Direto do Carf

Tributação nos contratos bipartidos de afretamento de plataforma de petróleo

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

20 de maio de 2020, 8h00

Nesta coluna, discorremos sobre os precedentes do Carf acerca da aplicação da tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os pagamentos ao exterior decorrentes de contratos bipartidos de afretamento de plataforma de petróleo e exploração de serviços correlatos.

Spacca
Cumpre destacar que em coluna anterior, Diego Diniz Ribeiro teve a oportunidade de analisar a tributação de tais contratos sob a ótica da incidência ou não de PIS e Cofins[2].

A operação que é objeto de fiscalização decorre da celebração de contratos entre pessoas jurídicas brasileiras e estrangeiras para o afretamento de embarcações bem como a prestação de serviços relacionados com a exploração de petróleo.

Nessa linha, é comum que sejam celebrados dois contratos, um para o afretamento de embarcações e outro para a prestação de serviços de exploração. No que tange aos aspectos tributários de tais contratos, cumpre notar que não haveria incidência de IRRF, Cide-Royalties, PIS e Cofins-Importação sobre os montantes pagos a título de afretamento de embarcação, diferentemente do que ocorre com os pagamentos de serviços.

Diante de tal cenário, foram diversas as autuações fiscais no sentido de que a bipartição de tais contratos seria artificial, tendo por finalidade o não pagamento dos referidos tributos.

Com relação ao IRRF, a não tributação das remessas para pagamentos de afretamentos decorre de uma alíquota zero instituída pelo artigo 1º, I, da Lei n. 9.481/97[3].

Somente com a edição da Lei n. 13.043/14 (em dispositivo normativo que foi seguido pela Lei n. 13.586/17) é que a Lei n. 9.481/97 passa a ter um dispositivo normativo estabelecendo limitações máximas para o montante do contrato global que deve ser atribuído ao afretamento de embarcações para fins de aplicação da alíquota zero do IRRF[4].

Nesse sentido, vale citar a Solução de Consulta Cosit n. 12/15, que reafirmou a até recente alteração legal, limitando a parcela relativa ao contrato de afretamento a 80% do valor global do contrato, quando houver execução simultânea de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si[5].

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2202003.063 (de 09/12/15), entendeu-se, por maioria de votos, pelo não provimento ao Recurso Voluntário, o que implicou a incidência do IRRF sobre os pagamentos ao exterior neste caso concreto.

Para tanto, foi levado em consideração pelo relator que: (i) o contrato de afretamento e o contrato de prestação de serviços foram assinados na mesma data com uma empresa brasileira do mesmo grupo econômico; (ii) havia solidariedade entre a contratada (fretadora) e a interveniente (prestadora de serviços); (iii) o seguro de responsabilidade civil firmado pela interveniente (prestadora de serviços) a fretadora como co-segurada; e (iv) algumas cláusulas do contrato de afretamento preveem obrigações relativas à prestação de serviços.

Embora a Recorrente tenha alegado a alteração legislativa da Lei n. 13.043/14 e citado a Solução de Consulta Cosit n. 12/15, estas não foram consideradas como aplicáveis pela maioria da Turma visto que surgiram depois dos fatos geradores em discussão.

Com relação à aplicação dos acordos para evitar a bitributação celebrados pelo Brasil, a maioria de turma entendeu não ser aplicável o artigo 7º “Lucros das Empresas” por haver disposição específica nos Protocolos dos acordos equiparando o tratamento tributário dos serviços técnicos e de assistência administrativa ao dos royalties. Todavia, tal disposição não existia na Convenção celebrada entre Brasil e França, de forma que nesse caso específico a Turma entendeu que haveria estabelecimento permanente da pessoa jurídica estrangeira no país, dado que esta possuía uma controlada no Brasil.

No Acórdão 2402-005.452 (de 17/08/16), foi negado provimento ao Recurso Voluntário de forma unânime. A turma entendeu que a divisão entre o afretamento e a prestação de serviços era apenas formal e que as autoridades fiscais conseguiram comprovar que se tratava materialmente de prestação de serviços, sendo assim aplicável a tributação do IRRF.

No Acórdão 2202-003.620 (de 19/01/17), foi negado provimento ao Recurso de Ofício por unanimidade, visto que foi considerada inadequada a premissa da autuação fiscal de que uma operação de afretamento de embarcação estrangeira deveria ser tributada simplesmente por não ter sido expressamente autorizada pela Antaq, ainda que houvesse dispensa de tal autorização, assim como foi entendido como inovação no âmbito do Carf a questão levantada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional de que a operação teria natureza de cabotagem.

No Acórdão 2402-005.676 (de 09/02/17), entendeu-se, por maioria de votos, pelo provimento ao Recurso Voluntário, no entanto, neste caso a discussão se cingia ao conceito de embarcação, visto que no voto vencido o relator entendia que as plataformas móveis não se enquadrariam como embarcação, sendo que os demais membros da turma entenderam em sentido diverso, de forma que se aplica a alíquota zero de IRRF.

No Acórdão 2402-005.822 (de 10/05/17), decidiu-se, por maioria de votos, pela tributação do IRRF das remessas, uma vez que foi entendido que não se tratava de contrato de afretamento, mas contrato de prestação de serviços. Nessa linha, foi relevante, dentre outros pontos, a análise dos dispositivos contratuais, uma vez que cabia à fretadora a operação da unidade de perfuração, demonstrando que o conteúdo do afretamento incluía uma obrigação de fazer, inerente ao contrato de prestação de serviços.

No Acórdão 2401-005.149 (de 05/12/17), foi decidido, por maioria de votos, que era aplicável a alíquota zero do IRRF com exceção dos pagamentos realizados em favor de empresas residentes em países de tributação favorecida, em que incide o imposto à alíquota de 25%.

A relatora pontuou que o fato de haver necessidade de serem executados simultaneamente contratos de afretamento e de prestação de serviços não implica, por si só, inexistência ou artificialidade de negócio jurídico, sendo que não deve prevalecer a caracterização de contrato de afretamento como sendo de prestação de  serviços técnicos, por presunção, sem que haja motivação sólida e prova robusta e adequada da acusação. Ademais, ela ressalta que a própria Lei n. 13.043/14 corrobora a possibilidade execução simultânea ao trazer limites ao afretamento.

No Acórdão 2202-004.581 (de 03/07/18), entendeu-se, por maioria de votos, pela não aplicação da alíquota zero de IRRF. No voto vencedor, a redatora manifesta o entendimento de que a fiscalização teria qualificado corretamente todo o contrato como de prestação de serviço, visto que a essência do contrato é a captura de dados.

No Acórdão 2301-005.520 (de 08/08/18), decidiu-se, por voto de qualidade, pela incidência do IRRF sobre as remessas efetuadas ao exterior. O voto vencedor parte do pressuposto de que os contratos não se referem ao afretamento de embarcação, mas à execução de um serviço especializado em que a contratada empregou seus próprios equipamentos e profissionais, de modo que não houve risco para a Recorrente acerca do afretamento.

Ademais, segundo o voto vencedor, não deve ser aplicado retroativamente as alterações da Lei n. 13.043/14, assim como não deve ser aplicada a Convenção para evitar bitributação celebrada entre Brasil e França, visto que não há uma clara definição de lucros das empresas na convenção, de modo que ela deveria ser buscada na legislação nacional, bem como os serviços prestados pela contratada no exterior podem ser enquadrados no conceito de royalties da convenção.

Há declaração de voto no referido Acórdão no sentido de que inexistia limitação de percentual do contrato de afretamento frente ao contrato global quando dos fatos geradores. Além disso, a edição da Lei n. 13.043/14 vem exatamente confirmar que pode existir execução simultânea de contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e contrato de prestação de serviço, corroborando uma realidade econômica usual.

Nesse diapasão, a dificuldade da bipartição dos contratos é mencionada na declaração de voto, ao citar que a própria DRJ reconhece isso ao dizer que “fica impossível à autoridade fiscal determinar qual a parte seria a remuneração tão somente da locação da embarcação”, sendo que tal afirmação só confirmaria que diante da constatação de que o contrato é complexo, optou-se por considera-lo todo como prestação de serviço, que curiosamente é a qualificação que permite uma tributação mais gravosa.

Na declaração de voto consta ainda que deveria ser aplicado o artigo 7º da Convenção celebrada entre o Brasil e a França para Evitar a Dupla Tributação, de modo que deve inexistir retenção fonte sobre os pagamentos feitos pela Recorrente à pessoa jurídica francesa prestadora de serviço, visto que a inteligência do referido dispositivo pressupõe que a renda ativa derivada do exercício direto de atividades econômicas no país da fonte, sem que haja um estabelecimento permanente, somente será tributada no país de residência.

Por fim, há menção ainda de que embora em alguns acordos exista uma previsão específica em protocolo de que serviços técnicos serão tratados como royalties, inexiste tal previsão no Protocolo Específico da Convenção celebrada entre Brasil e França, de forma que pode ser plenamente aplicável o entendimento que consta no Ato Declaratório Interpretativo n. 5/14, que impede a requalificação dos serviços técnicos para royalties quando não haver dispositivo em tal sentido no protocolo da Convenção.

Diante do exposto, nota-se que a maior parte dos precedentes do CARF tem sido no sentido da requalificação do contrato de afretamento de embarcações para a prestação de serviços técnicos, o que implica em não aplicação da alíquota zero de IRRF sobre as remessas pagas ao exterior. Também não tem prosperado os argumentos de aplicação do racional das limitações ao contrato de afretamento trazidas a partir da Lei n. 13.043/14 e de aplicação do artigo 7º dos Acordos para evitar bitributação celebrados pelo Brasil.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[2] RIBEIRO, Diego Diniz. Carf debate se contratos bipartidos de afretamento de plataformas são válidos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-17/direto-carf-carf-debate-contrato-bipartido-afretamento-plataforma-valido

[3] Lei n. 9.481/97: “Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses:

I – receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras ou motores de aeronaves estrangeiros, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem como os pagamentos de aluguel de contêineres, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias”.

[4] Lei n. 9.481/97: “Art. 1º. (…) § 2o  Para fins de aplicação do disposto no inciso I do caput deste artigo, quando ocorrer execução simultânea de contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e de contrato de prestação de serviço relacionados à exploração e produção de petróleo ou de gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si, a redução a 0% (zero por cento) da alíquota do imposto sobre a renda na fonte fica limitada à parcela relativa ao afretamento ou aluguel, calculada mediante a aplicação sobre o valor total dos contratos dos seguintes percentuais:      (Redação dada pela Lei nº 13.586, de 2017)     (Produção de efeito)

I – 85% (oitenta e cinco por cento), quanto às embarcações com sistemas flutuantes de produção ou armazenamento e descarga;   (Redação dada pela Lei nº 13.586, de 2017)    (Produção de efeito)

II – 80% (oitenta por cento), quanto às embarcações com sistema do tipo sonda para perfuração, completação e manutenção de poços; e     (Redação dada pela Lei nº 13.586, de 2017)    (Produção de efeito)

III – 65% (sessenta e cinco por cento), quanto aos demais tipos de embarcações”.

[5] Solução de Consulta Cosit n. 12/15: “O pagamento, crédito, emprego ou remessa da contraprestação do contrato de afretamento de plataforma semissubmerssível está sujeito à alíquota zero do IRRF. A parcela relativa ao contrato de afretamento estará limitada à 80% do valor global do contrato, quando houver execução simultânea de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si”.

Autores

  • é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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