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Alerta para a desvalorização da advocacia nos tribunais

Autor

  • Zênia Cernov

    é advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros "Estatuto da OAB Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr 1ª Ed./2016 e 2ªEd./2021) "Honorários Advocatícios" (LTr/2019) "Greve de Servidores Públicos" (LTr/2011) e "Marketing Jurídico e a nova publicidade na Advocacia: Comentários ao Provimento n° 205/2021" (Temática/2021). Membro da Academia Rondoniense de Letras Ciências e Artes. Coordenadora da Revista da Advocacia de Rondônia.

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6 de outubro de 2020, 9h08

O advogado é indispensável à administração da Justiça, e como tal deve ser valorizado em seu papel fundamental de protagonizar o acesso do cidadão à defesa de seus direitos. Muito além da tecnicidade dos atos processuais com seus ritos e prazos, o cidadão busca no advogado a salvaguarda de seus direitos e um aliado. Nele confia seu patrimônio, sua liberdade e suas relações familiares. É por meio das palavras do advogado, portanto, que esse cidadão levará ao conhecimento do juiz sua história de vida, suas aflições, sua dor, sua inocência, seus laços, e a busca pela justiça.

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No entanto, um estranho fenômeno de desvalorização vem ocorrendo.

Tivemos um reconhecido movimento histórico ascendente de uma década de vitórias nas mais diversas garantias e prerrogativas. Algumas merecem ser lembradas:

a) Em fevereiro de 2009, foi editada pelo STF a Súmula nº 14, garantindo ao defensor o amplo acesso aos elementos de prova em procedimento investigatório;

b) Em junho de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a garantia de que o advogado seja recolhido preso em sala de Estado Maior, definindo que "a prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público" (STF, Pleno, ADI 1127-DF, relator p/acórdão, ministro RICARDO LEWANDOWSKI, publ. DJe 10/6/2010).

c) Em maio de 2012, o STF julgou constitucional o Exame de Ordem da OAB, em sede de repercussão geral (RE 603583, relator ministro MARCO AURÉLIO, Pleno, publ. DJe 24/5/2012).

d) Em março de 2015, o novo Código de Processo Civil trouxe importantes avanços na valorização da advocacia, redefinindo critérios para fixação dos honorários de sucumbência e inserindo uma série de elementos que protegem o seu efetivo recebimento;

e) Em janeiro de 2016, a edição da Lei nº 13.245 garantiu o direito de o advogado assistir seus clientes investigados durante a instrução dos inquéritos;

f)  Também em janeiro de 2016, a Lei nº 13.247 criou a sociedade unipessoal de advocacia, permitindo que os advogados optassem por um sistema tributário muito mais vantajoso, o Simples;

g) Em novembro de 2016, a Lei nº 13.363 inseriu ao Estatuto uma série de garantias em favor da advogada gestante ou lactante, entre elas a prioridade na sustentação oral durante a gravidez e a suspensão de prazos por ocasião do parto;

h) Em julho de 2017, a Lei nº 13.467 que implementou a reforma da CLT reconheceu o direito aos honorários de sucumbência junto à Justiça do Trabalho; 

i) Em outubro de 2018, a Lei nº 13.725 reconheceu a aplicabilidade dos contratos de honorários firmados pelas entidades sindicais e associativas, garantindo aos sindicalizados e associados, na condição de beneficiários, o resultado do trabalho desenvolvido; e

j) Em setembro de 2019, a Lei nº 13.869 inseriu entre os crimes de abuso de autoridade a violação às prerrogativas da advocacia.

Afastando-se desse movimento, estamos agora assistindo a um fenômeno decrescente, pois algumas derrotas atingem de maneira drástica a nossa profissão, o que se revela preocupante.

Algumas decisões que demonstram esse fenômeno precisam ser apresentadas:

1) O STF, no RE 647.885, decidiu que a OAB não pode suspender o exercício profissional dos inadimplentes.

Em maio de 2020, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 647.885, o Supremo Tribunal Federal decidiu que "é inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária" (relator ministro Edson Fachin, Pleno, publ. DJe 19/5/2020). Insta ressaltar que nesse julgamento o STF comparou a OAB aos conselhos de fiscalização profissional, em detrimento de um posicionamento firmado na ADI nº 3026 no sentido de que "a Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional" (ADI 3026/DF, relator ministro Eros Grau, publ. DJ 29/09/2006). A inadimplência já vinha dificultando a manutenção e a evolução dos serviços ofertados pelas seccionais da OAB antes dessa decisão. Nunca foi raro uma seccional precisar de auxílio financeiro do Conselho Federal para pagar despesas ordinárias como folha de pagamento e encargos sociais. Com a impossibilidade de suspender o exercício profissional, o índice de inadimplência tende a se elevar. Não é difícil concluir que as limitações financeiras enfraquecem qualquer instituição.

2) O STF está na iminência de dispensar os defensores públicos de serem inscritos na OAB, na ADI 4636.

Em junho de 2020, o STF iniciou o julgamento da ADI nº 4636, que está prestes a dispensar os defensores públicos de serem inscritos na OAB. Embora esteja pendente, em razão do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, nove ministros já proferiram seu voto no sentido de "declarar inconstitucional qualquer interpretação que resulte no condicionamento da capacidade postulatório dos membros da Defensoria Pública à inscrição dos Defensores Públicos na Ordem dos Advogados do Brasil" (relator ministro Gilmar Mendes). Uma decisão que, além de importar em um esvaziamento importante na representatividade da OAB, traz prejuízos à própria Defensoria Pública, considerando que em outra ADI, a de nº 6053, o STF garantiu a titularidade dos honorários de sucumbência à advocacia pública termo que, até então, incluía os defensores públicos. A respeito, o artigo "ADIN 6.053 X ADIN 4.636: prejuízo para a Defensoria Pública", de nossa autoria, apresenta uma análise das duas decisões.

3) O Tribunal Superior do Trabalho admitiu que os TRTs implantassem sistemas de atermação de reclamação por WhatsApp ou preenchimento de formulários, sem advogado.

Também em junho de 2020, o Tribunal Superior do Trabalho expediu a Recomendação nº 8/GCGJT, recomendando que os tribunais regionais do trabalho implementassem medidas para viabilizar a atermação virtual. Com esse procedimento, os TRTs passaram a implantar sistemas de atermação por mero preenchimento de formulário ou por mensagens de WhatsApp, sem a necessária presença no advogado. Esse procedimento gera danos à advocacia, na medida em que desprestigia a essencialidade do advogado à administração da Justiça, além de prejudicar o próprio jurisdicionado, o qual, sem o necessário acompanhamento e orientação técnica adequada, tem seus direitos violados. Não são poucos os casos de jurisdicionados totalmente prejudicados por esse sistema. Mais ainda, essa forma de atermação permite o exercício irregular da advocacia, pois, não sendo ato presencial, tanto a reclamação trabalhista, quanto a contestação podem ser elaboradas por pessoas que não ostentam a necessária condição de advogado (acadêmico, bacharel, contador, administrador etc.), com o protocolo diretamente em nome da parte, por meio do formulário ou das mensagens de WhatsApp.

4) A Corte Especial do STJ, no Recurso de Especial nº 1.815.055, concluiu pela impossibilidade de penhora de salários para quitação de honorários advocatícios.

Em agosto de 2020, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que não é possível a penhora de salários para satisfação de honorários advocatícios (RESP 1.815.055, relatora ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, publ. DJe 26/8/2020). O entendimento se manifesta em detrimento da natureza alimentar que os honorários advocatícios possuem, reconhecida pelo STF: "A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que é de caráter alimentar a natureza jurídica dos honorários advocatícios originados do ônus de sucumbência" (STF, AI 849470 AgR, relator ministro DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, publ. DJe- 08/10/2012); "Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia" (STF, RE 470407/DF, relator ministro MARCO AURÉLIO, 1ª Turma, publ. DJ-13/10/2006). Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal se consolidou no artigo 85, §14, do novo CPC.

5) O STF considerou constitucional a multa do CPP ao advogado que abandonar o processo, na ADI nº 4398.

Também em agosto de 2020, foi julgada improcedente a ADI nº 4398, ingressada pelo Conselho Federal da OAB, na qual arguiu-se a inconstitucionalidade da multa do Código de Processo Civil ao advogado que "abandona" o processo. O Conselho Federal apresentou, entre outros fundamentos, o de que a expressão "abandonar o processo" não recebeu do legislador a devida tipificação, nem direta ou indireta, inexistindo critérios objetivos e delimitadores da extensão do termo, daí a inviabilidade de sua aplicação por conta não do prudente arbítrio do julgador, mas sim pela arbitrariedade que congrega a possibilidade de apenação sem o devido processo legal e sem garantir o contraditório e a ampla defesa. No entanto, a corte julgou improcedente a pretensão, declarando constitucional o dispositivo e mantendo a advocacia criminal à mercê de um julgamento sem nenhuma objetividade quanto aos elementos que conduzem à prática ou não de determinados atos processuais.

6) O STF iniciou um direcionamento no sentido de submeter a OAB à fiscalização do Tribunal de Contas, no RE nº 1.182.189.

O Supremo Tribunal Federal iniciou em setembro de 2020 o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.182.189, em Repercussão Geral. Embora ainda não terminado o julgamento, o voto do relator, ministro Marco Aurélio, conclui pela submissão da Ordem dos Advogados do Brasil à fiscalização do Tribunal de Contas da União. O referido voto vai na contramão do que já decidiu o próprio STF na ADI nº 3026, na qual a corte definiu que: "2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como 'autarquias especiais' para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas 'agências'. 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional". Espera-se que o voto do relator não prevaleça no resultado final do julgamento em curso.

Como se vê, além da pandemia, o ano de 2020 também não tem sido proveitoso para a advocacia em termos de prevalência de seus interesses institucionais e estatutários, e essa relação é exemplificativa.

É urgente que a advocacia reúna forças para se elevar em representatividade na defesa de seus interesses e reverter essa tendência. Fortes, podemos fazer lembrar à sociedade e aos tribunais a nossa real essencialidade à administração da justiça e reiniciar mais caminhos ascendentes de vitórias em favor de nossas atividades. A advocacia não deve assistir à evolução de seu direitos, deve ser o condutor, protagonista, defensora da ideia de que nenhum dos direitos e nenhuma das nossas prerrogativas seja retirado do mundo jurídico, mas, ao contrário, nossas conquistas sejam inseridas em nosso favor. Marcha à ré, jamais. Pois se uma advocacia unida foi capaz de fazer inserir nossa essencialidade na própria Constituição Federal, unida e forte será capaz de mantê-la efetiva. Cada vez que uma prerrogativa nossa estiver na mira dos tribunais, é importante que cada um se sinta o representante da própria advocacia e levante-se fazendo exatamente aquilo que somos treinados para fazer: a defesa do Direito.

Autores

  • é advogada nas áreas Trabalhista e Administrativa, autora dos livros "Greve de Servidores públicos" (LTr, 2011), "Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr, 2016) e "Honorários Advocatícios" (LTr, 2019), membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes e coordenadora da "Revista da Advocacia de Rondônia".

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