Opinião

MP 948/2020 abranda impactos da Covid-19 no setor de turismo, lazer e cultura

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4 de maio de 2020, 13h34

A pandemia da Covid-19, reconhecida e deflagrada no Brasil em meados do mês de março, vem causando um grande impacto em praticamente todos os setores produtivos. A economia nacional apresenta cenários desafiadores ante a completa paralisação das atividades em diversos segmentos.

Turismo, lazer e cultura, tradicionalmente, são vetores de grande importância na economia global. Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC — World Travel & Tourism Council), o impacto direto, indireto e induzido de viagens e turismo no ano de 2019 foi responsável pela contribuição de US$ 8,9 trilhões para o PIB mundial, representando 10,3% do PIB global, além de gerar 330 milhões de empregos em todo o mundo.

Já no Brasil, também segundo o WTTC, o setor responde por 7,7% do PIB nacional, além de ocupar 7,9% de todos os postos de trabalho no país, demonstrando a importância do segmento no contexto econômico atual.

Por outro lado, a chegada da crise gerada pela pandemia da Covid-19 trouxe imensos prejuízos às empresas e pessoas que prestam serviços no ramo de turismo, lazer e cultura. A impossibilidade de se utilizar o transporte aéreo, a imposição de isolamento social e o fechamento temporário da grande maioria dos estabelecimentos e equipamentos públicos coletivos são as causas mais evidentes dos pedidos de cancelamento e desistência de reservas já realizadas anteriormente pelo público consumidor. O quadro se alastra com a impossibilidade de se realizar conferências, seminários, congressos, feiras e outras atividades corporativas que também influenciam na atividade.

A preocupação do setor vem sendo exposta de maneira reiterada na mídia e em publicações especializadas. A principal meta em busca da preservação da atividade é de manutenção das viagens e programações já contratadas. Incentiva-se, sobretudo, a remarcação para período posterior à crise. Essa parece a única maneira de evitar um colapso generalizado e a falência das operações ligadas ao turismo, lazer e cultura.

De todo modo, malgrado o correto direcionamento das campanhas publicitárias que destacam esta necessidade, é fato que todos os fornecedores de serviços e produtos ligados à atividade em questão estão a receber um número absurdo de pedidos de cancelamento e desistência. Isso gerou, num primeiro momento, a necessidade de ressarcimento, ainda que proporcional, dos valores recebidos.

Obviamente, o fluxo de caixa da grande maioria das empresas não permite uma descapitalização em massa, com a concomitante restituição de valores pagos pelos consumidores, ainda que se refiram a eventos e atividades futuras.

Diante desse cenário e de um iminente rompimento das condições de manutenção das atividades do setor, foi adotada pelo Governo Federal a Medida Provisória nº 948/2020, que especificamente "dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)".

A norma em questão, sem dúvidas, representa um importante instrumento para o setor de turismo, lazer e cultura ao relativizar a obrigação de restituição imediata de valores por partes dos prestadores de serviço e fornecedores de produtos, desde que atendidas algumas condições.

Detalhemos essas hipóteses.

A regra geral prevista é a da não obrigatoriedade de reembolso dos valores pagos pelo consumidor, desde que fique assegurada: I) a remarcação dos serviços, das reservas ou dos eventos cancelados; II) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou III) outro acordo a ser formalizado com o consumidor.

São condições para qualquer das hipóteses da regra geral que não haja custo adicional, taxa ou multa ao consumidor, caso a solicitação seja efetuada no prazo de 90  dias, bem como que o crédito eventualmente disponibilizado seja utilizado pelo consumidor no prazo de até 12 meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Já a regra excepcional abriga soluções não desejáveis, mas também consideradas válidas e menos prejudiciais do que a imediata restituição de valores. Abre-se, assim, a possibilidade secundária de restituição a prazo do valor recebido ao consumidor, atualizado monetariamente, no período de até 12 meses. Nesse caso, a devolução pode ser realizada de modo parcelado, desde que respeitado o prazo estipulado, ou em uma única parcela dentro desse mesmo lapso.

Estabelecidas essas formas de solução do problema ligado a reservas e eventos, conforme expressamente contemplado pelo artigo 2º da MP nº 948/2020, também ficou previsto que precisa ser considerada a sazonalidade e o valor dos serviços originalmente contratados, respeitando-se, em qualquer caso, o prazo de 12 meses, este sempre contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06/2020.

Isso quer dizer que não poderá o consumidor, por exemplo, utilizar uma reserva em período futuro de alta estação ou data comemorativa de maior fluxo de pessoas se ela originalmente foi contratada para um período de baixa estação ou época menos concorrida.

Na hipótese de contratos de shows artísticos, firmados antes da vigência da MP nº 948/2020, o regime segue a mesma lógica.

Nesse caso, a regra geral é de que os artistas que tiverem suas apresentações canceladas não estão obrigados a reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês. A condição é que o evento seja remarcado e ocorra no mesmo prazo de 12 (doze) meses. Igual previsão é válida para diversos outros diversos tipos de evento, a exemplo de shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas.

Já a regra excepcional é aplicável em caso de não se chegar a nenhuma das soluções que preservem a relação contratual. Prevê-se, assim, que a não prestação do serviço deverá ser secundada da restituição do valor recebido, devidamente atualizado monetariamente, também no prazo de até 12 meses.

Em conclusão, anota-se que a MP nº 948/2020 prestigia a continuidade da relação contratual e a manutenção da avença pactuada, ainda que admita a postergação da respectiva execução. Adota-se, em sequência, uma solução alternativa, admitindo-se o desfazimento do contrato mediante restituição de valores em prazo razoável, tendo-se em conta os prolongados efeitos da crise decorrente da pandemia da Covid-19. Nessa última solução, não há prejuízo aparente imediato ao consumidor, pois apesar de ser ter que aguardar um prazo de 12 meses, exige-se a atualização dos valores devidos pelo IPCA-E.

Por óbvio, ainda que a norma traga soluções preconcebidas, todas as negociações consensuais poderão ser levadas a cabo livremente pelas partes, ainda que suplantando ou relativizando prazos e condições previstas na MP nº 948/2020. Os acordos bilaterais continuam sendo válidos, para qualquer caso, sendo desejável sua homologação judicial para segurança de ambas as partes. A mediação também pode servir de importante instrumento para apaziguar eventuais conflitos.

Por fim, o artigo 5º da MP nº 948/2020 também adota uma regra que, em nossa avaliação, acaba por prevenir conflitos que poderiam ocorrer em busca de indenizações por dano moral, ao reconhecer que as relações de consumo citadas caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior, não ensejando qualquer dano natureza extrapatrimonial.

As regras propostas pela novel legislação, portanto, orientam situações em que o consenso não é alcançado, proporcionando soluções transitórias e equilibradas, na busca da normalização do mercado de turismo, lazer e cultura, não sem exigir de todos os envolvidos algum desprendimento e sentimento de coletividade.

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