Opinião

Jurisdição tributária, instrumentalidade e acesso aos tribunais superiores

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20 de abril de 2021, 9h02

Se é no Direito material que encontramos a razão de existência das relações processuais, pois instrumentais, em sede de recursos excepcionais não deve ser diferente, até porque, ainda que o objeto do recurso não coincida com o objeto da ação, não podemos ignorar que o que se busca em nossas cortes de superposição [1] é o reconhecimento da violação de um direito material e/ou processual.

A partir dessas premissas, e pensando em causas que envolvam questões tributárias (direito material), decorrentes daqueles conflitos identificados nas diferentes fases do ciclo de concretização das competências normativo-tributárias — processo de positivação — a que se referiu Rodrigo Dalla Pria, urge uma necessária e renovada compreensão acerca da problemática que envolve o processo tributário até a efetiva análise do mérito no bojo dos recursos especial e extraordinário.

Neste artigo, voltamos nossas atenções para os requisitos que emolduram o juízo de admissibilidade (conhecimento) dos recursos, especial e extraordinário, que tenham como matéria de fundo questões de índole tributária.

Isso porque somente após a superação dos óbices de admissibilidade é que se avançará para o juízo de mérito (provimento), cujo objeto, por envolver questão que inevitavelmente tratará de aspectos relacionados ao "patrimônio" e à "receita pública", comumente está investido de significado repetitivo (artigos 928 e 1.036, do CPC).

Desse modo, sem descurar dos mandamentos constitucionais e legais (federais) acerca das particularidades que devem ser observadas quando do manejo de recursos dessa natureza — requisitos de admissibilidade recursal —, todos por si só suficientes para inviabilizar seu conhecimento, pontuamos a necessidade de prestigiar cânones como da isonomia, celeridade e segurança jurídica.

Para tal desiderato, é que encontraremos no exercício da jurisdição recursal uma função voltada a atender a finalidade máxima do processo para a solução de conflitos, em matéria tributária, relacionada à crise de exigibilidade do tributo.

Em termos de recorribilidade "excepcional" (STJ e STF), se, de um lado, essa questão fica circunscrita fundamentalmente ao juízo de mérito recursal, de outro isso somente ocorrerá se atendidos primariamente os pressupostos recursais no juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, tanto nos tribunais locais, em que assume caráter provisório, como nos superiores, em que o mesmo juízo é definitivo.

Esgotadas as instâncias ordinárias [2], abre-se, então, o caminho para o manejo dos recursos excepcionais às cortes superiores, também chamados de apelos extremos, diante das estritas hipóteses (constitucionais) de cabimento desses instrumentos.

Assim, vinculados às prescrições dos artigos 102, inciso III (RE), e 105, inciso III (REsp), ambos da CF/88, devem observar a legislação processual de regência, regimentos internos e, com extrema acuidade, os enunciados sumulares e precedentes persuasivos relacionados à admissibilidade recursal no âmbito do STJ e do STF, tudo para que o recurso preencha tanto os requisitos intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) quanto os extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e preparo).

Somente após a superação dessa etapa é que a crise na exigibilidade de tributo poderá ser analisada no âmbito dos tribunais superiores, e ainda assim de forma restrita, pois vinculada, exclusivamente, às questões de "legalidade" e "constitucionalidade" da exigência decididas/debatidas [3] pelas instâncias ordinárias. Antes desse juízo preliminar, impossível a apreciação do mérito recursal, ainda que se trate de causa com potencial repetitivo (artigo 1.036, §6º, do CPC).

É certo que, com a introdução dos artigos 932, parágrafo único, e 1.029, §3º, do CPC — sem correspondentes no ordenamento pretérito —, alguns dos antigos óbices de admissibilidade formal passaram a ser mitigados em prol da plena realização do Direito material, em prestígio, aliás, àquela natureza instrumental do processo mencionada por Paulo Cesar Conrado.

Ainda no contexto próprio ao advento do CPC/2015, surgiram outros dispositivos processuais cujo propósito é justamente superar óbices à efetiva apreciação do mérito recursal impostos por orientações firmadas pelo STJ e pelo STF: a assim chamada "jurisprudência defensiva". Exemplos são os artigos 941, § 3º, 1.003, §4º, 1.007, §2º. e 1.024, §5º, todos do CPC/2015.

Sem embargo, ainda que o progresso normativo e jurisprudencial processual esteja direcionado à sua ascensão, não é menos real que alguns rigores — e errores — no âmbito do juízo de admissibilidade não só extrapolam a lógica processual como ainda desprezam a necessária instrumentalidade, ambas a serviço do exercício da jurisdição voltado à efetiva solução de conflitos.

Não se pode ter dúvida: o processo tributário deve seguir forte na marcha para a realização do Direito material, inclusive no âmbito dos recursos excepcionais, de modo que, à exceção da tempestividade, os demais requisitos de admissibilidade devem ser observados com graus de ponderação a fim de que se consagre a máxima efetividade da jurisdição.

 


[1] Cortes de superposição: expressão que compreende a Jurisdição recursal exercida pelos tribunais superiores (STJ e STF) em matéria tributária.

[2] Instâncias ordinárias: expressão que compreende a jurisdição exercida pelos juízos de primeira instância e tribunais de segunda instância.

[3] A referência aqui é a ideia de prequestionamento, a ser desenvolvido em artigo posterior.

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