Opinião

A juridicidade é a legitimadora dos atos do poder público em tempos pandêmicos

Autores

  • Alberto Malta

    é sócio-fundador do escritório Malta Advogados professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal mestre em Direito Estado e Constituição com ênfase em Direito Imobiliário Registral pela UnB pós-graduado do programa de Master in Business Administration em Gestão de Negócios de Incorporação Imobiliária e Construção Civil pela Fundação Getulio Vargas (MBA/FGV) pós-graduado em Direito Imobiliário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e árbitro da Câmara Brasileira de Arbitragem na Administração Pública (Cambraap).

  • Júlia Scartezini

    é sócia do escritório Malta Advogados membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal aluna especial do programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB) coordenadora do blog "Imobiliário em Foco" e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal" sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.

26 de maio de 2020, 7h04

O princípio da legalidade, consagrado pela Constituição Federal de 1988, há muito tempo norteia as decisões tomadas pela administração pública. Isso porque o aludido princípio preleciona, em sentido estrito, que, ao contrário dos particulares, a administração pública somente está autorizada a praticar condutas predeterminadas por lei.

No entanto, com a superveniência da Carta Magna, o Direito Administrativo passou por uma fase de constitucionalização, na qual o conceito convencional e estrito da legalidade — como aquela vinculação positiva do administrador — passou a sofrer alterações na sua compreensão. Nesse sentido, após a promulgação da Lei Maior, as condutas da administração pública passaram a ser vinculadas não apenas ao texto tipificado em lei, mas também ao ordenamento jurídico como um todo, trazendo à baila o conceito de juridicidade.

Sendo assim, a juridicidade ampliou o conceito clássico de legalidade, de modo que o próprio Direito, por meio da pluralidade de fontes normativas, passou a ser legitimador da administração pública em suas diferentes formas de atuação.

A aplicação do princípio da juridicidade revelou ser mais adequada às necessidades da sociedade contemporânea, haja vista que enquanto surgem novas necessidades provocadas pelas constantes e sucessivas transformações sociais, as normas também são editadas para que cumpram a função primária de regulação dessas condutas humanas. Essas transformações são impulsionadas pelos mais variados fatores, como a própria evolução e transformação social, acompanhada pela proeminência das instituições.

Dessa forma, o princípio da legalidade em sentido estrito, como pautado inicialmente, passou a não atender, de forma efetiva, todos os anseios da sociedade, intensificados sobretudo pelo processo de globalização. Nesse passo, percebe-se que a evolução social era muito mais célere do que a edição de novas normas, o que é evidenciado pela progressiva construção jurisprudencial e, até mesmo, pelo ativismo judicial.

Entre os novos anseios sociais, surge, por diversas vezes, a necessidade de regulamentação de situações inéditas. Nesse contexto, insere-se o novo coronavírus, que provocou alterações extraordinárias no cenário político, econômico e social, em proporção mundial, desencadeando profundos impactos na vida da população.

Pelo cenário indubitavelmente imprevisível que se alastrou em decorrência da Covid-19, muitas das condutas que precisam ser adotadas pelos agentes públicos carecem de regulamentação e, portanto, de autorização prévia, de modo que estão sendo editados inúmeros decretos e medidas provisórias com o intuito de regular, de imediato, essas condutas pautadas pela nova realidade.

A título exemplificativo, cita-se a Medida Provisória n° 966, que dispõe que os agentes públicos apenas poderão ser responsabilizados na esfera civil e administrativa em relação ao enfrentamento da emergência de saúde pública e ao combate aos efeitos econômico-sociais provocados pela Covid-19, caso tenham uma conduta — positiva ou negativa — eivada de dolo ou erro grosseiro, caracterizado pela evidente e inescusável culpa grave ou pelo elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Apesar de a medida provisória supramencionada não trazer alterações significativas alterações ao ordenamento jurídico, percebe-se que a intenção é reforçar a responsabilização que, por vezes, é mitigada em tempos como o presente. Desse modo, o ponto fulcral da MP é a tentativa de amparar os agentes públicos nesse momento de lacuna normativa no qual, diversas vezes, a administração pública se vê diante de uma situação na qual não existe uma disposição prévia para que proceda de uma determinada forma.

Diante do atual cenário global, apesar do empenho do Poder Executivo em regulamentar as novas situações que venham a surgir em decorrência da pandemia da Covid-19, pela natureza complexa inerente às obrigações humanas continuarão existindo situações em que, apesar de inexistir previsão legal sobre como proceder, será necessário um posicionamento do agente público.

Nesses casos, far-se-á necessário lançar mão da juridicidade e buscar respaldo no ordenamento jurídico como um todo, uma vez que as normas jurídicas não existem de forma isolada, estando sempre acompanhadas do contexto de produção normativa e, portanto, do ânimo do produtor da norma, o qual deve ser interpretado por meio do posicionamento já firmado pelas instituições e dos princípios que norteiam a matéria.

Autores

  • é sócio-fundador do escritório Malta Advogados, professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) e secretário-geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB.

  • é estagiária no escritório Malta Advogados, bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal", sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.

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