tributação de valores efetivamente não percebidos pelas entidades educacionais por terem sido revertidos em bolsas de estudo, traz à baila discutir outro ponto fundamental, que é a promoção do acesso à educação no Brasil. O oferecimento de bolsas de estudo por entidades privadas em parceria com o governo federal é justamente uma condição que maximiza a capacidade individual de acesso à educação.

Dessa feita, além de ser totalmente contrária às disposições tributárias reguladoras do ISSQN, a tributação de bolsas de estudo conferidas através do Prouni afronta diretamente o texto constitucional, que em diversos momentos coloca a educação como sendo um direito social fundamental a ser perseguido e fomentado por todas as esferas administrativas.

Por sua vez, a prestação de serviços de educação, ensino, orientação pedagógica e educacional, instrução, treinamento e avaliação pessoal de qualquer grau ou natureza, assim como prevê o item 8 da lista de serviços anexa à Lei complementar nº 116/2003, são hipóteses de incidência do ISS, de competência dos municípios.

O Prouni é uma política pública calcada no sinalagma da concessão de bolsas de estudo versus isenção tributária, ou seja, é uma política pública de acesso ao ensino superior (concessão de bolsas) instituída por meio da isenção tributária de quatro tributos federais (Imposto de Renda Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre Lucro Líquido, Programa de integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).

A isenção é, geralmente, caracterizada pela doutrina nacional como a dispensa legal do pagamento do tributo devido [2]. Consiste num favor concedido por lei, no sentido de dispensar o contribuinte do pagamento do tributo, havendo a concretização do fato gerador do tributo, sendo este devido, mas a lei dispensa o seu pagamento [3].


[2] ATALIBA, Geraldo, "IPTU: progressividade". Revista de Direito P1íblico v. 23, n. 93, São Paulo: RT, p. 233, janeiro/março de 1990, p. 243.

[3] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do Imposto de Indústria e Profissões. Ts. I e 11. São Paulo: Max Limonad, 1964, p. 673.

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