Opinião

Best efforts, diligence e boa-fé objetiva

Autor

  • Andrea Marighetto

    é advogado doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália) e doutor em Direito summa cum laude pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

19 de abril de 2021, 17h05

A cláusula contratual chamada de best efforts se encontra principalmente nos sistemas de common law e  hoje em dia  também nos contratos internacionais em geral, pelo fato destes últimos  cada dia mais  preferirem ou privilegiarem a aplicação de modelos jurídicos ingleses ou norte-americanos.

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Esses modelos de common law aplicam conceitos jurídicos não sempre perfeitamente simétricos aos dos sistemas de civil law, que — por exemplo, referindo-se à disciplina dos contratos  identificamos no exato adimplemento do contrato, na culpa, na diligencia do bom pai de família etc.

A doutrina de civil law tende, portanto, a identificar e uniformizar os best efforts, os reasonable cares e a due diligence aos deveres de diligência em geral no adimplemento da obrigação [1].

Parece-nos, portanto, importante enfatizar umas diferenças linguísticas e conceituais dos diferentes institutos (determinadas não unicamente pela própria derivação jurídica de civil law ou commom law) para destacar que  dependendo do direito (e do sistema) aplicável  determinada cláusula contratual poderá ter um diferente significado jurídico.   

Best efforts, reasonable care, due diligence, apesar de sugerirem uniformidade de significado — muitas vezes —, concretizam diferentes conteúdos. Entre best efforts e reasonable efforts parece existir diferença não unicamente linguística: de fato, o adjetivo reasonable indica características de comportamento menos incisivas dque as caracterizadas pelo best, portanto, há um significado mais forte (aparentemente) denotando a exigência de maior dedicação e atenção ao cumprimento da própria obrigação [2].

A secção 2-306 do Uniform Commercial Code (quase remarcando uma qualquer diferenciação entre best e reasonable) dispõe: "A lawful agreement by either the seller or the buyer for exclusive dealing in the kind of goods concerned imposes unless otherwise agreed an obligation by the seller to use best efforts to supply the goods and by the buyer to use best efforts to promote their sale" [3]. Apesar da disposição, é, todavia, interessante evidenciar como por exemplo nos Estados Unidos a jurisprudência é verossimilmente dividida entre: de um lado, cortes como a de Nova York, que utilizam a expressão best efforts e reasonable efforts de forma intercambiável, mantendo, de fato, o significado [4]; doutro lado, cortes como a de Delaware, que reconhecem e estabelecem mais exigências de comportamento nos best efforts, respeito aos reasonable efforts, diferenciando, assim, conceitualmente as duas expressões [5].

Os reasonable efforts indicam comportamentos menos onerosos em linha com a situação e a realidade civil e(ou) comercial em que a própria obrigação se coloca. Em outras palavras, o contexto e os usos comerciais nos quais a obrigação se enquadra são utilizados para verificar o que a pessoa razoável faria, agindo adequadamente em seu próprio interesse comercial para cumprir o objeto da obrigação. Portanto, os comportamentos exigidos  diferentemente da performance  dependeriam mais do contexto da própria obrigação [6].

A própria ausência de disposições especificas que definam o conteúdo dos reasonable efforts põe o juiz norte-americano na condição de sugerir que as partes definam de forma mais especifica e abrangente as circunstâncias, assim como as situações que podem aparecer durante a vigência do contrato.

Quase a acrescentar a necessidade de definir mais especificamente qualquer diferenciação, a própria American Bar Association recomenda que sejam utilizadas linhas-guias que estabeleçam modelos comportamentais "explicativos" do que deveria ser entendido por best ou reasonable efforts, em particular focando: 1) nos prazos de cumprimento das obrigações, cuja violação há de ser considerada verdadeira e forma de descumprimento material do contrato; 2) na continuidade da aplicação dos comportamentos; 3) no respeito do funcionamento do próprio negócio [7]

Sempre no common law, mas mais especificadamente no Direito inglês, os reasonable efforts concretizam a mais baixa categoria de obrigações com respeito aos best efforts. O comportamento dos best efforts não é, portanto, verdadeira obrigação e(ou) garantia de performance, mas comporta a obrigação em geral pela parte de se ativar de forma muito (best) ou pouco (reasonable) significativa para executar as obrigações contratuais. Em outras palavras, os efforts estariam a indicar "a realização de quaisquer comportamentos que qualquer pessoa razoável deveria realizar em circunstancias similares" [8].  

Em âmbito mais propriamente internacional e uniforme, a doutrina está de acordo em considerar que os princípios Unidroit por certa forma "institucionalizaram" o conceito dos best efforts no contexto internacional, disciplinando os best efforts principalmente ao artigo 5.1.4, que dispõe sobre obrigações de meios e obrigações de resultados. Especificamente no ponto 2: "… Quando a obrigação comporta o dever de usar a diligencia na execução da prestação, a parte há a executar os esforços que uma pessoa razoável da mesma qualidade deveria usar nas mesmas circunstancias" [9]. Sendo assim, também pela Unidroit, o dever de best efforts concretiza sempre a modalidade do adimplemento contratual, ou seja, o conjunto dos esforços razoáveis feitos por parte de pessoa razoável em circunstâncias parecidas: além dos best efforts, nada mais pode ser demandado ao devedor no adimplemento, com consequente exclusão da responsabilidade por inadimplemento.

Diferentes dos efforts, a diligence, ou due diligence  presença constante nos contratos internacionais —, caracteriza e qualifica a prestação devida pela parte onerada: a parte deve executar a obrigação with care and diligence or with all due diligence! Diligence, portanto, parece exprimir algo diferente dos efforts: de fato, a diligence concretiza algo mais forte do que o simples effort, que se concretiza na ideia de se adoperar para realizar algo e responder a determinada e típica expectativa [10].

A obrigação de diligencia se identifica, de fato, na própria obrigação de meio, na qual o devedor não se obriga a entregar um resultado (como nas obrigações de resultado), mas o devedor se obriga a agir como bom père de famille para executar a própria obrigação, sem  todavia  garantir o resultado. Sendo assim, na obrigação de meios a parte se obriga a usar toda a sua diligência na execução da própria atividade.     

Nas obrigações de meios, o inadimplemento coincide com o próprio defeito de diligência na execução da obrigação; enquanto nas obrigações de resultado, o adimplemento da obrigação há de ser avaliado de acordo com o esforço técnico e o de resultado usualmente utilizados em obrigações do mesmo tipo.   

Em particular, nos sistemas de civil law a conceituação da diligência tem caráter geral concretizando o conjunto de comportamentos e cautelas que o devedor precisa usar para o adimplemento da obrigação, considerando a sua própria natureza jurídica. A diligência é relacionada ao conceito de culpa, sendo que sua eventual ausência (diligência) causa negligência: em outras palavras, culpa para não ter agido na forma necessária para garantir o pleno adimplemento da prestação.

Evidentemente o critério da diligência, ou seja, a medida do comportamento do devedor na execução da prestação devida se identificada com a expressão diligência do bom père de famille, ou seja, através de um nível médio de atenção e de prudência, que usualmente o bom pai de família deveria ter. Em outras palavras, é a diligência no cumprimento do interesse do credor, típica do homem médio, o bom pai de família, que há de ser avaliado em relação à especifica obrigação que o devedor deve executar.

Em síntese, a diligência se concretiza ao exprimir o conjunto de curas e cautelas que o devedor deve exercer no adimplemento da obrigação e é critério de avaliação do comportamento devido aos fins de eventuais responsabilidades. É, portanto, um parâmetro flexível e elástico que deve ser adaptado às exigências e circunstâncias do caso. A ideia é que seja um critério objetivo e geral, e não subjetivo e individual, e que faça referência à possibilidade de prever o dano nas circunstâncias do caso [11].

Partindo dessa premissa, se destaca que a noção de diligência seja natural e tradicionalmente relacionada ao próprio conceito de culpa, e sua eventual falta configura negligência e, consequentemente, fonte de inadimplemento, justificando, assim, a responsabilidade do agente por não ter agido diligentemente.

A doutrina diferencia também a obrigação de diligência daquela de boa-fé objetiva. De um lado, o conceito de diligência concretiza a "ferramenta" que permite de avaliar o adimplemento em si do contrato, medindo o desforço utilizado por satisfazer o interesse do credor e, consequentemente, a responsabilidade pelo eventual inadimplemento da obrigação. De outro lado, a boa-fé objetiva, ou (comum e simplisticamente) lealdade, define os vários deveres de comportamento das partes, relevantes também para analisar o recíproco exato adimplemento contratual [12]. 

Em outras palavras, a boa-fé objetiva indica um comportamento standard que se concretiza em honestidade e lealdade e é dever recíproco entre as partes; diversamente do best efforts, que indica um comportamento mais exato e completo do que o simples dever contratual de realização do conteúdo da própria obrigação contratual, e que  usualmente  pertence só ao destinatário da cláusula [13].

 


[1] FONTAINE, Marcel; De LY, Filip. Best efforts, Reasonable Care, Due Diligence and General Trade Standards in International Contracts, in Drafting International Contracts. Nijhoff, Brill, 2006.

[2] FONTAINE, Marcel; De LY, Filip. Op. Cit.

[4] Scott‑Macon Sec., Inc. v. Zoltek Cos., No. 04-Civ.-2124, 2005 U.S. Dist. LEXIS 9034, at *40 (S.D.N.Y. May 12, 2005).

[5] Soroof Trading Dev. Co., Ltd. v. GE Fuel Cell Sys., LLC in 2012.

[6] ADAMS, Kenneth A. A Manual of Style for Contract Drafting. American Bar Association, 2004.

[7] ADAMS, Kenneth A. Op. Cit.

[8] CARTWRIGNT, John. An introduction to the English Law of Contract for the Civil Lawyer. Oxford, Hart Publishing, 2016.

[9] BONELL, Michael Joachim. The Unidroit Principles in Practice: Caselaw and Bibliography on the Unidroit Principles of International Commercial Contracts. Brill – Nijhoff, 2006.

[10] FONTAINE, Marcel; De LY, Filip. Op. Cit.

[11] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2011; FACHIN, Luiz Edson. O "aggiornamento" do direito civil brasileiro e a confiança negocial. In: FACHIN, Luiz Edson. (Coord.). Repensando fundamentos do Direito Civil contemporâneo. Rio de Janeiro, Renovar, 1998.

[12] CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra, Almedina, 2007; MIRAGEM, Bruno. Direito das Obrigações, São Paulo, Forense, 2021; MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo, Saraiva Educação, 2018.

[13] TEPEDINO, Gustavo. Novos princípios contratuais e teoria da confiança. Temas de direito civil. Rio de Janeiro Renovar, tomo II, 2006. COSTA, Marcio Henrique da. Clausula de Melhor Esforços – Best Efforts, Editora Jurua, 2016.

Autores

  • é advogado, doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália) e doutor em Direito, summa cum laude, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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