Opinião

A natureza da sentença homologatória de acordo de colaboração premiada

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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9 de outubro de 2020, 10h36

O acordo de colaboração premiada se apresenta como um negócio jurídico processual, por meio do qual o colaborador abre mão do seu direito fundamental ao silêncio e da garantia da não autoincriminação em troca de um prêmio ofertado pelo Estado, em razão de ter decidido colaborar de maneira efetiva com a persecução penal, contribuindo, por conseguinte, para a elucidação de crimes que tenha participado ou tenha conhecimento.

A colaboração se apresenta como um instrumento de Justiça negocial, em sentido lato, voltado a solução de controvérsias jurídicas de natureza penal entre o Estado, enquanto órgão de persecução penal, e o investigado.

Essa "solução" é atingida por meio de um negócio entre as partes envolvidas, no qual o Estado abre mão de parte do seu atuar persecutório em face do colaborador, que, em contrapartida, ao colaborar com a persecução penal, é favorecido por um prêmio acordado entre as partes.

Assim como todo negócio jurídico, os acordos de colaboração estão submetidos aos planos de existência, eficácia e validade, especificados no Código Civil, e sedimentados de acordo com as peculiaridades do acordo de colaboração premiada previstas na Lei nº 12.850/2013.

Um negócio jurídico existirá, ou seja, estará constituído, quando estiverem presentes os seguintes elementos: manifestação de vontade das partes, presença de agentes emissores da vontade, objeto e forma. Em um acordo de colaboração, esses elementos se perfazem presentes no momento que as partes (colaborador e Ministério Público ou polícia) manifestam a concordância quanto ao objeto pactuado em consonância com os requisitos (forma) previstos em lei.

Por outro lado, para um negócio jurídico ser válido, a manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé, os agentes devem ser capazes e legitimados para celebrarem o pacto, que deve abarcar um objeto lícito, possível e determinado (ou determinável), bem como observar a forma adequada livremente adotada pelas partes ou prescrita em lei. Superada essa etapa, por meio da observância dos requisitos expostos, o acordo de colaboração, já devidamente constituído, passa a ser válido.

Um negócio jurídico devidamente constituído (plano da existência) e válido (plano da validade) muitas vezes só produzirá efeitos se observado, em determinados casos, um elemento acidental. Os mais comuns, no capo do direito civil, são o termo, a condição e o modo ou encargo.

Nos acordos de colaboração premiada, a lei condiciona a produção de efeitos (plano da eficácia) do pacto celebrado à homologação pelo juízo, que não participa das negociações e não adentra no mérito do acordo (plano da existência) [1], realizando apenas uma análise de legalidade e constitucionalidade da colaboração.

Por conseguinte, a decisão de homologação de um acordo de colaboração premiada também possui natureza declaratória, pois se apresenta como uma condição imposta pela lei que deverá ser observada para que o acordo, constituído no momento da convergência de vontades entre o Estado persecutor e o colaborador, possa vir a produzir efeitos (plano da eficácia).

Entendimento em sentido diverso, ou seja, natureza constitutiva da decisão de homologação, vai de encontro à natureza jurídica de negócio jurídico processual do acordo de colaboração, que deve observar os três planos expostos, bem como afastaria o enquadramento do instituto como de Justiça Negocial, que se apresenta como uma perspectiva de solução de conflito, por meio de um acordo entre as partes envolvidas, cabendo ao julgador apenas aferir se a ordem jurídica foi respeitada.

Desse modo, a rescisão de um acordo de colaboração é resultante de ato das partes, cabendo ao juízo ser apenas homologador, por meio de uma decisão declaratória, oportunidade que deverá aferir se os aspectos legais foram observados. Em suma, um terceiro (juízo) não pode impor um acordo a ninguém, pois o ato necessita de convergência de vontades, que só ocorre (constitui-se) pelo atuar das partes. 

 


[1]  "Artigo. 4  (…)

(…) § 6º. O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
§7º. Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I – regularidade e legalidade; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§8º. O juiz poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais, devolvendo-a às partes para as adequações necessárias. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (,,,)" (Lei n. 12850/2013)".

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