Opinião

Lei nº 13.655/18 e MP nº 966/20 não possuem relação de dependência

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

25 de maio de 2020, 7h03

A Medida Provisória nº 966, de 13 de maio de 2020, dispôs sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19, a qual prevê que os referidos agentes públicos somente poderão ser responsabilizados em se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro na execução das medidas de combate sanitária e efeitos sociais e econômicos, isentando os agentes em razão de opinião técnica defendida.

A referida norma elenca ainda que somente o nexo de causalidade não é suficiente para imputar responsabilidade ao agente público, trazendo o conceito de erro grosseiro e os requisitos para sua configuração.

Analisando a Medida Provisória nº 966/20, é possível observar que possui relação direta com a Lei nº 13.665/18, que alterou a lei de introdução ao Código Civil, uma vez que a referida lei dispõe em seu artigo 28 que o "agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro".

Primeiramente, vê-se que a medida provisória foi além da Lei nº 13.655/18 ao descrever quais são os requisitos para a caracterização de um erro grosseiro, deixando uma margem menos elástica para uma gama maior de interpretações.

No mesmo sentido, a medida provisória em comento também não restringe a possibilidade de responsabilização pessoal por dolo ou erro técnico em casos referentes a decisões ou opiniões técnicas, como o faz a Lei nº 13.655/18, mas estende tal isenção para todos os atos dos agentes públicos relacionados às decisões sanitárias, sociais e econômicas tomadas durante a pandemia da Covid-19.

Assim, ainda que se defenda que tal medida provisória apenas reforçou o que o artigo 28 da Lei nº 13.655/18 já trazia, é de se notar que tal dispositivo de lei faz menção apenas ao dolo e ao erro grosseiro em razão de decisões e opiniões técnicas preferidas, ou seja, tal norma visa a conceder uma maior proteção ao agente público como forma de que seja mantida sua imparcialidade quando tiver por dever decidir ou emitir manifestação técnica acerca de assunto determinado.

No entanto, no caso da Medida Provisória nº 966/20, ainda que no seu §1º do artigo 1º se refira à responsabilização por opinião técnica, o mencionado caput se reporta aos atos praticados pelos agentes públicos de forma genérica. Assim, podemos então verificar que as duas normas em comento tratam de temas diversos, reforçando tal entendimento é de se observar que o §2º do artigo 1º, quando afasta a responsabilização do agente público, ainda que demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, corrobora a conclusão de que a Lei nº 13.655/18 e a Medida Provisória nº 966/20 tratam de temas diversos.

Nesse sentido, é importante verificar que a alteração realizada no artigo 28 da Lei de Introdução ao Código Civil buscou conceder uma maior segurança jurídica ao agente público responsável por decisões técnicas, isso porque restingue o número de possibilidades de interpretação acerca de determinado tema, diferentemente do que ocorre com a Medida Provisória nº 966/20, que isenta de responsabilidade os agentes públicos em razão de atos praticados relacionados ao combate à pandemia da Covid-19.

Dessa forma, podemos então concluir que, apesar de em uma análise preliminar transparecer que a Lei nº 13.655/18 e a Medida Provisória nº 966/20 possuem uma relação de dependência, depois de uma comparação mais profunda entre ambas é possível verificar que tratam de temas diversos, possuindo ainda objetivos e abrangência também diferentes, razão pela qual os tratamentos quanto à análise de constitucionalidade e aplicabilidade também devem ter caminhos diversos.

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal–ESMA, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL e mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília–UNICEUB.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!