Sem responsabilidade

Mercado Livre não é obrigado a fiscalizar previamente seus anúncios, diz TJ-RS

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21 de setembro de 2020, 21h46

Por se restringir à oferta de sua plataforma tecnológica, um site que veicula anúncios publicitários produzidos por terceiros não responde pela natureza de seu conteúdo, como sinaliza o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Assim, por se tratar de provedor de aplicações de internet, a ausência de fiscalização sobre algum anúncio não caracteriza serviço defeituoso à luz do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

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O TJ-RS isentou o Mercado Livre de responsabilidade por seus anúncios
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Esse foi o entendimento manifestado pela 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao confirmar integralmente os termos da sentença que julgou improcedente uma ação coletiva de consumo proposta pelo Ministério Público contra o Mercado Livre, denunciado por anunciar a comercialização ilícita de diplomas de conclusão de cursos.

Para os julgadores das duas instâncias, amparados na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o provedor de conteúdo — atividade equiparável à prestação de serviço de mídia eletrônica — não pode ser obrigado a controlar previamente o material postado por seus usuários. No entanto, assim que tiver conhecimento da existência de dados ilegais na plataforma, deve removê-los imediatamente para não responder pelos danos causados pelo anunciante.

Para o relator da apelação, desembargador Marco Antonio Angelo, o artigo 19 do Marco Civil da Internet sinaliza que os provedores de aplicações tecnológicas só serão civilmente responsabilizados quando, após ordem judicial específica, não tomarem as providências necessárias para tornar indisponível determinado conteúdo apontado como ilícito. O "espírito" do dispositivo é assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura.

"Enfim, considerado todo o arcabouço doutrinário e jurisprudencial aplicável, a responsabilidade dos provedores de aplicações de internet será subjetiva, segundo a qual o provedor torna-se solidariamente responsável com o terceiro que gerou o conteúdo ilícito somente se, ao tomar conhecimento da ilicitude de determinada informação por ele veiculada em seu espaço virtual, não tomar as providências necessárias para a sua remoção", definiu o desembargador-relator.

Ação coletiva de consumo
O litígio chegou à Justiça após um consumidor protocolar queixa contra o site de comércio eletrônico na Promotoria de Justiça Especializada de Defesa do Consumidor do MP-RS. No inquérito civil instaurado para apurar a denúncia, ele informou que o Mercado Livre estava comercializando, ilicitamente, diplomas de conclusão de ensino médio e de cursos profissionalizantes. E, de acordo com o consumidor, o site sabia do fato e mesmo assim não tomou nenhuma providência concreta para evitar a realização dos negócios ilícitos.

O inquérito evoluiu para uma ação coletiva de consumo. Nesta, a promotoria pediu a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, além de ser compelida a suprimir qualquer cláusula de contrato ou termo de adesão que a isente ou atenue a sua responsabilidade legal, solidária e objetiva perante os consumidores, especialmente pela veiculação de anúncios de produtos e serviços ilícitos.

Em contestação, a ré alegou que fornece a ofertantes e compradores os seus dados de contato, a fim de que as partes concluam a negociação dos produtos/serviços anunciados na plataforma de forma direta, sem a sua intervenção. Ela sustentou que o seu serviço se assemelha aos tradicionais classificados de jornais, com a vantagem, graças à internet e às ferramentas tecnológicas, de oferecer maior interatividade e dinamismo. Por fim, informou que o pagamento do serviço/produto comercializado tem como destinatário o seu respectivo anunciante (ou quem este indique), e não o Mercado Livre.

Por outro lado, não negou a existência de anúncios de artigos ilícitos indevidamente ofertados para fins de comercialização. Garantiu, no entanto, que adota condutas repressivas para coibir tais golpes — suspensão e/ou cancelamento de cadastro de usuário — mediante provocação. Inclusive, afirmou que cada anúncio veiculado no seu provedor contém um link para que os usuários denunciem eventual irregularidade no seu conteúdo ou alguma ilicitude.

Sentença improcedente
O 1º Juizado da 15ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre apurou que a ré não intervém na definição dos termos da oferta ou no conteúdo dos anúncios veiculados no seu provedor, tampouco nas negociações travadas direta e exclusivamente entre os vendedores e compradores. Ela disponibiliza o espaço virtual, apenas, para veiculação de anúncios. Ou seja, por não integrar a cadeia produtiva ou de fornecimento dos produtos ofertados, não pode ser considerada responsável solidária com o anunciante nas negociações irregulares. Com isso, o juízo julgou improcedente a ação consumerista.

A juíza Débora Kleebank, citando a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, registrou que o Mercado Livre não "pratica comércio de bens e serviços". Antes, a obrigação do site perante o anunciante é apenas de divulgação de dados da oferta e dados de contato do ofertante e do interessado nos produtos/serviços. E se o faz com clareza e objetividade, não induz a erro os usuários. Em síntese, trata-se de uma simples "relação de troca de dados" entre ofertante e aderente.

Nessa linha, segundo a julgadora, o site atua como um prestador de serviço na categoria de provedor de conteúdo — mas de um provedor que apenas transmite a informação inserida em seu site por terceiro. "Não sendo autor da informação e não exercendo controle algum sobre ela, não assume responsabilidade por seu conteúdo. Há simplesmente uma disponibilização de informação criada por terceiro. Sua posição, destarte, é a de intermediário, perante os interessados na efetivação do negócio final", repisou na sentença, comparando-o a um prestador de serviço de mídia eletrônica.

Para fechar a fundamentação, a juíza Débora Kleebank citou o desfecho de dois julgamentos emblemáticos na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ambos sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi. No REsp 1.186.616/MG, ficou decidido que o provedor de internet, quando age como mero fornecedor de meios físicos, repassando mensagens e imagens transmitidas por outras pessoas, não pode ser responsabilizado por eventuais excessos e ofensas à moral, à intimidade e à honra de outros.

Naquele julgamento, aliás, ficou claro que o controle editorial prévio do conteúdo das informações se equipara à quebra de sigilo de correspondência e das comunicações, o que é vedada pelo artigo 5º, inciso XII, da Constituição. E ainda: que a verificação antecipada, pelo provedor, do conteúdo das informações comprometeria um dos maiores atrativos da internet — a transmissão de dados em tempo real.

Na mesma linha, ao decidir sobre o REsp 1.383.354/SP, o STJ assentou: "Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado".

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001/1.13.0325033-1

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