Opinião

Compliance, uma ferramenta fundamental em tempos de crise

Autor

  • Thayana de Moura Macêdo Lima de Araújo

    é CEO na Clat Compliance advogada professora mentora especialista em Compliance auditora líder em Segurança da Informação consultora em Compliance Privacidade e Proteção de dados especialista em Proteção de Dados Privacidade e Cibersegurança na UE e autora em diversos livros sobre compliance e proteção da privacidade de dados pessoais.

4 de maio de 2020, 8h14

Existem estudos a alertar ser a gripe espanhola a tensão [1] de dimensão planetária que, guardadas proporções históricas, compara-se ao momento presente de crise econômica e social causada pela famigerada e veloz Covid-19. A passo acelerado observamos repetir-se em diversos países do globo crescente contaminação e, salvo algumas raras exceções, um total despreparo governamental para lidar com o cenário — colapso do sistema de saúde. Por que a dificuldade em gerir essa pandemia não se resume aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento?

Ensina Theodora Sampaio ser a governança corporativa "definida como um conjunto de práticas estabelecidas dentro de uma organização que têm como objetivo indicar caminhos sustentáveis para alcançar um resultado" [2], lembrando ser esse um olhar para a estrutura de governança no âmbito privado. Quando nos direcionamos para o viés público, governança "pode ser entendida como a capacidade que os governos têm de avaliar, direcionar e monitorar a gestão das políticas e serviços públicos para atender de forma efetiva as necessidades e demandas da população" [3].

Princípios tais como transparência e publicidade, equidade e justiça, prestação de contas responsável, responsabilidade institucional, gestão de riscos e cumprimento de leis [4] são os norteadores da governança e devem ser constantes tanto na rotina pública como na privada. Falamos destes dois pontos de vista, corporativo e governamental, porque vivenciamos um momento historicamente importante onde as organizações devem estar alinhadas nas medidas de gerenciamento da crise a se instalar na sociedade.

A falar do momento presente revisitamos Bauman [5] quando traz, referindo-se a "crise de qualquer natureza", que levados a nos portar diante do tema "nós transmitimos em primeiro lugar o sentimento de incerteza, de nossa ignorância da direção que as questões estão prestes a tomar, e secundariamente, do ímpeto de intervir: de escolher as medidas certas e decidir aplicá-las com presteza". O filósofo destaca palavras tais como "incerteza", "ignorância", "escolher" e "decidir". Aos quatro ventos observamos: nações vão e vêm nas incertezas e imersos em mares de ignorância/desconhecendo, por vezes, ante as melhores opções das quais devem lançar mão e resolver.

Exatamente nesse contexto vislumbramos o compliance. A tal ferramente a alicerçar e viabilizar, livrando os tomadores de decisão da ignorância, com medidas técnicas a nortear e mitigar tais incertezas permeando algo, por muitas vezes desprezado — o risco [6].

A pandemia atual trouxe à tona, e às manchetes midiáticas, a ineficiência estatal aquela explicada por Bauman e Bordoni no seu livro Estado de Crise (2014). A mesma de que, não raras vezes, pessoas se apoderam e confundem com divergência de comando político partidário a perda, por parte do Estado, do seu poder e política. Apresentado pelos autores, o poder se apresenta como pragmática ação, "levar as coisas a cabo", apenas possível quando utiliza a força política: a escolha   "que coisas devem ser levadas a cabo" ou  "que coisas devem ser tratadas do âmbito global".

Longe de reduzir o compliance a mera conformidade, ou a ação pontual de combate à corrupção, destacamos ser esta ferramenta da governança para melhor gerir, o compliance lato sensu, o meio possível, adequado e palpável a ser utilizado pela alta administração, a qualquer tempo, principalmente indispensável aos de crise.

Previsível é perceber que os tomadores de decisão governamentais ou corporativos carecem do conhecimento preventivo, capaz de mostrar caminhos menos tortuosos em tempos de dor. Rapidamente lembramos da maestria alemã [7] em conduzir os cidadãos e as instituições com base em planejamento e estrutura. Menos difícil é tomar decisão quando o imprevisível já foi prospectado.

Voltamos a indagar: por que a dificuldade em gerir esta pandemia não se resume aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento? Seria descaso ou falta de conhecimento? Entendemos estar a resposta inserida na dificuldade das instituições enxergarem no planejamento e no autoconhecimento (risk assessment), independentemente do desenvolvimento socioeconômico que possua, a solução para prever e forjar as saídas num contexto crítico, posto ser prioridade tudo, menos investir em equipe técnica de prevenção ou destacar componentes para tanto.

Novamente esbarramos em pontos de interesse ao compliance cultura organizacional. Cultura esta relacionada ao "conjunto de valores que rege o comportamento de um grupo" [8], é mais facilmente compreensível o conceito se pensado sob ótica corporativa, mas perfeitamente adequado ao viés público, sendo, desse modo, possível entender quando uma nação é mais ou menos beligerante. Assim, analisando a dificuldade das nações e organizações em gerir os percalços e desassossegos que a pandemia trouxe consigo, entendemos estar a celeuma na cultura organizacional de cada uma das realidades de governança. Entendemos ser indispensável investir em meios preventivos e prospectivos posto a necessidade constante que as instituições detêm, haja vista às contínuas crises.

Faz parte é consequência da aplicabilidade dos procedimentos do compliance agir na cultura organizacional, dando-lhes mais ou menos meios para mudar ou aperfeiçoar as tomadas de decisão, com base em reestruturação da cultura com o propósito de mitigar exposição a riscos, ou como no caso hodierno, apresentar as melhores formas de gerir a crise. Aqui lembramos da possibilidade, não rara, de enfrentarmos tensões externas à rotina institucional as ameaças [9], para tanto se faz preciso planejamento e estratégia previdente, o que facilmente associamos a crise do coronavírus.

A pandemia traz a necessária estruturação de tomada de decisão de forma calculada. Observamos a nível mundial empresas obrigadas a fechar portas e decidir manter ou dispensar mão-de-obra, hospitais e seus profissionais sendo impelidos a escolher quais pacientes atender prioritariamente, ou simplesmente, em casos extremos, não atender; governos compulsados a agir rapidamente para, se não sanar, minimizar a calamidade da fome, de todas as formas de miséria humana tudo isso em razão de um inimigo invisível que ultrapassa barreiras (o inimigo da sociedade de risco [10]).

Quando Ulrich Beck nos traz em seu livro Sociedade de Risco [11] (1986) a definição de uma realidade a ter por inimigo algo que ultrapassa barreiras geográficas, e não escolhe classe social nos apresenta a preocupação nascida mundialmente referente ao risco nuclear vivido em Chernobyl — pensamos imediatamente no presente.

Assim como o risco nuclear, o perigo da contaminação pelo coronavírus ignora obstáculos físicos e castas. Neste momento entra o preparo com base em planejamento usando ferramentas prospectivas a adequação e disponibilidade institucional a se organizar e estruturar meios de existir ou subsistir ante às crises que saem do previsível (as econômicas, por exemplo, destacamos como lugar comum). Estamos constantemente vivendo, convivendo com crises, citando algumas das que ocorreram com repercussão mundial: crise russa e asiática de 1997 (crise econômica) e crise dos subprime de 2008 (crise financeira); não ignorando as diversas tensões políticas e econômicas enfrentadas no Brasil (exemplo disso o impeachment de 2016) destacando o momento atual onde além da calamidade na saúde, os atropelos políticos constantemente desviam o foco da necessária gestão da tensão sanitária passando a priorizar falácias frívolas causadas por patente mau gerenciamento governamental.

A pandemia presente não só nos trouxe a indispensabilidade do distanciamento, isolamento ou, em alguns casos, a quarentena; ofertou-nos a possibilidade de aprimoramento dos teletrabalhos, home office e trabalho remoto; aproximou-nos com as plataformas de reunião (meeting), dos aplicativos de conversa virtual, das redes sociais com opção de encontros ao vivo (hoje a famosa live). Assim nascem, ou se reinventam, os riscos do espaçamento humano e minoração das fiscalizações nas atividades laborais. Surgem as confusões e blends do que seria profissional e pessoal quando se está em casa trabalhando e produzindo o risco da exposição do corporativo no espaço privado.

Citamos anteriormente a dificuldade hodierna em lidar com as consequências da acelerada disseminação do coronavírus, não sendo exclusividade das organizações penalizadas economicamente, das inúmeras pessoas dizimadas e famílias atormentadas, dos governos sobrecarregados por obrigações a extravasar uma quota que transbordou em tempos pretéritos. Então, compliance está longe de ser remédio miraculoso, ou modelo estático aplicável em qualquer circunstância; contudo, amparado em sua ferramentas adequadas viabiliza as instituições estarem preparadas para adversidades, personalizado ao caso em concreto.

Governança e compliance estão intimamente ligados pelo interesse, dentre outros, em sustentabilidade. As instituições urgem amparar-se nestes dias em credibilidade, confiabilidade, seja para com os colaboradores em que bem se inserem os trabalhadores precisando dos seus empregos garantidos ou para com a sociedade materializando aqui as ações governamentais em amparar os doentes e aqueles em estado de vulnerabilidade. O pós-crise será determinado pelo nível de segurança gerado na tensão.

A boa governança, o melhor gerir por parte dos tomadores de decisão, terá maior possibilidade de sucesso quando souber em que solo caminhar, utilizando a gestão de risco, o planejamento com base em autoconhecimento e prospectando possibilidades (cenários) para momentos de crise haja vista a certeza de que esta não será eliminada da realidade humana, por ser uma constante surgirá sempre independentemente do fato gerador (econômico, financeiro, ambiental, saúde). A atual pandemia apresenta-se como mais uma perturbação mundial estar preparado para as que virão reflete na estrutura e realidade da cultura organizacional de uma empresa ou de uma nação.

Encontramos no compliance lato sensu os melhores meios de prevenir, detectar e remediar não só crimes, mas para além traz consigo a técnica multidisciplinar de fortalecer controles, assim aprimorar planejamento –—, o que demanda esforço e determinação em equipe. Sugerimos com compliance trabalho em conjunto, comprometido nos mesmo objetivos de micro ou macro ambiente seja nas empresas ou nos governos alicerçado em ética e integridade com base no bem comum e preservando o interesse social o planejamento estratégico é fruto do labor engajado, evidentemente sob formar estruturadas e científicas, mas que não produz fruto positivo sem que a cultura organizacional assim o permita importando lembrar ser a alta administração (em qualquer nível ou patamar) responsável por dar o tom do trabalho.

 


[1] Crise sanitária

[2] SAMPAIO, Theodora. Compliance e governança corporativa: entendendo a compliance leitura objetiva resumida – fácil . Sampaio, theodora. Edição do kindle.

[3] NARDES, João Augusto Ribeiro, Cláudio Sarian Altounian, Luis Afonso Gomes Vieira; Governança Pública: o desafio do Brasil — 3ª edição revista e atualizada. — Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 125

[4] SAMPAIO, Theodora. Compliance e governança corporativa: entendendo a compliance leitura objetiva resumida – fácil . Sampaio, theodora. Edição do kindle.

[5] BAUMAN, Sygmunt e BORDONI, Carlo. Estado de crise. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. P. 16.

[6] Resultado indesejado.

[7] Entenda por que Alemanha registra baixa mortalidade pelo coronavírus. Disponível em <<https://www.cartacapital.com.br/saude/entenda-por-que-alemanha-registra-baixa-mortalidade-pelo-coronavirus/>> Acesso em 25 abr 2020.

[8] LANZER, Fernando. Clima e Cultura Organizacional: Entender, Manter e Mudar . Edição do Kindle.

[9] SWOT – FOFA – forças (Stregths) e as fraquezas (Weakenesses) fatores internos da instituição / as oportunidades (Opportunities) e as ameaças (Threats) condições externas à organização.

[10] Sociedade descrita por Ulrich Beck.

[11] BECK, Ulrich. Sociedade de risco – rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2a. edição. 3a. reimpressão. 2019.

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