MPF fabricou delação no Rio de Janeiro para imobilizar advogados
26 de abril de 2021, 11h58
Depois de mais de 45 anos no comando da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio Oliveira Santos descobriu um jeito de derrotar o adversário que queria seu lugar na entidade — o então presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Diniz. Santos conseguiu incorporar à sua tropa o grupo de Curitiba autoapelidado de "lava jato".
A guerra jurídica entre os dois caciques arrastou-se por oito anos e mobilizou mais de cem escritórios de advocacia. Com orçamento anual da ordem de R$ 1 bilhão, a Federação até que demorou a cair na luta com a Confederação, cujo orçamento passa da casa dos R$ 10 bilhões. Mas foi quando a CNC e suas associadas entraram na campanha pelas "10 Medidas contra a Corrupção" do MPF que o jogo mudou de fato.
A rede da CNC passou a patrocinar as palestras de Sergio Moro e procuradores da República pelo país. Sem licitação, claro, já que as entidades são privadas. Além da cabeça de Diniz, a Confederação tinha outro "tesouro" cobiçado pelo time da "lava jato" a ofertar: escritórios de advocacia odiados por defenderem réus cujas condenações eram o combustível do grupo.
Delação manipulada
Diniz foi parar na cadeia duas vezes por desvio de verbas entre 2007 e 2011. Mas os procuradores queriam mesmo eram os advogados. Orlando Diniz tentou por mais de dois anos emplacar sua delação. Só conseguiu, segundo publicou a revista Época, depois que concordou em acusar os advogados. Em troca da delação, Diniz ganhou a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior, de acordo com o MPF do Rio.
No primeiro momento, Diniz seria usado para atacar ministros do STJ e do TCU, sob a alegação de que familiares deles teriam advogado para a Federação. O truque não funcionou, porque nenhum dos ministros citados participou de qualquer julgamento relacionado ao caso. No conjunto, toda a delação foi considerada imprestável pela Procuradoria-Geral da República.
A cena seguinte é quase uma paródia do grupo 'Porta dos Fundos'. Um vídeo feito pelo MPF mostra a procuradora Renata Baptista e colegas refazendo a delação de Diniz e colocando na boca do delator o que ele não disse, como boneco de ventríloquo. E a delação imprestável em Brasília foi reconstruída no Rio de Janeiro.
Lavagem de palestras
O caso é recheado dessas características. A competência para a matéria é da justiça estadual e, segundo jurisprudência pacífica do STJ e STF, não são consideradas instituições públicas, nem a Fecomércio nem as entidades do sistema S por ela administradas por força de lei — ao contrário do que dizem os procuradores que, legitimamente, usaram a estrutura do sistema e deram palestras cobradas, como no Rio Grande do Sul.
Em uma das peças, o MPF diz que denunciou 26 pessoas "por pagamentos sem a contrapartida do serviço contratado, a pretexto de honorários advocatícios" por desvio de dinheiro público. Na realidade, não se tratava de dinheiro público. No caso do Teixeira, Zanin Martins, a próprio Receita Federal atestou "vasta" comprovação dos serviços — mas há escritórios que nem foram contratados, nem receberam qualquer quantia da Fecomércio. O alvo principal do MPF sempre foi o escritório que faz a defesa do ex-presidente Lula.
Além de grampos clandestinos e acusações estapafúrdias como a do Rio de Janeiro, procuradores adotaram a prática se fazer gestões junto a bancos para encerrar contas correntes de escritórios para enfraquecer a defesa. Com o apoio do juiz Marcelo Bretas — que também se subordinou a Curitiba — os procuradores conseguiram bloquear as contas bancárias e o patrimônio de cerca de cinquenta escritórios e advogados.
Patrocínio infiel
Mais que isso: pegaram nos escritórios contratos e documentos de clientes sem qualquer relação com os fatos investigados. Tem-se notícia de clientes abordados, o que, como se sabe é quase uma sentença de morte para qualquer prestador de serviços.
Bretas tentou bloquear e bloqueou quantias exorbitantes. A matemática que ele aplicou ao caso foi tão boa quanto o Direito. Em investigação de supostos desvios de R$ 151 milhões, os bloqueios determinados pelo juiz ultrapassaram R$ 1 bilhão, existindo ou não o dinheiro; tendo sido feitos os pagamentos ou não. Ele justificou os valores aplicando a cobrança de "danos morais coletivos" ao montante que teria sido recebido, o que não poderia ter sido feito em ação penal, segundo entendimento da 2ª Turma do Supremo.
Por fim, além de praticar abuso de autoridade, por ter invadido escritórios e residências com mandados genéricos, a chamada "lava jato" também pode ter praticado advocacia administrativa — já que patrocinou os interesses de uma das partes de um litígio privado, a Confederação Nacional do Comércio.
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