Justiça Tributária

A reforma tributária e seus equívocos que apontam injustiças

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

2 de agosto de 2021, 8h00

"O conceito de justiça tributária é muito simples. Trata-se apenas de dar a cada um o que é seu, em obediência às normas reguladoras do sistema tributário nacional. Suas regras máximas estão fixadas na Constituição, complementadas pelo Código Tributário Nacional e reguladas pela legislação aplicável em cada nível de poder" ("Justiça Tributária", Editora Outras Palavras, São Paulo, 2.014, página 217).

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Os contribuintes temos o dever de pagar os tributos previstos em nossa legislação, para que possamos usufruir os direitos e garantias que nos são garantidos e disponibilizados pelas instituições que compõem nosso país.

Como há diversas falhas na legislação aplicável, encontra-se em andamento no Congresso Nacional um projeto de ampla reforma para corrigi-las. Nesta série de colunas já tivemos oportunidade de comentar várias inconsistências.

Em 10 de maio, com o título "A emocionante novela da reforma tributária", assinalamos que a proposta que estava em andamento na comissão que deveria analisar um projeto sobre o assunto teve seu prazo esgotado, depois de "mais de um ano e meio", tendo sido extinta pelo presidente da Câmara (Arthur Lira, PP-AL), enquanto o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ainda estava apresentando seu parecer.
Sabemos que nosso país possui uma carga tributária que consta ser uma das maiores do mundo (perto de 36% do PIB) e grande volume de sonegação fiscal. As normas reguladoras sobre a matéria são em volume absurdo!

Consta que o relatório que estava sendo preparado pela comissão planejava dividir ou "fatiar" a reforma em quatro partes:

1) Unificação de PIS/Cofins e dividendos, reduzindo o IR das pessoas jurídicas;

2) Criação de um imposto "seletivo" para substituir o IPI;

3) Programa de renegociação de dívidas (tipo Refis);

4) Criação de um imposto sobre transações (tipo CPMF).

Discute-se, ainda, a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para substituir PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS. Essa parte da proposta contraria as duas primeiras partes ou "fatias"…

Essa "coisa" toda ocorreria em duas fases: nos primeiros dois anos teríamos apenas a unificação do PIS/Cofins, transformada em parcela federal do IBS. Depois teríamos mais quatro anos, quando o ICMS e o ISS ficariam como IBS.

No meio dessa confusão toda, o ministro da Economia quer que desonerações e subsídios sejam incluídos na mesma discussão com uma PEC emergencial que possa reduzir os benefícios atuais de 4% para 2% do PIB, num espaço de no máximo oito anos.

Um dos muitos equívocos do nosso sistema tributário está na tabela de retenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, que deveria adotar a progressividade que existia na tabela da Lei 4.862, com base no Decreto-Lei 62/1966, em que a tributação variava de 3% a 50%. Pagava mais quem ganhava mais.

O IPVA é outro imposto de incidência discutível, pois é cobrado de automóveis populares e motos, mas não sobre iates e helicópteros. Sendo de competência dos estados, sua receita é dividida em partes iguais com os municípios. Em nossa opinião jamais deveria ser criado e deve ser extinto há tempos, pois os veículos já são tributados pelo IPI e ICMS. Em 8/4/2019, apresentamos aqui na ConJur as razões que justificam a extinção desse tributo. Os leitores podem ali encontrar links para acessar outros comentários na mesma direção.

A não regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no artigo 153 da Constituição Federal, é outra questão a ser discutida numa reforma digna desse nome.

Várias propostas para regulamentar o IGF já foram apresentadas e engavetadas. Há pelo menos uma do Poder Executivo, com vários detalhes. Uma delas pretende que seja aplicada a alíquota de 2,5% sobre o valor dos bens de pessoas físicas ou jurídicas que possuam patrimônio líquido superior a R$ 50 milhões.

Antigo projeto foi assinado pelo deputado Paulo Guedes, do PT de Minas Gerais, em que se desejava cobrar o imposto sobre imóveis residenciais avaliados em mais de R$ 5 milhões, bem como em veículos de valor acima de R$ 500 mil, embarcações e aeronaves. Tais valores seriam aqueles declarados à Receita Federal pelo contribuinte.

Chegou-se a pretender vincular a arrecadação à construção de escolas ou unidades de saúde credenciadas pelos governos federal, estaduais ou municipais.

A primeira tentativa de regulamentação desse imposto foi do então senador Fernando Henrique Cardoso e chegou a ser aprovada, mas não teve prosseguimento.

Até 2014 surgiram diversas outras propostas no mesmo sentido. Uma delas foi apresentada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pretendendo que os recursos fossem destinados exclusivamente ao financiamento da saúde.

Atualmente o maior problema da sociedade brasileira é, sem dúvida, a pandemia da Covid-19. Como é público e notório, os recursos destinados pelo Ministério da Saúde não estão sendo aplicados corretamente. Sobre o assunto, já registramos:

"Cortar investimento na saúde assemelha-se a um genocídio, na medida em que o poder público descuidou do controle de suas despesas. Os programas de privatização não foram levados a sério e poderiam ter gerado recursos para amenizar os problemas financeiros.
Nesse pandemônio em que se transformou a discussão sobre a reforma, chegou a Receita Federal a pretender que se possa cobrar imposto de renda das empresas, ainda que não registrem lucro em suas operações. Trata-se de idéia maluca, fundada em explicação ridícula, consistente em supostas 'falhas na própria lei'.
Se a lei apresenta falhas, não cabe à Receita Federal propor nenhum 'imposto mínimo', mas, sim, encaminhar ao Congresso Nacional as sugestões que entenda adequadas para que tais falhas sejam corrigidas.
Aliás, com uma carga tributária correspondente a mais de um terço do PIB e com o nível de 'serviços' que o Governo nos presta, sem que tenhamos uma Justiça que funcione, uma Educação razoável e uma Segurança que nos proteja, já não somos mais contribuintes, mas apenas vítimas de verdadeira 'derrama', a justificar uma nova inconfidência, desta vez ultrapassando os limites da província para abranger todo o país…
Esse tal de 'imposto mínimo', que se pretende cobrar mesmo na hipótese de prejuízo, serviria, em primeiro lugar, para desestimular qualquer novo empreendimento, pois todos sabemos que as empresas que se instalam muitas vezes permanecem apresentando prejuízos nos primeiros anos de funcionamento".

Qualquer coisa que se pretenda denominar de reforma tributária deve ater-se ao que o país precisa para progredir: redução da carga tributária, simplificação da burocracia fiscal, eliminação das incidências cumulativas e diminuição dos encargos sociais e trabalhistas.

Enquanto isso não ocorrer jamais teremos justiça tributária!

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  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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